De uma coisa diz não ter dúvidas: o insucesso no combate e, quiçá, na erradicação dos ataques terroristas está intimamente ligado à estratégia adoptada pelo Governo. Calton Cadeado disse que o Governo adoptou uma estratégia defensiva assente numa base policial, lembrando que a guerra só se vence na ofensiva. Considerou, no entanto, que a estratégia ofensiva do Governo começou tarde e numa base caracterizada pela falta de informação e logística. Ou seja, falta de capacidade.
Ainda sobre a estratégia, apontou Cadeado, a perspectiva policial foi forçada, no seu entender, pelo desconhecimento do problema bem como da sua magnitude. O acadêmico anota que o Governo moçambicano menosprezou a ameaça, de tal sorte que só veio a conhecer o grupo que tem estado a semear terror e luto em Cabo Delgado de 2020 a esta parte.
A tomada do Porto de Mocímboa da Praia também mereceu a atenção do Professor Universitário. Apesar de apresentar algumas reservas sobre se continuava ou não nas mãos dos terroristas, Cadeado disse que o Governo, se tiver já recuperado, devia fazer a competente apresentação, tal como fez em outros pontos, de modo a credibilizar as suas vitórias.
Relativamente às afirmações do Governo dos EUA, o Especialista em Paz e Segurança diz servirem, intencionalmente ou não, de publicidade a favor do grupo, precisamente, pelo momento em que elas são feitas, isto num contexto em que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) tendem a ganhar terreno. O comunicado, disse Cadeado, acaba por ampliar a magnitude do grupo, o que faz com que ganhe um estatuto de ameaça credível em Moçambique bem como além-fronteiras.
No imediato, na esteira do anúncio, Cadeado não vaticina, para já, a refortificação do grupo. Aponta para a contínua adesão do grupo ao Estado Islâmico (EI) e, uma vez atribuído o selo (EI), pode, a partir daí, assistir-se ao retorno à violência. A par de considerar “não sofisticado” o grupo que actua em Cabo Delgado, o acadêmico disse, igualmente, que tinha sérias reservas em torno da ligação deste ao Estado Islâmico. No entanto, deixa um aviso: não é momento para “triunfalismos”.
Ainda relacionado com a nota dos EUA, o Professor Universitário assinala que é provável que a pressão americana aumente sobre o Governo moçambicano na perspectiva de ter um papel destacado no combate ao terrorismo no país.
O especialista em paz e segurança descartou, para já, a possibilidade da entrada de forças militares de Estados (EUA, Francesa e de outros), precisamente porque o Executivo de Maputo tem mostrado inclinação para parte comercial da guerra. Ou seja, o recurso às empresas privadas de segurança.
Acompanhe, nas próximas linhas, no clássico pergunta-resposta, os excertos da entrevista.
Declaração dos EUA sobre o grupo que actua em CD desde Outubro de 2017
“Pessoalmente, acho que este comunicado dos Estados Unidos da América (EUA), publicado neste preciso momento, acaba servindo como uma publicidade a favor do grupo terrorista. Eu sublinho isso. Neste momento. O timing. O momento é importante. É importante porque de Outubro de 2020 a esta parte, nota-se que o Governo tem estado a ganhar terreno no combate aos terroristas, tanto é que reduziu, substancialmente, a magnitude e a frequência com que os ataques eram cometidos. O Governo tem estado a fazer, inclusive, uma propagada que mostra com imagens que há esses resultados. Além disso, de Outubro a esta parte, não se conhece nenhuma publicidade do Estado Islâmico (EI) a favor deste grupo e isso pode denunciar algum abandono ou até descrédito das alegadas ligações que se tentaram fazer entre o grupo e o Estado Islâmico. Agora, ao vir aqui o Governo dos EUA com o seu comunicado, o mesmo acaba sendo, indirectamente ou directamente, intencionalmente ou de forma não intencional, uma publicidade a favor deste grupo. E atenção! Quem emite este comunicado não é um actor qualquer. É um actor que tem relevância no mundo e no que diz respeito ao combate ao terrorismo. Esta publicidade pode despertar de alguma forma no Estado Islâmico o interesse de fazer aliança ou de recuperar a aliança. Mas também há um lado bom do comunicado. Com este comunicado, é possível conhecer um pouco mais do grupo, sobretudo alguns nomes que estão a aparecer ligados ao grupo, que nos permitem perceber um pouco mais das ligações internacionais. Se pegar o informe do chefe de Estado à Nação de 2020, há nomes que o Presidente da República mencionou ali e não está mencionado o nome que os americanos colocam no comunicado. Esse é o lado bom que os EUA dão. O lado bom também é que, com esta acção, os EUA podem apertar o cerco ao circuito de financiamento do terrorismo e, por essa via, diminuir, eventualmente, o espaço de manobra para financiamento dessas acções no terreno. E fragilizar isso já é um bom passo. Mas não é o passo principal e nem é o passo maior que tem de ser dado para você combater o terrorismo. Sublinho, é importante conhecer a liderança”.
