Faz algum tempo que eu contei a saga sobre a “Revolta dos Beneficiários” cujo epicentro é a “Lista dos Participantes”, vulgo de presenças, e que circula nos seminários para o seu preenchimento e assinatura. Foi graças à assinatura desta lista que os beneficiários de potenciais apoios de projectos ou programas de combate à pobreza e/ou de promoção do desenvolvimento chegaram a uma lista geral de cidadãos, entre nacionais e estrangeiros, a serem punidos com a pena máxima, uma sentença decorrente da alegação de que os beneficiários, o potencial grupo alvo de tais projectos, foram usados no lugar de apoiados. Daí a “Revolta dos Beneficiários”.
Com a Covid-19 e por força da proibição de aglomerações e do fecho de fronteiras , a“ Lista dos Participantes” foi uma das principais vítimas e também uma salvadora da Covid-19. A sua ausência impactou negativamente na economia, sobretudo na indústria hoteleira e de transportes, e ainda evitou contactos de alto risco, atendendo que os seminários, pelo menos os ditos bem sucedidos, constituem um cocktail de participantes provenientes de diversos locais a nível nacional assim como internacional.
Para a História, fora o bom do lado salvador, creio que será pelo lado das vítimas que a História lembrará a “Lista dos Participantes” em tempos da Covid-19. Numa outra perspectiva, e a fechar, a ausência da “Lista dos Participantes” reduziu a possibilidade de alguns ( os mais assíduos) ocuparam os lugares cimeiros de cidadãos a abater ou, no mínimo, a constarem na lista da “Revolta dos Beneficiários”.
PS: Na retoma dos seminários é possível que os dados a preencher da “Lista dos Participantes”, nomeadamente o nome, organização, função, proveniência, contactos bem como a respectiva assinatura ou rubrica, sejam acompanhados por outros sobre a Covid-19, tais como: “Positivo ou Negativo”, “Positivo Activo ou Recuperado”, “Sintomático ou Assintomático”, “Quarentena Domiciliar ou Hospitalar” e por ai adiante.
Eu sou apoiante de qualquer cidadão que manifesta intenção ou interesse em concorrer à qualquer posição política, seja presidente da república, edil, governador, e por aí além, etecetera, e mais. Para mim, a eleição é o êxtase da cidadania. É o tal orgasmo da democracia.
Eu respeito e admiro por demais a vontade de Henriques Dhlakama, filho de Afonso Dhlakama. Ele quer candidatar-se a Presidência da República nas eleições de 2024... e eu tiro o chapéu. Democracia é isso mesmo. Está no seu direito. É maior de idade, é nacional, não é condenado e não tem cabeça de repolho, ou seja, está dentro das suas faculdades mentais. Deixêmo-lo! Ele sabe o que faz. Mas também eu não sou a pessoa mais indicada para ensinar o filho mais velho de Dhlakama a fazer política. Não me vejo com tomates para tal.
Henriques manifestou a intensão nas redes sociais e foi logo esquartejado digitalmente. O homem foi logo julgado e condenado. O homem foi antecipadamente derrotado. Dizem que não vai vencer a FRELIMO porque o seu pai também nunca venceu. Dizem que vão lhe roubar os votos e vai chorar como o seu pai. Dizem que não pode se candidatar porque não é conhecido. Só se fosse o seu irmão Billal. Dizem que Billal é mais bonito que ele (mas governar não é concurso de beleza!). Dizem que não pode se candidatar porque nunca foi a tropa (xeee!). Dizem que vai vender o país aos colonialistas. Dizem que não tem agenda própria. Dizem que devia ficar calado a comer a fortuna que o seu pai deixou. Dizem que a sua agenda é destruir a RENAMO. Dizem etecetera, etecetera.
Xi!!! Já rendi! Essa democracia dele é qual já?! O homem ainda nem é oficialmente candidato, só mostrou vontade, e já está a ser abortado. Ninguém quis saber da sua ideia para o país, do seu manifesto, da sua visão. Yaaa, rendi, juro!
Possas!!! Os gajos que nos enfiaram ananás foram a tropa, libertaram o país, são bonitos, tinham agenda nacionalista, são conhecidos, são ricos, são experientes, são estudados, e tudo mais. O Henriques só escreveu no 'feici' um dos seus desejos nesta vida. Só isso. Se não temos tomates não precisamos de estragar o tomateiro do vizinho.
