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quarta-feira, 02 janeiro 2019 03:04

O que celebramos no Ano Novo

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No momento em que o relógio marca a meia noite peço à minha família que faça silêncio. Sugiro que escutemos a cidade em festa. No escuro rasgado pelo fogos de artíficio soam estrondos que antes seriam de Guerra e agora são uma fraternal celebração. Para além do estampido dos foguetes escuta-se gente rindo e clamando de felicidade. Durante escassos minutos esquece-se o que nos incomodou a vida inteira. Saber esquecer é uma condição para se ser feliz. De repente, a cidade é uma única aldeia. Não é apenas um ano que começa. É um parto colectivo de uma esperança adiada. Não é um ano que termina. É todo um somatório de tristezas e desilusões que, por artes mágicas, em colectivo se desvanece.

 

 Pensando bem não somos apenas nós que nos celebramos, vivos e produtores de vida. Esta festa junta gerações de tempos mais longínquos do que podemos imaginar. O fogo de artifício que ilumina hoje os ceús de todas  cidades do planeta foi criado pelos chineses há milhares de anos atrás. Muito antes dos mesmos chineses terem inventado a pólvora, pedaços de bambú eram, nas aldeias do Sul da China, atirados para as fogueiras e explodiam com um grande aparato. Em Maputo e em todas as cidades do mundo enchemos os céus com esse luminoso fogo que cruzou as fronteiras da geografia e do tempo. Esse fogo converteu-se num património nosso, de toda da humanidade. Mas pouco se fala da origem dessas súbitas luzes que nos fazem vibrar. Os ciosos nacionalistas de hoje, que se fecham em fortalezas contra aquilo que consideram “estrangeiro”, estão, sem o saber, a celebrar a inventividade de camponeses chineses que há mais de 2000 mil anos inventaram um modo ruídoso e colorido para afugentar os maus espíritos.

 

Ao partilharmos esta festa, como sendo de todos nós, estamos celebrando uma certa versão da História. Essa versão foi imposta sobre as outras versões,  com todo o desfile de violência e de negação de diversidade. Estamos reproduzindo a herança dos antigos romanos que celebravam o inicio de Janeiro, mês consagrado ao Deus Janus (de onde vem o vem o nome do primeiro mês do calendário gregoriano). Estamos a revisitar a chamada história universal. Que não foi nunca tão universal como parece. E nem sempre foi assim: durante a Idade Média, a Igreja Católica considerou o primeiro de Janeiro uma data pagã e preferiu marcar o Ano Novo no dia 25 de março, o chamado “Dia da Anunciação” que marca a aparição do arcanjo Gabriel à Virgem Maria.

 

No século XVI, o papa Gregório XIII introduziu o calendário gregoriano e o primeiro de janeiro foi reestabelecido como Ano Novo nos países católicos. A Inglaterra foi exceção na Europa e continuou a celebrar a passagem do ano no dia 25 de março até 1752. Finalmente, naquele ano, o Parlamento alinhou os britânicos com o resto da Europa.  Celebrarmos todos o princípio do Ano no primeiro de Janeiro é o resultado de um percurso, de uma história que deveria ser mais conhecida. Essa história daria razões adicionais para celebaramos melhor o quanto há de diversidade numa festa globalmente partilhada.

 

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