“No cômputo geral, os EUA, intencionalmente ou não, acabaram também ampliando a magnitude do grupo. Acabaram credibilizando o grupo. Acabaram credibilizando o grau de ameaça do grupo. E onde é que está isso? Está na expressão Terrorismo Global. Esta palavra: Terrorista Global. Para o Estado Islâmico interessa saber mais desse grupo e se calhar aproximar. No final do dia, o líder bem como o grupo ganharam importância. E isso torna de facto o grupo uma ameaça credível não só em Moçambique, mas também fora”.
Perante o quadro que desenha, o que vai acontecer em termos práticos no terreno a seguir a esta comunicação (aumento das incursões ou retracção do grupo)?
“A sua pergunta, normalmente, no campo analítico, tem a ver com o desenho de cenários. E quando se desenham cenários você tem: o cenário óptimo, péssimo e moderado. Mas para podermos perceber o que vai acontecer, que é incerto – não é taxativo, nós temos de questionar, primeiro, a ligação entre este grupo e o Estado Islâmico. Quem vai ao texto, há-de ver a expressão alegadamente. Os americanos fazem este anúncio do grupo como uma ameaça global, mas depois dizem que há uma alegada. Há um pouco de contradição na forma de agir. Porque se você diz que há uma ameaça global não pode colocar como uma alegada. Aí eu sugiro até que muitos naveguem mais profundo no texto (dos EUA) para o significado da palavra alegada como está lá. Eu li as duas versões (portuguesa e inglesa) e coincide. Está lá o “alegada”. Além disso, está lá no texto que os terroristas fizeram pedido de adesão e em menos de um ano, eles tiveram aceitação. Isso é estranho. É estranho. Em menos de um ano ou em dois anos, eles foram aceites. É estranho. A história mostra que não é automático. A história mostra que o processo de filiação a um grupo é mais demorado e tem fases muito fortes de confirmação da lealdade do grupo. Porque o que acontece, muitas vezes, é que muitos grupos pequenos preferem usar o nome da marca mãe para se fazer credíveis na sua ameaça. E, neste comunicado, eles dizem que em menos de um ano já haviam sido aceites. Se a minha hipótese estiver correcta, então, o que vai acontecer a seguir não vai ser uma refortificação do grupo. Vai ser a continuação de um processo de adesão ao grupo. Adesão deste grupo ao Estado Islâmico. Esta seria uma fase. Porque eu tenho dúvidas ainda da realidade da ligação deste grupo ao Estado Islâmico. O Estado Islâmico está também à procura de fazer publicidade com esses grupos, mas quem tem interesse não é o Estado Islâmico são esses grupos (que actuam em Cabo Delgado). Eu não sei, até agora, se é grupo ou são grupos. O grupo pode receber um pouco mais de credibilidade. O grupo pode receber o certificado de qualidade do Estado Islâmico e, por essa via, podemos retornar à violência. Mas o retorno à violência não vai ser na mesma magnitude, pelo menos, neste curto espaço de tempo, porque o Governo está também a fazer um trabalho forte e continuado no terreno”.