É bem possível que o Henriques destrone o Ossufo e seja candidato da RENAMO em 2024. Não irei me surpreender tanto. Não é algo impossível. Também é bem possível que o Henriques crie o seu próprio partido e destrua a RENAMO. É também bem possível que esse partido consiga mais deputados que a RENAMO e Eme-Dê-Eme juntos. Afinal, é um Dhlakama! Leiam a história do Dhlakama-Pai.
Até hoje não vi um só argumento plausível de porquê o Henriques não se deve candidatar. Só vi preconceito só. Caranguejismo.
- Co'licença!
O dinheiro que ganhavam não era o mote. Nunca pensaram nessa mola de impulsão antes de, com os pés descalços, dominarem o esférico. Nem nas massas que viriam a encher os estádios. Eles nasceram com a bola nos pés, então urgia que descessem aos campos onde ressurgia a luz da glória. E eles nem sabiam do brilho que lhes esperava. Não podiam saber porque a força que lhes movia era maior. De modo que só lhes incumbia obedecer aos impulsos até se tornarem na força motriz das vitórias.
Luís Suquice fazia parte dessa panóplia que reverberava mesmo em dias infaustos. Eles eram o testemunho dos ditos intemporais de Deus, segundo os quais muitos serão chamados e poucos escolhidos. É por isso que o delírio do povo começava antes de o juiz da partida apitar para dar início ao turbilhão. Havia crença nesse tempo. Uma fé inabalável que lhes dava a força dos bisontes. Tudo o que faziam era vertiginoso, os passes, as defesas no último reduto, as estiradas dos guarda-redes e o engodo pela baliza.
Luís Siquice não era o único, mas avultava entre os tigres. Era o algoz escolhido para matar em momentos cruciais, e o veneno aspergido nos pés ainda no ventre da mulher que lhe deu a luz, era inoculado sem piedade para o desespero dos guarda-redes. Luís era essa águia imparável, e a história nunca vai perdoar aqueles que não o deixaram planar até outros céus, onde iria exuberar no zénite. E agora só nos resta ovacionar com estrondo a alma da nossa estrela que se aparta de um corpo que nos últimos momentos da errância pela terra, parecia resignado.
Na verdade o cheiro de Luís Siquice anda impregnado por aí, no bairro do Chamanculo e no Xiphamanine onde se desumbilicou. É também nas adegas de thonthontho (aguardente caseira) que os bebedores inveterados, frustrados e destruídos, não observam um minuto de silêncio, mas desencadeiam memórias, contando histórias sem fim de um artilheiro de ouro, que passou toda a vida sem nada material nas mãos. Misturando-se com as massas para as quais se tinha tornado um pequeno deus. Mas não haverá palavras suficientes para exaltar o mortífero avançado. Porém ele não merece o silêncio, nem as lágrimas.
Escrevo este texto imaginando o caixão de Luís Siquice entrando pela porta da maratona do Estádio da Machava, carregado aos ombros dos colegas do seu tempo, e nas bancadas um público de pé, eufórico, ovacionando o craque que se despede para sempre.
Hamba kalhe (vai em paz)!
Quando alguém chega à uma residência e nesta, à partida, não se vislumbram sinais de alguma alma viva é normal que se pergunte “Alguém em casa?”. Depois de algum tempo, e perante o silêncio, é ainda normal que o visitante entre pela casa dentro. Diante do cenário de abandono e sem que ninguém interpele, o visitante, nos dias que se seguem, paulatinamente apodera de um e outro pertence até ao dia, e por força do silêncio, em que decide definitivamente assentar arraial como o todo poderoso.
O intróito foi a propósito de uma conversa de Chapa esta manhã. Um dos passageiros reclamava pelo destino de um país entregue aos antónimos dos nacionais. O tal passageiro, para fundamentar o seu protesto, contava que os seus gastos diários, incluindo os de construção, eram invariavelmente feitos em “vários países”. Disse ainda, em tom jocoso, de que os únicos locais em que os mesmos (gastos) eram intramuros a Covid-19 tratou de fechá-los. Insistido por outros passageiros para que revelasse os tais locais o passageio pronunciou bem alto “Barraca” e bem baixinho “Escondidinho”. Um outro passageiro, e com ares de um universitário em defeso forçado pela Covid-19, teorizou a tirada, denominando tais locais de “conclaves de soberania”, incorporando nestes o Chapa. Segundo ele, os ditos “conclaves de soberania” ainda não foram tomados pelos antónimos dos nacionais, um entendimento posto em causa por outros passageiros e até com recurso à exemplos concretos.
