Há 2500 anos Hipócrates disse: “Que o teu alimento seja o teu medicamento”. A OMS define a Saúde como “situação de perfeito bem-estar físico, mental e social”, e doença o inverso, ou seja, “perturbação do bem-estar físico, mental e social”.
Passei o final de semana numa celebração inusitada. Era o 30º aniversário do enlace matrimonial de um casal de amigos. O inusitado – para responder à curiosidade – estava no facto de ambos terem apenas 40 anos de idade e celebravam 30 anos de casados. A explicação não tardou e veio do celebrante ao referir, no final da sua intervenção, que a sua contagem iniciava no ano em que se avistara pela primeira vez com a celebrante e não no ano do casamento. Eis - para que não hajam dúvidas - as palavras finais do celebrante: “Uso o mesmo critério para a definição dos 500 anos de colonização portuguesa em Moçambique”. E assim a cerimónia ganhou um outro ímpeto com os diversos casais a recontarem os respectivos anos de casados. Foi interessante.
Na mesa em que me encontrava o debate passou a ser a idade dos assuntos e das instituições em Moçambique. Em relação a das instituições, foi dito, por exemplo, que para alguns a contagem da idade do partido Frelimo inicia a partir de 1977, o ano da transformação da FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique, em partido. Para outros tantos, o cálculo começa a partir da sua fundação, enquanto Frente, em 1962. Quanto à idade dos assuntos, foi largamente citado o exemplo dado pelo celebrante em que se atribui, à colonização portuguesa, a idade arredondada de 500 anos, contados a partir da chegada de Vasco da Gama em 1498 até 1975, com a independência nacional. Em contracorrente há quem atribua, à colonização portuguesa, menos de 100 anos, calculados a partir da Conferência de Berlim (1884/85) e/ou da queda do Império de Gaza em 1895, actos que simbolizaram o início da ocupação colonial efectiva que se prolongou até à proclamação da independência.
Outros e semelhantes exemplos foram citados e que, certamente, são do conhecimento do leitor. De forma breve, e para arrolar mais dois, seguem os casos da cidade de Inhambane e o da Rádio Moçambique (RM) versus Jornal Notícias (JN). Sobre a cidade de Inhambane, que recentemente (12 de Agosto) celebrou o seu aniversário, faz alguma confusão que um local secular (os edifícios falam por si) celebre os módicos 64 anos. No caso da RM versus JN, ambos do tempo colonial, anos 30 e 20 do séc. XIX, respectivamente, não se compreende, salvo melhor entendimento, a razão de em 2020, a RM celebrar 45 anos (já nos tempos da independência) e o JN celebrar 94 anos de idade (anterior aos tempos da independência).
Na linha do entendimento dominante, o dos 500 anos da colonização, será igualmente correcto questionar quem tenha resistido contra quem entre Portugal e o Império de Gaza, atendendo que a invasão colonial portuguesa é anterior à existência do Império/Estado de Gaza, este fundado em 1821, fruto de uma outra invasão, a Nguni. E, na senda da outra perspectiva, não é de admirar que o país não esteja independente, e tal só será possível com a independência efectiva. De toda a maneira, e em jeito de conclusão do debate, a recomendação dos membros da mesa, já com copos de vinho à mistura – por sinal um vinho de casta portuguesa -, foi a de que é preciso que o Estado aclare/padronize os critérios para a definição da idade dos assuntos e das instituições, mormente de âmbito estatal. Aliás, um desafio de um outro maior: o da necessidade da História ser reescrita.
Voltando à celebração do 30º aniversário do enlace matrimonial do casal amigo: por enquanto cola a ideia de que são de facto 30 anos de casados, contabilizados a partir do 1º encontro e, por tabela, 10 anos de “Casamento Efectivo”, calculados a partir do acto oficial e com o devido registo nos termos da lei. Para terminar, e por qualquer razão, talvez de analogia com o processo moçambicano de paz, já aguardo do casal o convite para a celebração do “Casamento Definitivo”.
Irmãos, que tal fazermos uma corrente beneficente a favor do camarada Raimundo Diomba?! Ele não pode sair da casa do Estado porque não tem onde morar. Não tem onde ir. Que tá-lé?! Vamo-nos unir em prol desta causa justa, pessoal!
