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domingo, 29 julho 2018 14:27

This is Mozambique

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Conhece Childish Gambino, aka Donald Glover, quando ver? Ou se ouvir? Pois, em “This is Mozambique” tem puritanismo barato e chauvinismo abjecto. Mergulhado na saga da maldição humana, é a estória de um país cujo sonho foi trocado pela tragédia. Quando mais pão podia chegar à boca de muitos, a elite tirou tudo à catanada. E satisfez sua ganancia do gás, antes mesmo da extracção. Atirou para o lado as expectativas do povão. O gás não foi o pecado original. O buraco da perdição já estava cavado. Mas havia sinais de poder ser tapado. Uma pá empurrando para baixo a areia poeirenta da miséria.


“This is Mozambique” apresenta a imagem de um político cavando fundo nesse buraco donde ele tem de tirar seu povo. É um vídeo musical inspirado na obra recente de Childish Gambino (alter ego do comediante Donald Glover), que fez com “This is América” (lançado em Maio) um drama visual da América contemporânea – onde o sonho recorrente para descrever a fatalidade americana vira pesadelo.
Em “This is América” tem decadência urbana, Guantánamo, brutalidade policial, chicana racial, um quadro prenhe de hostilidades.”This is América/Look at how I’m Livin’ now/Police be trippin’ now/Yeah, this is América/ Guns in my area”. Esse retrato pugente em vídeo low budget de apenas 4 minutos se tornou viral e atingiu 30 milhões de visualizações 48 horas depois de ter sido carregado no YouTube a 5 de Maio deste ano. A exposição da crueldade e da mentira da América de hoje foi bem recebida nas redes sociais.


Depois veio Fazl, um artista nigeriano e sua caracterização cirúrgica da Nigéria, com sua corrupção galopante, a miséria numa terra rica em petroleio e o destino das meninas de Chiboki feitas reféns – e concubinas – do sinistro Boko Haram. Falz foi ameaçado de morte por esse retrato fiel que destapa a verdade abafada da sociedade nigeriana.”This is Nigeria/praise and worship we singing now/Pastor put his hands on the breast of his members/He’s pulling the demons out”.

No nosso “This is Mozambique” tem povo urbano se acoitando nas guinadas descapotadas do “my love” e chapeiros engaiolando funcionários públicos. O vídeo desmascara os paladinos do falso progresso, os apparatchiks da mentira e da manipulação da verdade, um tal grupo lembrando a sinistra máquina de propaganda do regime do apartheid, o Stratcom. O cenário derradeiro de “This is Moçambique” não imita Gambino perfurando a nuca de sua vítima de olhos vendados nos confins solitários de uma garagem, em cena que cruza a memória trágica da reclusão em Guantánamo e a carnificina desumana de Abu Ghraib, no Iraque.


Aqui surge Mário Mabjaia na carne de político/empresário que se endinheirou no gás, chegando ao Xipamanine de helicóptero para evitar os buracos desasfaltados da Irmaos Roby. Ele quer o voto das mamanas mas acaba atirando sobre elas suas balas com promessas de insondáveis futuros. Lucrécia Paco é a mamana da voz dissonante, enfrentando a situação com a rouquidão de um manguito em punho; e acaba sendo levada para a esquadra. No dia seguinte, suas pernas estão quebradas, ensanguentadas lá no Chiango. É uma mulher deserdada e despensionada. A expressão facial da esperança despedaçada. No vídeo tem também banquete de Estado, protegido por uma FIR empurrando para traz molwenes famintos com seus braços estendidos de esmola. Afinal, o gás não é para todos.


“This is Mozambique” é um vídeo musical com enredo picante de Mia Couto, sarcasmo contagiante de Azagaia, que lhe empresta sua voz em registo rap, o humor colérico de Mabjaia e os gestos deslumbrantes de Lucrécia. É uma narrativa visual que revolve as entranhas de uma sociedade entulhada na miséria e uma classe politica mergulhada na avareza. Azagaia porque só ele pode untar sua seta com poção que baste para fazer o naming e o shaming dos responsáveis pela crise e toda a sua legião de spin doctors que procuram vende-la como um problema de causas exógenas quando tudo foi engendrado na escola perversa do guebuzismo. O vídeo continua fervilhando na minha imaginação.

Sir Motors

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