O debate foi prosseguindo à media do para e arranca do Chapa. Embora com uma enorme vontade de continuar a participar (em silêncio), tive que descer numa paragem junto à uma instituição pública que, por coincidência, era o meu destino. Já no interior e depois de uma hora ainda aguardava ser atendido. Infelizmente não era o único e até por mais tempo. Enquanto esperava veio-me à mente o episódio do “Alguém em Casa?”. Pelos vistos pouco ou nada mudou desde a penetração dos povos Bantu, passando pela dos árabes, a dos europeus e mais recentemente a de outras latitudes e a da própria renovação, em outras vestes, das primeiras penetrações. É a sina da hospitalidade da Pérola do Índico. E como diz um meu primo: “I'm telling you”.
Eu acredito inabalavelmente que as ideias possuem uma origem divina (com exclusão, obviamente, daquelas ideias macabras, maliciosas e imorais, cuja fonte é, indubitavelmente, diabólica ou, no mínimo, fruto da incapacidade da razão em sobrestar as maldosamente tentadoras sensações do nosso instinto selvagem).
Na tríplice classificação celebrizada por Sigmund Freud, o nosso intelecto é estruturado pelo inconsciente, subconsciente e consciente. A ideia pode brotar em qualquer um destes três compartimentos cerebrais.
Na minha mundividência, a partir do momento que ela se cria (quando induzida) ou surge (quando acidental), destina-se a cumprir um propósito. Um propósito divino pelo qual a pessoa proprietária do intelecto onde surgiu ou se criou a ideia foi chamada a executar. Isto significa que ela é singularizada; é fulanizada; é individualizada. Foi intencionalmente atribuída a determinada pessoa.
Nem sempre nos apercebemos da magnitude desta missão. Aliás, vezes há em que sequer imaginamos que se trata de uma missão. É por isso que as ideias, uma vez surgidas/criadas, são ignoradas, objecto de desinvestimento e evanescentemente abandonadas à sua sorte, chegando a falecer e se sepultar no intelecto de onde brotam, sem que tenham sido devidamente exploradas.
As pessoas não fazem ideia de que, se ela surgiu num determinado cérebro (e não noutros), é porque aquele determinado cérebro foi “escolhido” para desempenhar a missão de materializá-la, tornando-a real, palpável e de apreensão mundana, à merce, ou do próprio proprietário do cérebro pensante e/ou da comunidade onde que ele está inserido.
Atribui-se ao visionário Walt Disney a lapidar frase (sic) “se tu podes sonhar, tu podes fazer”, transformada em aforismo que se casa em perfeita comunhão geral de bens com a frase “primeiro o homem sonha e depois a obra nasce”, sendo ambas as frases demonstrativas do carácter poderoso que as ideias possuem.
A ideia não surge por acaso. Ela não pertence à ocasionalidade, mas sim à causalidade. É como se ela tivesse escolhido a pessoa detentora do cérebro onde ela se vai alojar, para que aquela pessoa lhe dê vida. A ideia suplica: “por favor, transforma-me em algo real”, todavia, aquele sujeito muitas vezes está longe de possuir a perspicácia necessária para intuir o que se passa no seu próprio cérebro, não fazendo, por isso, a mais diminuta “ideia” da bênção que se acometera sobre ele com a escolha e visita realizada pela “ideia”.
Isso torna-o ingrato (ainda que inconscientemente) pois aquela ideia poderia escolher outro cérebro apto a satisfazer-lhe o desígnio de se metamorfosear em “projecto” que, posteriormente, transmutar-se-ia em realidade visível e geradora de múltiplas utilidades. Não só é ingrato, como também chega a ser uma clamorosa injustiça ter consigo a ideia e não a transformar em realidade. É pecaminoso asfixiar e assassinar a ideia dentro de si, proibindo-a de florescer e fazer a diferença “cá fora”.
As ideias não nos surgem por acaso. Se a tens, possuis o dever de investir nela. Uma vez semeada, cabe-te cultivá-la e adubá-la. Na maior parte das vezes, ela não nos surge como produto acabado; aparece como um embrião carente de alimentação para que se forme e se substancie até se tornar consistente. E esta incumbência é tua. Por isso, traduz-se numa ingratidão incomensurável promoveres um aborto sobre a ideia – matando-a mesmo antes da nascença –, pois, ela, no fundo, não é tua; apenas surgiu no teu intelecto para que cumprisses a missão de a vivificar, de tal sorte que, através de ti, o mundo se beneficiasse das vantagens que ela, uma vez concretizada, proporcionaria.