O velhote merece a solidariedade do povo moçambicano do Rovuma ao Maputo, do Zumbi ao Índico. Vejam só: o velhote foi governador provincial durante 15 anos consecutivos sem descansar. É muito sofrimento isso! Quem de nós aceitaria ser governador provincial durante 3 mandatos consecutivos? Quem?! Quem aceitaria tal sacrifício?
Vamos a isso, pessoal! O camarada Diomba não tem casa. Precisa de um teto. Ele fez muito pelo povo moçambicano. Sacrificou-se. Aceitou sofrer. Ser governador provincial ninguém merece. Imagina, então, durante 15 anos ininterruptos!
Deux-tá-ver! Ajudar o próximo é muito bom! Então, ajudemos Sua Excelência Raimundo Diomba, antigo governador da província de Niassa, Gaza e Maputo e actual Secretário do Comité de Verificação do partido FRELIMO. O homem não teve oportunidade de construir uma casinha sequer. Estava preocupado em resolver os problemas do povo moçambicano. Não teve tempo.
Não me perguntem onde ele vivia antes de ser governador provincial durante 15 anos sem repouso. Não me perguntem isso. Talvez era um molowene, um mendigo, um vira-lata. Não sei. Só sei que ele se sacrificou em sair das ruas para ir viver num palácio com direito à escolta, segurança e sirenes durante uma década e meia. Esse é um acto de grande heroicidade para um marginal. Foi muito corajoso. Esses molowenes de hoje em dia - xiliquentos que são - não aceitariam um sacrifício desses. É preciso ter muita bondade no coração. Esses últimos 15 anos devem ter sido os piores da sua vida. Mas, também, este governo de Nyusi é muito insensível sabe!... querer tirar um 'madala' daqueles, pobre-coitado, do palácio mesmo!!!
Participe desta campanha de angariação de uma duplex tipo 5 com cozinha americana, garagem para 4 viaturas e piscina olímpica para o camarada Diomba! Envie a sua contribuição para o 'Eme-Pesa' de Nhangumele. Aqueles jovens que outrora receberam terrenos na Guiné, oferecidos pelo vereador da área de Autoestima Juvenil, também podem oferecer, querendo. Será um grande passo. Quem tiver um talhão em Mocimboa ou em Macomia, também pode oferecer. Em qualquer lugar... aí em Muxunguê idem... não tem problema. Vai ajudar muito.
Sejamos solidários, gentxi! Participemos efusivamente desta campanha de solidariedade 'Je Suis Diomba!' Façamos cartazes, dísticos, camisetes e bonés. Este camarada precisa de ter onde cair morto. Coitado!
- Co'licença!
O meu problema não é o governador Daniel Tchapo porque esse vai passar como passaram todos os outros que lhe antecederam. Estou preocupado com o palácio, uma obra de arte, um património tangível da cidade que pertence e orgulha a todos os manhambanas. É um foco de contemplação reservado igualmente aos turistas que vão passar por aqui. É por isso que na concepção desta obra, colocada numa duna estável no bairro de Balane, o arquitecto fez uma combinação perfeita, onde a baía será um complemento importante, demonstrando uma preocupação profunda em não ferir a natureza.
O palácio do governador de Inhambane era um edifício livre, soberbo em toda a dimensão, tornando assim impossível passar pela marginal sem observá-lo com paixão, sem ceder a sedução das suas linhas, aliás, a própria marginal ganhava outra aragem, era mais linda, agradecia por ter aquele complemento na sua paisagem, lembrando as palavras do poeta, “o belo atrai o belo”. Mas alguém apareceu e tirou-nos o direito de alimentarmos a alma ao passarmos por ali. Mandou, sem meias medidas, erguer um muro de vendação. Um muro monstruoso que sufoca um lugar privilegiado. O palácio foi escondido.
Eu já havia vindo a terreiro sublevar-me contra esta barbaridade, ainda na fase de construção, numa altura em que o governador de Inhambane (não o senhor Daniel Thchapo), criava cabritos no palácio, os quais eram amarrados na relva a vista de toda a gente. Falei até a exaustão mostrando a minha cotrariedade, porém ninguém me ouviu. E hoje está aí o muro que para além de ser desnecessário, descaracterizou a zona toda. Tiraram-nos uma atração que nos orgulhava.
