«O acesso universal à informação é um direito humano fundamental que desempenha um papel central no empoderamento dos cidadãos, facilitando o debate justo e dando oportunidades iguais a todos» - quem assim falou foi Audrey Azoulay, directora-geral das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), num pomposo evento organizado por ocasião do Dia Internacional do Acesso Universal à Informação, a 28 de setembro último.
No nosso país, relativamente a essa inquestionável conquista da democracia, a lei determina que o exercício do direito à informação compreende “a faculdade de solicitar, procurar, consultar, receber e divulgar a informação de interesse público na posse dos órgãos e instituições do Estado, da Administração directa e indirecta, das autarquias locais, (…) ”, que tenham em seu poder informação de interesse público.
Em miúdos: um dos deveres primordiais do Estado é prover informação de utilidade pública ao povo, na mesma medida em que tem por obrigação prover saúde, educação ou segurança, por exemplo.
Já agora, por “informação de utilidade pública” entende-se toda aquela que mexe com o pulsar da nação de uma forma geral, e com a vida dos cidadãos em particular.
E neste momento – ou melhor, de há cinco anos a esta parte – o que efectivamente mais tem mexido com o país, e com o (bolso do) povo, é inequivocamente a história das dívidas ocultas. As motivações, os tentáculos e, muito particularmente, as suas nefastas consequências.
Mente o cidadão moçambicano, pertença ele a que “casta” pertencer, que aparecer por aí a gabar-se de que os efeitos das dívidas ocultas não lhe atazanaram a vida, em algum momento… da vida!
Ora bem, esse ardiloso esquema urdido para colocar o país de tangas foi descoberto, a rede mafiosa desmantelada. Uma sucessão de eventos foram acontecendo, entretanto – dentro e fora do país – desde a detenção e julgamento de Manuel Chang, em Joanesburgo, até à detenção, julgamento e absolvição recente de Jean Boustani, em Nova Iorque.
Por assim dizer, foi um ano em cheio – no sentido em que foi desfiado um extenso “rosário” de informações importantíssimas e de utilidade pública, que deveriam (por lei) ser do conhecimento dos moçambicanos.
Não obstante, o Estado falhou redondamente com essa sua responsabilidade fundamental de prover aos moçambicanos todo o manancial de informação relativa ao assunto que mais tem abalado a sua existência.
Falhou, porque pouco ou nada fez para estar presente nos “lugares certos às horas certas”, nomeadamente através dos órgãos públicos de comunicação que tem à sua disposição e que, como se sabe, são sustentados pelo dinheiro dos contribuintes.
Um povo desinformado
A falta de conhecimento do povo sobre este que é inegavelmente o mais famigerado assalto à nação é notória.
Um exemplo crasso pôde constatar-se há dias, durante um programa televisivo de debate político (na Stv). Debatia-se em torno da absolvição de Boustani, tido como o “mastermind” deste golpe. A esmagadora maioria de telespectadores que ligou para aquele programa interactivo demonstrou basicamente duas coisas: uma vontade muito grande de expressar a sua revolta em relação a toda esta perfídia e, sobretudo, uma (quase) total ignorância sobre os reais contornos do assunto.
Também nas conversas de esquina, nos “chapas”, nos cafés ou nas barracas, é possível perceber que o povo sabe apenas que “foi mamado” – para usar uma expressão cara a Sexa PR – mas falta-lhe um conhecimento básico sobre os reais contornos do assunto.
Os media públicos são por natureza a principal “frota de veículos comunicacionais” que o Estado tem ao seu dispor para dar a conhecer aos moçambicanos tudo o que seja considerado de fulcral interesse para as suas vidas.
Por serem órgãos públicos – sustentados pelo erário público – a Rádio Moçambique (RM), a Televisão de Moçambique (TVM) e Agência de Informação de Moçambique (AIM), são as principais “armas” que o Estado possui para travar o combate à ignorância popular, no que tange aos principais assuntos da pátria amada.