Tu até podes morrer; mas a tua ideia deve perdurar para além da tua morte... imortalizando-te perenemente.
- Bom dia, mãe! Quanto custa uma 'cabeça de repolho'?
(Silêncio).
- Mãe, 'cabeça de repolho'... é quanto?
(Silêncio). A velhota levantou-se, endireitou a avental a riscas azul que cobria os seus seios fartos e virou-se para a vizinha da banca ao lado esticando o braço direito que segurava um copo de plástico com água fervente.
- Mãe de Djeri, peço um pouco de açúcar aqui.
- Acabou, tia. Era um plastiquinho de 5 meticais. Esses agora estão a piorar. Até val'apena começarmos a fazer chá com matoritori.
- Mas, este repolho não está a venda ou quê?! Afinal, estão a vender ou não estás 'cabeças'?!
- Meu filho, não me arranja problemas. Vai-nos arranjar problemas, meu filho. Você não viu aquele documento? Não ouviu 'pele-menos'?
- Não vi. Mas eu só queria comprar uma 'cabeça de repolho' só. É que documento, mãe?
- Estamos com problema aqui, meu filho. Aquele que chamar 'cabeça de repolho' vai na esquadra. Levaram mãe de Zenzi ali ontem porque falou 'cabeça de repolho' 80 meticais... apareceu polícia... levaram ela na esquadra... repolho também levaram no Mahindra.
- Não estou a perceber...
- Passou um documento que se chama 'circular'. O chefe do mercado mandou para todos assinarem. A 'circular' dizia que ninguém devia chamar repolho de 'cabeça'. O documento diz que é proibido dizer 'cabeça de repolho'. É proibido. Quem falar 'cabeça de repolho' vai parar à esquadra.
- Mas como assim, mãe? Quem fez esse documento... essa circular? Mas porquê? E vocês...
- Não sei, meu filho. Mãe de Djeri, quem escreveu aquele documento de repolho?
- Conselho de Ministros.
- É Conselho de Ministros, meu filho, que escreveu... que proibiu dizer 'cabeça de repolho'.
- Xi...
- É o governo. O governo está a proibir as pessoas chamarem 'cabeça de repolho' isto aqui (apontando para um monte de cabeças de repolho' sobre o balcão da dua banca). Agora é 'bola de repolho'. 'Cabeça de repolho' são umas pessoas que o governo foi buscar não sei aonde que andam nas rádios e televisões. Mas muito muito no 'feicibuque'. São pessoas especialistas em 'ensultar' os outros. São 3 jovens. Esses agora têm direitos sobre o nome 'cabeça de repolho', publicado no Boletim da República e tudo. Explicou a mãe de Djeri enquanto amamentava o seu bebê. Mãe de Djeri era uma jovem na casa dos 20. Parecia muito informada. Falava num à vontade pedagógico.
- Xiii... Afinal!!!
- Sim, mano! 'Cabeça de repolho' já não é para hortículas. Só pode chamar 'repolho' ou 'bola de repolho'. 'Cabeça de repolho' tem donos.
- Está certo! É quanto então essa 'bola de repolho' dele?
- 80. Mas podemos cortar ao meio, se quiser, meu filho. Era a velha com um sorriso meio reservado.
Diz a lenda que foi assim que tudo começou. O 'cérebro' foi substituído pelo 'repolho'. O termo 'cabeça de repolho' virou patente privada de 3 jovens da Pérola do Índico. Agentes à paisana e SISEs passaram a trabalhar na área de venda de vegetais dos mercados para controlo da linguagem verbal dos utentes. Mahindras fizeram história nos mercados grossistas de Zimpeto e Waresta. Bilibiza foi reativado para receber os infractores da etiqueta das culturas folhosas. Passados séculos, esses jovens ainda são lembrados com buquês de repolhos e couves na cripta. Na verdade, o projecto de transplante cerebral descoberto na quarentena pendémica de 2020 havia iniciado há um qüinqüênio atrás. Era o fim da geração depois da viragem e início da geração do repolho, quando o diploma passou a ser enfeite.
E nunca mais se ouviu falar de 'cabeça de repolho' no mercado. Era só na rádio ou na tê-vê ou muito muito no 'feici'.
- Co'licença!