“Além disso, há um cenário que não podemos ignorar, estamos a falar do grupo e estamos a falar do Governo. Há sinais de que o Governo vai continuar com a sua ofensiva e conta com um grande apoio que é a população. Se reparar, as relações civis e militares melhoraram bastante. Já não ouvimos falar muito de acções de condenação do trabalho das Forças Armadas e eu posso dizer aqui que, pelo menos com alguns militares que falei, eles não confirmam, por exemplo, aquele caso daquela mulher morta brutalmente. Mas eles dizem que, quando a guerra estava no seu auge, estavam nervosos porque aquele era um teatro de morte. Aquilo propiciou alguns excessos, mas, à medida que o tempo foi passando, foi morrendo gente e com um pouco mais de consolidação das posições, com um pouco mais de presença, com um pouco mais de logística, começou a diminuir o grau de nervosismo e aquele grau de desconfiança reduziu. Porque, de facto, a população (alguma parte) estava a apoiar os terroristas porque estes usavam dinheiro para o efeito. E isso fazia com que eles desconfiassem de tudo e de todos. E propiciava um comportamento de excessos. Hoje os excessos estão minimamente controlados. Perante este cenário, o Governo está a agir no terreno e isso tem dificultado o espaço de manobra dos terroristas”.
“Mas isso não é para triunfalismos. Qualquer tentativa de triunfalismo, os terroristas não precisam de muita coisa para semear pânico e terror. Hoje eles já estão com dificuldades de munições, de logística para comer, para se manter, a população está a retornar as suas zonas. Mas eles não precisam de muita coisa. Com uma catana e fogo, eles fazem o terror. O momento não é para triunfalismos. O outro cenário que visualizo é um provável aumento da pressão americana ao Governo para eles poderem ter uma acção mais forte no combate ao terrorismo aqui em Moçambique. O Governo de Moçambique tem estado a receber pressão. O Presidente da República disse na Assembleia da República que está a receber pressão de muitas partes do mundo. De vários actores estatais e não estatais que querem participar no combate. Agora com essa informação privilegiada e só pelo facto de falar o nome do líder do grupo, os americanos vão usar isso a seu favor para tirar benéficos em relação ao Estado moçambicano. O Estado moçambicano pode ir buscar a mesma informação na Tanzânia, mas os americanos continuam a ser os que têm a informação privilegiada. Os americanos vão pedir ou até exigir uma posição mais privilegiada aqui. Os franceses têm estado a fazer isso, mas não conseguem ter o mesmo nível de protagonismo, porque eles ainda não trouxeram esse tipo de informação ou se tem ainda não deram ao Governo”.
Será o princípio ou porta de entrada da intervenção militar estrangeira no TON?
“Todos querem colocar as suas forças aqui. Mas o Governo, e aí eu concordo muito bem, sabe que uma presença militar estatal é muito mais difícil de controlar do que uma presença militar não estatal, como as empresas privadas de segurança. Por isso, o Governo está mais balançando em usar a opção comercial da guerra do que colocar forças militares estrangeiras aqui, sobretudo quando estamos a falar destas grandes potências. Temos exemplos do que aconteceu no Iraque, no Afeganistão e por aí em diante. Mas há também este receio de que estes vão intervir aqui no nosso território. Eu tenho dúvidas”.
Até quando o Governo Moçambicano poderá resistir à pressão das grandes potências?
“É uma boa pergunta. Mas não há uma resposta definitiva para isso. Porque tudo são hipóteses e depende dos cenários. Porque o Governo, é uma hipótese, pode muito bem abrir portas aos americanos para intervirem”.
“Os EUA fizeram este comunicado público a preparar a vinda da Exxon Mobil e a sua segurança”
Tem a possibilidade ou margens para não abrir as portas?
