Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
domingo, 03 fevereiro 2019 13:41

Vivemos hoje um anti-mondlanismo por excelência

Hoje em Maputo, toda a elite política foi arregimentada para a Praça dos Heróis, na celebração dos 50 anos depois do fatídico 3 de Fevereiro de 1969, dia em que Eduardo Chivambo Mondlane, o chamado “arquitecto da unidade nacional”, foi assassinado através de uma carta-bomba enviada ao seu gabinete em Dar-es-Salaam. A romaria era para celebrar a vida e os ideais de Mondlane. 

 

Mas Mondlane está nos antípodas da cultura e da prática política vigente; há na política um anti-mondlanismo por excelência, de acordo com a leitura do filósofo Severino Ngoenha, um dos mais incisivos intelectuais públicos de Moçambique, para quem o país vive hoje uma época em que o projecto de Eduardo Mondlane é, ao contrário da prática, mais premente do que nunca.

 

Na celebração dos 50 anos da morte do fundador da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), formação que conduziu a luta de libertação até à independência em 1975, Severino põe o dedo na ferida e alerta que esse projecto de unidade nacional, que corporizou o ideal libertário de Mondlane, está hoje na corda bamba, colocando riscos à sobrevivência de Moçambique como Estado-nação.

 

Ele alude à “metáfora do Zimpeto”, nomeadamente a de um país à venda, com sua riqueza natural compartilhada a bel-prazer por forças externas (desde o ocidente ao oriente) e uma elite incapaz de colocar travão a esse saque generalizado, que representa também um potencial risco de fragmentação do Estado. 

 

“'Lutar Por Moçambique', a obra mais emblemática do fundador da Frelimo, é ainda mais actual sobretudo porque o projecto de Mondlane não está acabado. Temos, cada vez mais, de nos interrogar sobre que Moçambique queremos”, disse o filósofo, reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM), numa breve entrevista à "Carta de Moçambique", esta manhã.

 

Os riscos de um neo-colonialismo (assente na exploração gananciosa da riqueza natural) e da fragmentação do espaço nacional (decorrente de uma incipiente redistribuição da riqueza) são fruto das incongruências de uma elite que usa a dominação do espaço público não para consolidar o projecto de Mondlane mas para acumular riqueza pessoal. 

 

Por isso, diz ele, debater sobre o destino colectivo da moçambicanidade, no actual contexto e perante as adversidades de hoje em que o inimigo já não é o colonialismo, mas franjas da elite da luta de libertação grudada hoje na depredação do bem público, é mais pertinente ainda. “Lutar por Moçambique hoje significa pegar no passado, nas causas e nos ideais de luta de Mondlane, e tentar perceber o que isso significa no actual contexto do percurso moçambicano”, disse Ngoenha. “Hoje, o inimigo tem outras cores, mas os fundamentos da luta, propostos por Mondlane, continuam válidos”, acrescentou.

 

Na celebração de hoje, o PR Filipe Nyusi condecorou algumas figuras da vida nacional que mereceram destaque com base nos critérios oficiais, num evento que serviu sobretudo para exaltar o heroísmo dos que lutaram pela independência.  

 

Esse culto do heroísmo, que de quando em vez arrebata a classe política em momento de cultivação da auto-estima, surge deturpado porque celebra-se a pessoa e não as causas ou as ideias porque essa pessoa lutou.

 

“Temos de ser capazes de buscar em Mondlane as suas ideias de futuro e confrontá-las com a natureza do Estado hoje”, disse Ngoenha, para quem a celebração do heroísmo [que nasceu da tradição do cristianismo, que venerava seus santos, e foi transmudada com o iluminismo e a Revolução Francesa, com o seu panteão exaltando as figuras da representação da pátria e do saber]  está cada vez mais diluída hoje, tempos em que são exaltados “santos mundanos”,  e em que a visibilidade pura e simples e o dinheiro são suficientes para alcançar a veneração total. No caso de Moçambique, enfatizou Ngoenha, a perfídia domina um anti-mondlanismo crescente, no sentido em que o projecto de unidade nacional, de um Estado-nação com seus micro-grupos unidos, está em risco. (Marcelo Mosse)

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