A cidade de Inhambane não merece esta agressão, assim como não merece algumas obras que o Município está a desenvolver por aqui, com o edil Benedito Guimino na batuta. Há casos preocupantes de vias de acesso pavimentadas com qualidade muito duvidosa. Em vários troços dessas ruas recentemente inauguradas o pavet está a desfaze-se. Não há nivelamento em muitos lugares, e não precisamos de ser engenheiros para concluir que aquilo foi mal feito, e mesmo assim a empreitada foi entregue e recebida pela edilidade.
O presidente do Município tem facultado o número do seu celular aos interessados como forma de estar mais perto dos munícipes. Foi assim que, usando dessa prerrogativa, enviei mensagens ao ilustre Guimino para lhe chamar a atenção sobre um problema que está a agravar-se. Disse-lhe ainda que corre o risco de não se orgulhar de ter ficado dois mandatos (se não for indicado para o próximo) porque terá deixado obras destroçadas. Enviei várias sms com o meu nome assinado, alertando sobre a fraca qualidade dos trabalhos que estão sendo feitos, incluindo outros assuntos de interesse dos cidadãos, mas o senhor Benedito Guimino nunca me respondeu, embora conhecendo-me.
Não basta que o Presidente faça obras, é preciso que as faça bem, com garantia de qualidade, para que ao terminar o seu mandato, caminhe com orgulho pela cidade que terá ajudado a construir. Ganha ele e ganhamos todos nós. Aliás, no coração da cidade há gente que ergueu casas de pasto em jardins públicos, violando grosseiramente a postura camaráia, e o edil tem conhecimento disso. Então o nosso bom do Guimino tem que fazer qualquer coisa para remover aquilo e devolver nos a leveza na avenida, como estão fazendo, e muito bem, os seus homólogos de Maputo e Chimoio.
Muitos parabéns Inhambane, minha cidade maltratada, pelos 64 anos de existência !
É manchete um pouco por todo lado e é inclusivamente o tema mais candente do momento, e com maior incidência nas nossas redes sociais que com velocidade da luz espalham tudo o que é considerado matéria para internautas e consumidores e difusores acríticos de informação – o caso Matalane.
Foi noticiado que instruendas do curso de formação de polícias, terão sido abusadas sexualmente pelos respectivos instrutores e que pelo menos 15 delas se encontram grávidas. Este facto gerou uma onda enorme de consternação entre os mais sensíveis a questão do género, ética e deontologia e direitos humanos. Dois grupos de opiniões dominam os debates na imprensa, nas redes sociais e noutros fóruns: uns condenam veementemente as instruendas acusando-as de falta de carácter e de cultura, de ganho fácil e menor esforço durante os treinos. Outros atacam os instrutores considerando-os monstros que envergonham a corporação e o Estado moçambicano.
Nisto muita tinta corre e ainda não chegamos ao cerne da questão. As 15 instruendas não devem ser tratadas como números e na verdade não são números, mas entram na grande lista oculta de vítimas de forma silenciosa cede aos prazeres de quem acha que detém poder para atropelar a dignidade humana e subjugar os ditos fracos. A nossa indagação deve buscar as raízes destes comportamentos e tentar perceber o seu caminho para que se tenham fixado como parte da cultura institucional.
Este triste caso veio desvelar uma realidade ignorada por muitos. Irei chamar a essa realidade de promoção da mediocridade. Promoção da mediocridade colide com os esforços que há anos temos estado a lutar para construir instituições fortes, de direito, capazes e transparentes, instituições de respeito e de referência, mas que paradoxalmente caminham para uma gritante desumanização do Homem – no caso vertente este Homem é a mulher que ainda é vista como inferior e objecto de deleite e saciedade de prazer.