“Sim. Há essa possibilidade. Numa entrevista que o novo homem forte do combate ao terrorismo dos EUA deu, ele fala sobre Moçambique e quando você lê sob o alegado novo terrorista, ele disse a um jornalista que preferia falar em off. Não disse as coisas em público. Mas há um claro sinal que dão de desacreditar o Governo pela opção que foi usada, a das empresas privadas de segurança. O Governo pode resistir muito bem. Pode resistir à entrada de forças com protagonismo combativo. Mas o Governo não vai resistir a qualquer um que vier aqui nos dar tecnologia para nós operarmos. É verdade que não há nenhum país do mundo que aceita desenvolver o seu submarino tecnologicamente evoluído e dizer opere-o. Se for para comprar, tudo bem. Você opera. Quando eles estão no terreno estão para comandar. Mas qualquer um que nos der helicópteros, dinheiro, inteligência (informação estratégica) e formação, o Governo não vai negar. Se os franceses vierem oferecer estas coisas, o Governo não vai negar. Cabe ao Governo escolher quem cria menos problemas. Todos vão criar problemas. Agora, quem cria menos problemas. Porque eles também estão a disputar entre eles (governos e empresas privadas). Só olhar para as empresas privadas especializadas em prover serviços de controlo de comunicações. Hoje a informação é um instrumento essencial para combater o terrorismo. Quantas empresas não estão hoje em Moçambique a pressionar o Governo a dizer que eu vou-te dar este serviço ou aquele serviço? São muitas. Nem é o Governo a ir atrás. São as empresas a vir para cá porque é uma oportunidade de negócio. Portanto, há-de haver isso. Mas intervenção militar no terreno, o Governo já deu indicações que não é essa opção. Agora, meu caro, em política, as coisas mudam num segundo. Estou a dizer que é pouco provável, pelo que, está a acontecer agora, que haja uma intervenção militar de Estados. Se tiver de vir a opção vai sempre ser africana e não lá fora. Já estamos a ser mal interpretados aqui a nível de África por termos ido à Rússia antes de privilegiarmos a solução aqui. Agora, não nos podemos esquecer de uma coisa. Os EUA lançaram esse comunicado agora, mas a Exxon Mobil ainda não disse o que vai fazer em Cabo Delgado. Estamos à espera da posição daquela multinacional. Então, se eu for um homem atento a estas questões, eu posso dizer que os EUA fizeram este comunicado público a preparar a vinda da Exxon Mobil e a sua segurança. É o que eu estou ver. Se o Governo não deixar entrar botas americanas aqui no terreno para combater o terrorismo, e acho que os americanos até nem querem, porque tem uma experiência extremamente negativa do que aconteceu na Somália. A opção dos americanos agora é a intervenção cirúrgica. De longe. De forma tecnológica. Talvez isso pode acontecer em Moçambique”.
“O Governo não vai abrir portas. É a minha interpretação. O Governo não está inclinado em abrir portas para entrada de exércitos ou forças militares de Governo em Moçambique. Porque para vir exército, não virão mil pessoas só. Tem de vir homens, batalhão, tecnologia equipamento militar e tudo mais. Não vai custar nada eles entrarem ali e varrer porque este grupo que está a actuar em Cabo delgado não é um grupo sofisticado. Não há indicações de que se está a lidar com um grupo sofisticado. Não há indicações de que a mobilização deles foi muito forte a ponto de se dizer que tem capital humano para levar a cabo uma guerra. Mas e se eles forem isto que os EUA estão a dizer. Os americanos têm base militar em Diego Garcia, tem força no Djibute, os americanos têm força militar no Comando Europeu. Por essas pontes, podem fazer passear a sua tecnologia naval e fazer ataques cirúrgicos e desautorizar o Governo, nesse caso”.
Partindo da premissa da não sofisticação do grupo que o Dr. Calton levantou, como se justifica que, três anos depois, o Governo não tenha ainda eliminado o grupo?
“Primeiro, isso tem a ver com a estratégia que o Governo adoptou”.
Está a dizer que a estratégia adoptada pelo Governo falhou redondamente?
