Mas ontem surgiu, e bem, o economista Abdul Magid Osmam (antigo Ministro das Finanças) a colocar o dedo na ferida. Quem lhe conhece, sabe do seu optimismo reservado quando se trata de abordar os benefícios, em receitas para o Estado, do gás do Rovuma. Em entrevista à STV, Magid Osman foi taxativo, mostrando que essa imagem de abastança é uma falácia.
Ele lembrou que, no gás do Rovuma, há três fontes de receitas para o Estado, que entram para o Orçamento, nomeadamente o Imposto de Produção(IP), o Lucro do gás (Profit Oil) e o Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC). O Imposto de Produção é hoje de apenas 2%, mas já esteve a 6%. “Carta” sabe que as multinacionais influenciaram a sua redução. Mas Magid clarificou que dos actuais 2%, passará para 4% depois de 10 anos de produção, e para 6% depois doutros 10 anos de produção. Enfim, nada de extraordinário.
Ele explicou que, quanto ao lucro do gás este depende do volume de investimentos que fizermos (no caso, o investimento da ENH nos dois projectos [com os ratings da dívida soberana no lixo em função das “dívidas ocultas”, não é garantido que a companhia petrolífera nacional se consiga financiar sem grandes dificuldades nos mercados internacionais]) e depende também dos preços do gás nos mercados.
Para ser mais assertivo, Magid ateve-se ao caso do “floating LNG” (exploração no mar, pela ENI). Quando a ENI começar a produzir gás em 2023, lembra Magid (depois dos bilhões de investimentos anunciados), a grande preocupação da empresa vai ser começar a fazer “depreciações” (abater os custos do investimento). “Se eu invisto 8 bilhões de USD, e tenho de recuperar o investimento em 10 anos, só num ano tenho de fazer depreciações de 800 milhões de USD. Para além desses 800 milhões de USD, há ainda os custos das operações e os juros. Portanto, só em 2032, é que este projecto vai começar a produzir lucro e aí começa a pagar impostos em centenas de milhões de USD”.
Magid Osman tem feito contas e desse exercício já concluiu que, no caso específico do projecto da ENI, a partir de 2023 o Estado vai receber entre 50 a 60 milhões de USD de Imposto de Produção (para 3 milhões de toneladas) e em 2026, com a entrada em produção dos “trains” da Exxon e da Anadarko, subindo a produção global para 30 milhões de toneladas e consequentemente a receita fiscal para 600 milhões de USD. Isso é muito menos que o que anda por aí a ser propalado (2 bilhões de USD de receitas fiscais).
A retórica inflacionista da receita do gás ignora aquilo a que na indústria se chama de “custos recuperáveis”, o que significa que todo o investimento feito deve ser pago logo que a produção iniciar. No caso da Anadarko, com um investimento de 25 bilhões de USD, o projecto vai ter de fazer depreciações de 2.5 bilhões de USD nos primeiros 10 anos de produção, o que significa que, nesse período, a fatia de lucro não vai ser grande e, por consequência, o IRPC também. Em suma, Magid Osman disputa essa retórica inflacionista, nomeadamente aquela que insiste em dizer que os bilhões de USD de receitas para o país “estão aí ao virar da esquina. Isso não é verdade”.(Marcelo Mosse)