As alegações finais à volta da decisão do Kempton Park Magistrate Court sobre o pedido de liberdade provisória do deputado Manuel Chang terminaram ontem quando eram 16 horas, no meio de uma luta hercúlea entre o advogado da defesa Rudi Krause e a procuradora Elivera Dreyer. Krause dominou boa parte da sessão desde o seu início às 11.30 horas até pouco antes das 15h, quando finalmente Dreyer tomou conta do ringue.
Nas suas alegações para convencer o tribunal a soltar Chang sob caução, Krause optou por desvalorizar a acusação americana contra o antigo Ministro das Finanças, considerando-a de inócua e vazia de fundamento. Disse que a justiça americana não tinha apresentado uma única evidência de que Chang cometeu os crimes de que é acusado. Fez um argumento surpreendente: Chang era acusado apenas de "conspiração" e não propriamente de "fraude ou lavagem de dinheiro".
Sendo assim, um estrangeiro que tenha “conspirado” fora da África do Sul não pode permanecer na prisão no país. Krause, movendo-se entre um discurso vigoroso e momentos de fúria nos gestos e na língua, atacou a perspectiva de que Chang devia permanecer em liberdade porque ele foi detido para ser extraditado. O advogado disse que essa era uma "assumpção arrogante” dos americanos, nomeadamente a ideia de "venderem" a extradição como uma inevitabilidade.
A discussão ainda não era sobre essa matéria, mas Krause antecipou os seus argumentos. A juíza Sagra Sagrayen até estranhou a atitude do causídico. Mas Krause tinha a sua lição preparada. Primeiro desafiou o tribunal a mostrar a papelada da extradição para os EUA, que afinal, soube-se, ainda não foi devida e cabalmente submetida. Depois insistiu na ausência de elementos de prova que justificassem que Chang cometeu um crime com enquadramento no tratado de extradição entre a RAS e os EUA.
O advogado, que mostrou hoje uma faceta mais aguerrida que nas sessões anteriores mas também menos acessível aos jornalistas, pintou Chang de roupagem quase imaculada. Que era uma pessoa de parcos recursos e disposta a colaborar com a justiça até ao fim e que, ao contrário do que alega a justiça americana, não tem nem
conta bancária e nem interesses empresariais em Espanha. E fez antever a sua estratégia, ao evocar, como jurisprudência politizada, um anterior pedido de liberdade sob caução que foi dirimido durante longos meses, numa disputa entre uma ordem judicial favorável e decisão política (do anterior Ministro da Justiça e Assuntos Constitucionais) contrária.
Isso, como escrevemos, levou meses. Ou seja, se amanhã o tribunal recusar o pedido de libertação provisória de Chang sob uma caução de valores baixos, Krause deverá recorrer, cultivando sua esperança nessa intervenção do poder político.
A magistrada Sagra Sagrayen não deixou vislumbrar para onde se inclinaria o pêndulo do seu juízo, entre a soltura ou a continuada reclusão de Chang. Nalgum momento ela até parecia rendida a Krause, quando insistiu em saber se o passaporte normal do deputado estava sob custódia daquele tribunal (o passaporte diplomático está retido nas instalações da Interpol em Pretória) e também sobre se Chang fazia viagens frequentes para os Emirados Árabes Unidos e para Portugal (depois de conferenciar com Chang, Krause disse que o seu cliente viajou três vezes para Lisboa, por razões médicas, em 2018, e passou o ano novo no Dubai em 2017).
Mas depois veio a vez de Elivera Dreyer. A procuradora foi incisiva em atiçar mais o fogo... contra Chang, insistindo no risco de fuga, nas posses monumentais do antigo governante, mas, sobretudo, no facto de que se estava perante um crime de proporções alarmantes, “bilhões de USD roubados e que afectaram negativamente a economia de Moçambique”.
A procuradora fincou o pé numa alegação: Chang foi detido para ser extraditado e que isso não se compadecia com a perspectiva de ser solto, tanto mais que, asseverou, a Constituição de Moçambique impede a extradição de um nacional. Hoje saber-se-á a sina do ex-Ministro das Finanças no que diz respeito à soltura provisória como pretendido. Será o fim do primeiro “round”. A decisão da juíza vai determinar se esta dimensão do combate prosseguirá noutros ringues da justiça sul-africana, eventualmente com a intervenção de juízes esgrimindo regras doutros palcos. O "gong" volta, no entanto, a soar na próxima terça-feira, no mesmo tribunal, mas noutra sala e com outro juiz, para se discutir dois pedidos de extradição, o americano e o moçambicano, num combate que poderá levar semanas. (Marcelo Mosse, em Kempton Park)