“Atenção. Depois vamos fazer um juízo de valor. O Governo adoptou uma estratégia defensiva, primeiro. E a estratégia defensiva foi feita na base policial. Era uma estratégia baseada na Polícia porque o Governo não conhecia o problema na profundidade, naquela altura, e tratou o problema como um assunto de lei e ordem. Mas é curioso que o primeiro pronunciamento do Estado moçambicano em relação ao assunto foi terrorismo. No primeiro pronunciamento de Bernardino Rafael ele disse: dou sete dias para essas pessoas se entregarem e se não o fizessem eram terroristas. Mas logo a seguir o Governo mudou de narrativa e começou a falar de insurgentes, bandidos, malfeitores, o que significa dizer que o Governo diminuiu o grau de ameaça. Porquê diminuiu? Porque não conhecia a magnitude do grupo. Porquê Bernardino Rafael disse isso e com bases eu não sei, mas depois notou-se que o Governo mandou ele reduzir o grau de ameaça. Hoje está claro que o Governo não sabia da coisa. Foi uma estratégia defensiva. Para defender a população. Enquanto defendia a população, o Governo estava à procura de mais informação para conhecer o grupo. E o Governo só conhece esse grupo hoje. Tinha informações, mas não tinha inteligência. Só conhece o grupo hoje em 2020 e 2021. A estratégia policial teve muito a ver com o desconhecimento do problema e a sua magnitude. E nesse contexto, o Governo também menosprezou a ameaça. Isso tem de quer dito. Depois entramos para uma segunda fase da estratégia ofensiva. Mas a estratégia ofensiva ficou fragilizada porque o Governo não tinha logística. A logística era fraca. O Governo tinha problemas de coordenação entre as três forças no TON: a inteligência, militar e policial. Havia problemas sérios de coordenação. Hoje há, mas menos que antes, lutas de protagonismo entre eles. E o Governo não conhecia a liderança do grupo. E o grupo tinha duas vantagens: esconder-se e tinha dinheiro. Eu acho estranho as pessoas não falarem do dinheiro que o grupo ganhou. Muitos falam do dinheiro movimentado via M-pesa, mas não falam do dinheiro que eles conseguiram via destruição de ATM´s. Que eles fizeram explodir e tiraram dinheiro. Portanto, eles tinham dinheiro para movimentar as suas incursões. Para comprar lealdade. Só que eles não foram inteligentes também. Chegou uma altura em que eles começaram a distribuir dinheiro para ganhar lealdade e hoje o dinheiro acabou. Para piorar, eles fizeram terrorismo, tiraram todas as pessoas das zonas. Deixaram as zonas despovoadas. Como você faz continuação da guerra sem povo? O povo é escudo e o povo é fonte de logística, dinheiro e informação. Eles tiraram toda a gente. Aquele é um erro estratégico muito grande. Eles tiram a população e como é que eles vão se infiltrar na população para fazer inteligência? Onde é que vão buscar mantimentos se não têm população. Os terroristas claramente despovoaram as zonas. E hoje estão a pagar por isso”.
Dr. é mesmo em jeito de insistência. O que falhou para que o Governo não tenha conseguido erradicar os ataques terroristas?
“A estratégia defensiva é para defender. Não é para eliminar ninguém. A guerra vence-se na ofensiva. E a estratégia ofensiva começou muito mais tarde. E começou com uma base fraca, caracterizada pela falta de informação e de logística. Só há pouco tempo é que começaram a chegar os helicópteros. Alguns falam um pouco de falta de vontade política, mas eu não tenho elementos para abordar isso. Eu não tenho elementos para aprofundar isso. Isso soa mais a teoria de conspiração e não tenho elementos. De qualquer das formas, fale-se disso e vamos descobrir coisas futuramente. Se você quer ganhar a guerra tem de ser uma guerra ofensiva. Quando os americanos decidiram combater o Osama Bin Laden começaram por declarar inimigo número um da américa. Eles espalharam a imagem do Bin Laden por todo o mundo. Esse acto de espalhar a imagem do Bin Laden foi uma publicidade ao Bin Laden, indirectamente. Os americanos colocaram a cabeça do Bin Laden a prémio. O cidadão que indicou Bin Laden foi um médico, dentre vários. Mas quando os americanos decidiram fazer isso, fizeram uma perseguição sem tréguas na tal estratégia ofensiva, mas isso ficou facilitado porque conheciam o líder. Mas eu não conheço a fotografia do líder destes grupos. Entrei na internet para ver e não encontrei. Se calhar, os americanos tenham a fotografia dele. Ou o Estado moçambicano pode ir à procura da fotografia dele. Mas como ia fazer isso se é só agora que estamos a saber do líder do grupo. Como você vai eliminar o grupo? Como a estratégia ofensiva vai ter resultados? Então, era difícil liquidar o grupo porque você não conhecia a liderança. E neste capítulo, o grupo foi bem-sucedido. O mérito é deles. Eles esconderam a liderança deles até hoje. Mas também é difícil vencer uma situação dessas quando você não tem capacidade. Mataram o Bin Laden com o homóptero. Quantos tinham em Cabo Delgado? O que falhou? É falta de capacidade”.
