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terça-feira, 15 janeiro 2019 07:10

O calote da dívida, Manuel Chang e os bloqueios à investigação (análise)

A prisão de Manuel Chang caiu que nem uma bomba e uma vasta maioria da opinião pública alimentou logo uma percepção, compreensível mas errônea, segundo a qual nada estava a acontecer na investigação lançada internamente em Janeiro de 2017. Que tudo estava bloqueado pelo poder político. Mas não era bem assim. Não foi. A PGR, com seus limitados recursos, sem meios e peritos, procurou cumprir o seu papel. Esbarrou-se em muitos bloqueios. O mais complicado foram as próprias entidades do Estado. O calote foi orquestrado no coração da secreta nacional. Como tal, os investigados usavam e abusavam dos seus poderes, mostrando arrogantemente que eram uns intocáveis. Essa atitude foi tomada por boa parte dos arguidos do processo interno de corrupção.

 

O bloqueio à investigação nunca veio ostensivamente do centro do poder político em Moçambique. Veio dos principais actores do calote, que sempre usaram o nome da Frelimo para exibir que tinham a devida protecção política. E até certo ponto tiveram. O Governo e o Parlamento deram o calote por legal mesmo depois de evidências que mostravam o contrário, incluindo todo o burburinho nos mídia e o incansável expediente das organizações da Sociedade Civil. Só depois do relatório de auditoria realizada pela Kroll em nome da PGR é que uma parte da classe política, alinhada com o actual poder, é que começou a se render às evidências de que a economia tinha sido delapidada. O coro de vozes exigindo a responsabilização judicial foi aumentando a partir desse momento. Mas, nas hostes mais profundas do frelimismo da táctica da avestruz, havia sempre a apetência para uma resistência frugal.

 

No entanto, a PGR tinha todo o aval para avançar. E foi fazendo o que pôde, esbarrando-se sempre em bloqueios. O relatório da Kroll mostrara que cerca de 500 milhões de USD haviam sumido sem deixar rastos. Isto implicava que, para além das evidências colhidas em Moçambique, era preciso rastrear contas bancárias (nos Emirados Árabes Unidos) e transacções em USD (nos EUA), envolvendo a Privinvest e os alegados implicados moçambicanos. No caso dos Emirados, havia uma particularidade: por causa do seu sistema judicial, os pedidos de informação do Ministério Público de cá ao Ministério Público de lá tinham de ser feitos por via do Ministério da Justiça de lá. Isso implicava uma colaboração profícua do representante diplomático de Moçambique para os Emirados, no caso o Embaixador Francisco Cigarro. Mas sua postura foi assombrosa. Cigarro bloqueou completamente todos os esforços da Justiça. Quando se espera que ele fosse uma ponte estendida entre Maputo e Dubai, Cigarro agiu como uma cortina de ferro. Encontrava as artimanhas possíveis e imagináveis para impedir que a nossa PGR obtivesse detalhes das contas bancárias dos moçambicanos que estavam na lista de beneficiários do calote. Cigarro é um dos responsáveis políticos do atraso das investigações, embora ele não esteja hoje na lista dos arguidos.

 

Com os Estados Unidos da América houve, também, um aparente bloqueio. Como explicou a PGR, na semana passada, as cartas rogatórias enviadas para o Whashington, com pedido de detalhes sobre o uso do sistema financeiro americano por parte dos caloteiros moçambicanos nunca foram respondidas. A PGR pretendia ter informação detalhada sobre movimentos bancários. Os americanos não responderam em tempo e, nalgumas vezes, alegaram que os investigadores moçambicanos estavam a fazer “fishing”, pescando no escuro; que deviam ser mais concretos, indicando detalhadamente nomes, números de contas e bancos de domicílio, para que pudesse haver cooperação. Mas isso era uma artimanha para sonegação de informação à nossa PGR.

 

Na acusação, agora feita, contra Manuel Chang e companhia, o Departamento de Justiça revelou estar na posse de muitos dos detalhes solicitados pela PGR, os quais sem a sua cooperação, dificilmente seriam conhecidos pela justiça moçambicana. Essa postura de sonegação da justiça americana fez atrasar a investigação local, atirando para as costas da PGR Beatriz Buchile o ónus da inércia e da complacência. Injustamente! A sonegação americana pode ser, agora, interpretada também como um bloqueio, calculado de forma milimétrica, com fins pouco claros. Por um lado, a falta das “evidências americanas” na investigação moçambicana seria interpretada como incompetência e julgada como se a nossa PGR não estivesse a fazer algo.

 

É o que se vê! Hoje a percepção de que a PGR está agora a agir a reboque da justiça americana ficou enraizada na opinião pública, muito embora os 18 arguidos locais já haviam sido constituídos e notificados antes da prisão de Manuel Chang a 29 de Dezembro. Por outro lado, ao atrasar a investigação local, os americanos ganhavam a corrida do confisco alargado dos bens de todos os acusados. Alguns desses bens estão em Moçambique e podem ser levados para fora. Isso é ilegítimo! E deve ser evitado! O principal prejudicado pelo calote da dívida oculta não foram os investidores americanos. Foi a economia e o povo moçambicanos. E por essa razão, o confisco dos bens deve beneficiar em primeiro lugar aos moçambicanos.  (Marcelo Mosse)

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