Isto para não falar nos outros media “coadjuvantes” – os Noticias, Domingos, Miramares e por aí fora – que, embora não sendo “totalmente” públicos, agem como tal. São os chamados “sistemistas”…
Pois bem: nenhum destes se dignou a fazer deslocar equipas suas a Nova Iorque para reportar “in loco” o julgamento de Jean Boustani – o arquitecto da maior burla infringida a este estado em 44 anos de existência.
E não é preciso ser-se “expert” para imaginar porque é que isso aconteceu. Parece óbvio que, dado o alegado envolvimento de figuras de proa da nomenclatura (leia-se “partido/estado”), não convém andar a fazer ondas em torno deste assunto.
Felizmente, temos, desde 1991, uma Lei de Imprensa que abriu espaço para o sector privado de informação. Além disso, porque estamos em plena Era digital existem as redes sociais que desempenham igualmente um papel fundamental na produção e difusão de conteúdos informativos. Nesse contexto, pelo menos uma parte considerável de moçambicanos consegue ter acesso a muita da informação que lhe é negada pelo Estado. Estado esse que deveria ser o seu principal provedor (reitere-se).
Os “pontas-de-lança” públicos
Entretanto, não se contentando em apenas não informar – ao gazetar deliberadamente a eventos incontornáveis, como foi o julgamento em Brooklyn – o Estado ainda tem a “lata” de desinformar o povo. De forma pretensamente camuflada, contudo nada subtil.
O estratagema passa por “dar corda” a um grupo de “pontas-de-lança”, tidos como grandes intelectuais da praça (entre juristas, economistas, historiadores, “tudólogos” e até jornalistas), os quais possuem indisfarçáveis ligações ao partido no poder.
Estes são, estratégica e deliberadamente, posicionados em lugares-chave dos órgãos de comunicação públicos (como gestores ou mesmo como comentadores/analistas) e a partir dali vão distorcendo verdades de La Palisse, com a cara mais deslavada deste mundo, através análises e comentários, em programas que mais parecem feiras de vaidades…
E é assim que o povo é induzido ao desengano e à ignorância.
O caricato caso de um conhecido jurista que se deslocou a Nova Iorque, por conta de um alegado “pé-de-meia” economizado à custa do suor do seu rosto, é disso um exemplo.
Embora fazendo questão de “arvorar” a sua independência relativamente a quem quer que fosse, a agenda do “sô´dotori” passou quase que exclusivamente por descredibilizar uma instituição como o CIP que esteve lá desde a primeira hora. O seu “trabalho” de última hora não deixou dúvidas relativamente a “de que lado da (in)verdade” ele está.
Este é apenas um exemplo, mas há muitos mais.
Há ou não violação dos Direitos Humanos?
Há dias, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) acusou uma empresa chinesa de exploração de areias pesadas, na Zambézia – a Africa Great Wall Maining Development Company – de violação dos direitos humanos.
Lida “de raspão”, a notícia pode até parecer um “fait-divers”. Até porque bastantes vezes surgem notícias destas dando conta que patrões chineses, quão mestres de kung-fu, agrediram/humilharam trabalhadores moçambicanos, etc. e tal. Ademais, tratando-se de uma empresa de exploração de recursos minerais, poderia também cogitar-se que a dita violação dos direitos humanos pudesse ter a ver com questões ligadas à poluição ambiental e afins…
Mas… qual quê?! Neste caso, a principal situação detectada que configura violação dos direitos humanos está directamente ligada à violação do direito à informação. Ou seja: os chineses violaram o art.º 14 da Lei 34/2014, de 31 de Dezembro, (Lei do Direito à Informação) a qual, como se disse acima, determina que “todo o cidadão tem o direito de requerer e receber informação de interesse público…”
Ora bem, se uma empresa privada, cuja missão/objecto nada tem a ver (directamente) com a área/sector da informação, é acusada de violação de direitos humanos pelas razões supracitadas, que dizer então do Estado moçambicano – por via dos seus meios de comunicação, quando deliberadamente “oculta” informações ao povo?
Não haverá aqui também uma flagrante violação dos direitos humanos?
Outrossim: quando é que, verdadeiramente, teremos em Moçambique um sector público de informação digno desse nome? (Homero Lobo)