“Apresentar o Porto de Mocímboa da Praia é um troféu de guerra com um grande valor simbólico”
Que significado tem o facto de o estratégico Porto de Mocímboa da Praia estar nas mãos dos insurgentes desde o ano passado?
“Eu não tenho a certeza agora se, de facto, continua ainda nas mãos dos terroristas. Ainda não vi imagens. O Governo tem estado a fazer a sua propaganda a mostrar a recaptura desses espaços, mas ainda não nos mostrou, por exemplo, o Porto de Mocímboa da Praia”.
Acredita que o Executivo perderia a oportunidade de exibir a recaptura do estratégico Porto, sendo este um importante troféu para a sua propaganda de guerra?
“Algumas pessoas que duvidam do sucesso do Governo, neste momento, usam de facto estes troféus de guerra. Perguntam: Governo você diz que está a ganhar terreno mostre-nos um líder que vocês tenham capturado. Mas eu sei que existem algumas pessoas que foram instrumentais na hora de providenciar informações ao Governo que estão detidas aqui em Maputo. Há pessoas que estão detidas aqui em Maputo porque detê-las é um erro estratégico. Não há condições para deter essas pessoas lá. Agora, apresentar o Porto de Mocímboa da Praia é, de facto, um troféu de guerra. É um troféu de guerra com um grande valor simbólico. Político, simbólico, nacional e internacional para credibilizar as suas vitórias”.
Relatório da Amnistia Internacional, que ilações tirou?
“Eu sou contra o relatório no timing também. Mas eles não têm culpa disso. É a minha interpretação em relação a isso. Eles não estão a fazer política e não têm de escolher o momento para publicar. Se o relatório estava pronto agora e tinha de se publicar, tudo bem. Esse é um relatório altamente a desfavor das forças governamentais. Agora, o relatório peca por não dizer que os factos relatados são de ontem. Quem pega o relatório hoje, pensa que os factos relatados são de hoje. Pensa que isso está a acontecer hoje. Mas o relatório retrata factos passados. É preciso deixar claro nesses relatórios o momento da ocorrência dos factos. Porque hoje, tal como disse, não estou a dizer que já não há problemas lá, mas sim que a situação é bem diferente, quando se fala das relações entre os civis e militares. Melhorou drasticamente. Há muita colaboração entre as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e a população. Portanto, este relatório não fala da situação actual. E olha só uma coisa interessante que o próximo relatório que vão lançar não vão falar desse lado bom. Há-de falar do lado destrutivo. Eu não estou a dizer que não houve. Mas os militares dizem que houve excesso. Agora, quais excessos, eles não me disseram. Se mataram, pilharam, roubaram ou violaram, eles não me disseram. O que me disseram é que andamos nervosos e desconfiávamos de tudo e todos”.
Que desafios se apresentam aos novos comandos das Forças Armadas de Moçambique (FADM)?
“O primeiro e o maior grande desafio é reorganizar as Forças Armadas. Reestruturar as Forças Armadas para ser profissionais, de facto. E isso envolve muito dinheiro. Isso em ciência. É preciso reorganizar as forças armadas. Ter Corpos. Hoje você não tem Forças Armadas com Corpos. Se você sair daqui do Sul e ir a Norte perguntar pelo batalhão do Norte, se calhar, você não encontra. Tanto mais que os que estão a combater em Cabo Delgado são homens que estão a sair daqui e dali. Noutros países onde há capacidade, não é necessário ter um homem daqui (do sul) para ir combater no Norte. Lá está montada a infra-estrutura com homem, logística, ciência, tecnologia e etc. Precisa tornar as FADM profissionais de facto. E você precisa de colocar muito dinheiro nas FADM. Nesta coisa de dinheiro meu caro, um drone dos mais sofisticados que o nosso Estado não tem custa 110 milhões de USD. Um drone com capacidade de vigilância e de poder de fogo. Mas você vai para o Iémen e encontra que os terroristas têm esses drone. Um helicóptero Apache, não estou a dizer o mais sofisticado, um MiG Rafale assim como podia falar de outros. Custam muito dinheiro. Milhões e milhões de dólares. Esses são desafios”. (Ilódio Bata)