Não se pode ter instituições fortes quando existem homens fracos e medíocres que promovem o caos. São homens que colocam as relações de poder como base para tirar vantagem de outrem. Julgam-se acima da lei e dos princípios e que impelem a sociedade a aplaudir imoralidade, a coadunar com coisas erradas e a prostrar-se diante de actos abomináveis. As instituições que temos estado a construir são baseadas em leis e protocolos - essas leis e protocolos devem ser cumpridas por cada um de nós. Não se trata de falta de protocolos, nem de leis e muito menos de instrumentos reguladores. Trata-se de uma legitimação tácita e um atropelo sistemático acobertado por um grupo de pessoas que pretende perpetuar tais práticas e minar a imparcialidade a fortificação das instituições.
Numa organização que em princípio se guia por leis e procedimentos burocráticos torna a sua administração mais eficiente e eficaz e isso garante racionalidade no trabalho. É consabido que numa organização pública ou privada, o cumprimento normal e continuado dos deveres bem como o exercício de direitos correspondentes é assegurado por um sistema de normas e somente podem prestar serviços aquelas pessoas que segundo as regras gerais estão qualificadas para tal.
Estes traços remetem-nos as principais características da teoria da burocracia, cujo fundador foi Max Weber. De acordo com Weber a administração segue princípios baseados em documentos escritos como por exemplo a hierarquia de cargos, as competências de cada funcionário bem como a situação do funcionário de escalão inferior (subordinado). Os funcionários inferiores são controlados pelos funcionários superiores sem que isso constitua “chance” para os superiores se aproveitarem da situação do funcionário de escalão inferior. Max Weber defende ainda que as actividades exercidas pelo subordinado são garantidas por normas estabelecidas num Código de Penal que o defende dentre várias infrações os insultos, maus tratos, assédio sexual e etc.
A nossa indignação não pode se cingir apenas a Matalane, Munguine ou a outros centros de formação, mas sim a vários outros sectores da nossa sociedade como ministérios, escolas, universidades, bancos, e outras instituições públicas e privadas. Os abusos perpetrados pelos instrutores são uma réplica dos abusos que são igualmente praticados contra centenas de mulheres e raparigas nas escolas e universidades apenas a título de exemplo. O pretenso poder que o formador, instrutor e professor tem sobre os formandos faz com que se crie a cultura sexista na nossa sociedade – uma cultura que oprime, humilha e retira valor a mulher e a rapariga.
Mais preocupante ainda nessa relação de falso poder e falsa supremacia é a falta de cultura de denúncia e de responsabilização acompanhadas pelo medo exacerbado. Quando essa lucidez e coragem existe, os prevaricadores são protegidos pelos sistemas e em escala a impunidade cresce e a descrença sobre o real aumenta enfraquecendo assim o poder e valor das instituições. Não se trata de falta de aporte legal, muito menos de falta de instrumentos reguladores. Trata-se sim de uma mentalidade promíscua, pequena e oportunista que cria pequenos monstros que criam horrores contra inocentes.
Como sociedade somos chamados a reflectir sobre o valor e lugar da moralidade, da ética e da deontologia e sobre limites da concupiscência. Somos chamados a demandar por justiça e exemplar postura das instituições de justiça.
Hoje de viva voz, por um lado condenamos e por outro aplaudimos aquilo que julgamos ser politicamente correcto e socialmente aceitável. Sequer nos demos tempo para ficar no lugar do outro e tentar sentir a dor do outro, a dor daquela mulher que procurou formação e foi abusada por aqueles a quem confiou sua formação; a dor daquela mulher que depois de grávida a sociedade lhe chama nomes, isola e exclui. É preciso pensar e agir para que isto não aconteça de novo e que não levemos ao de leve algo tão profundo.
Na construção daquilo que queremos como sociedade, estamos a permitir que práticas condenáveis e desprezíveis entrem no nosso modus operandi. O nosso silêncio e consentimento pelo atropelo a lei é uma arma que mata milhares de mulheres e raparigas no nosso país e deixa marcas psicológicas que se manifestarão nas gerações que estão por vir.
O Moçambique do amanhã é e está dependente do que fazemos hoje. As mães abusadas, os filhos renegados e as mulheres violadas são a expressão mais sublime daquilo que consentimos com as 15 mulheres de Matalane e com os milhares de raparigas e mulheres espalhadas por todo o país que por conta da realidade adversa não dão rosto aos abusos sofridos.
Hélio Guiliche (Filósofo)