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BCI
quarta-feira, 14 abril 2021 05:57

Carta ao Leitor: Governo esvazia exclusividade do Estado nas bases logísticas de Pemba e Palma. Quem quer abocanhar o negócio? A Total ou os nossos lobbistas acocorados?

Há duas semanas, quando Palma estava sob ferro e fogo e todo o mundo concentrado na tragédia e seu desfecho, o Governo tirou uma da cartola, estranha, completamente inócua e com pouca explicação. Numa sessão do Concelho de Ministros de 30 de Março, o executivo apreciou e reviu, entre outros, o “Decreto sobre os Termos da Concessão dos Terminais Portuários e Logísticos de Pemba e Palma, na Província de Cabo Delgado, aprovados pelo Decreto n.º 87/2013, de 31 de Dezembro, nomeadamente revogando a exclusividade atribuída à Sociedade Portos de Cabo Delgado, SA – PCD”.

 

O novo decreto ainda não foi publicado. A única justificação dada pelo Governo foi esta. “O Decreto visa assegurar a defesa do interesse nacional, a salvaguarda das relações e actividades dos agentes económicos e todos os intervenientes na logística de hidrocarbonetos e a promoção contínua do desenvolvimento socio-económico da região”.

 

A Sociedade PCD é uma “joint venture” entre a EHN e os CFM, duas das maiores empresas públicas de Moçambique. A retirada da sua exclusividade significa que seu papel nos terminais portuários e logísticos de Pemba e Palma vai ser reduzido e o Governo argumenta que isso visa salvaguardar o interesse nacional. Não se compreende! A PCD vai agora se confrontar com outros actores, de distinto interesse, e perda de receita depois de investimentos de vulto.

 

Esta decisão do Governo representa uma viragem radical sobre o papel das empresas do Estado no negócio do gás, com o governo esvaziando um dos principais seus “assets”: a componente logística. A visão do anterior Governo (Armando Guebuza) era mais proteccionista (e bem) dos interesses do Estado, pois sua perspectiva era a de, no caso da Base Logística de Pemba, firmar-se uma “joint venture” com uma experiente firma estrangeira para esta trazer para cá seu arcabouço de operações logísticas do gás e repartir os ganhos, passando o “know how” para nossas empresas. A escolha de um parceiro (o Sr Volpi) num processo que envolveu presentes e festanças foi errática mas isso não minou o princípio: casar as operações logísticas do gás com as operações portuárias e ferroviárias e concessão exclusiva para suas empresas públicas para o propósito de deterem infraestruturas ferroportuarias e de hidrocarbonetos a nível do upstream.

 

O esvaziamento do PCD é também justificado pelo Governo com a ideia da “salvaguarda das relações” entre os vários actores do gás em Moçambique. Isto significa que algumas dessas relações estariam em risco se o Governo mantivesse o monopólio estatal sobre as relevantes infra-estruturas de logística. No actual quadro de insegurança em Cabo Delgado, e depois dos ataques dos terroristas perto da “cidade medieval” de Afungi, em Janeiro, a Total impôs um conjunto de condições para retomar as suas operações, entre as quais a constituição de uma força-tarefa com o Governo (para questões de segurança), entre outros. E alguma “media” lançou suposições segundo as quais a Total estava a ponderar usar as ilhas Mayotte como sua base logística. Em resposta a essas suposições, o CEO da Total Ronan Bescombe, veio à imprensa, em princípios de Fevereiro, declarar à viva-voz que a Total iria usar a Base Logística de Pemba.

 

E logo a seguir, o Governo remove a exclusividade do PCD, ficando agora claro que isso terá sido consequência de alguma pressão da Total. “Usamos as instalações de Pemba mas quem opera somos nós”, terá sido esta a equação colocada pela Total para o Governo ter vergado?

 

A questão que fica é esta: Até onde a escalada terrorista em Cabo Delgado vai beneficiar as multinacionais e arruinar os interesses do Estado (do seu poder negocial) no quadro na monetização do gás do Rovuma. Esta retirada de exclusividade é perniciosa para o Estado, pois dentro do “project finance” da 1, na estrutura acordada, o PCD seria o “marine terminal operator”. A retirada da exclusividade afecta em grande parte o potencial de ganhos para o Estado através dos CFM e da ENH.

 

Uma questão final: esta retirada da exclusividade do PCD gera estabilidade ou instabilidade (fiscal e de quadro legal) no seio dos operadores?(Marcelo Mosse)

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