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segunda-feira, 27 dezembro 2021 13:44

Padre Giuseppe Frizzi: Antigo Combatente e Crónico Minador Namúlico Nipepense e Mauense

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Para este natal, irremediavelmente, não desfrutaremos do comovente e eloquente sermão do Padre Giuseppe Frizzi. Ele fez outras opções. Será o orador de honra  para uma outra plateia distinta, onde se encontra o Beato José Allamano, Beata Irene Stefani e outros de privilégios santificados,  calmarias abençoadas e eternas redenções e dos seus colegas combatentes crónicos Namúlicos: Franco Gioda e Francisco Lerma Martínez.

 

Nesta ausência anunciada de Padre Giuseppe Frizzi, sobram as lembranças, as memórias de um  irreverente pensamento filosófico, de um crítico linguístico e abnegado defensor da cultura Macua-xirima. A tríade Frizzi, Gioda e Lerma engajou-se para a personalidade cultural do povo Macua. Nas nossas preces, recordaremos das missões de Mitucué, Cuamba, e Maúa. Faremos uma noite de consoada, no seu centro de investigação Macua-Xirima, relendo o seu dicionário Xirima-português, a gramática de alfabetização, a antologia bilíngue da biosofia e biosfera xirima, e louvaremos o Senhor com os livros de Canto feitos por ele como Mavekelo ni Itxipo (Oração e Cantos). E contemplaremos a beleza da arte Macuana que nos conduz ao mistério da encarnação que ele, traduzindo o Evangelho de João “E o Verbo se fez carne” (João 1, 14), na língua Macua todos repetirão: “Muluku ahipaka Muthu”- num acto de memória e memorial que toda a criatura possa louvar a Deus em todo tempo e lugar.

 

Louvar a Deus sim, diz o Padre Frizzi, mas na sua própria identidade cultural. Onde o africano-Macua é Cristão sem deixar de ser africano Macua. Porque o espirito de Deus já se manifestou antes do missionário chegar naquela cultura africana-Macua. É nesta lógica dialógica que o padre Giuseppe Frizzi coloca-se na esteira de Justino, filósofo e mártir (Logos seminal), Karl Rahner (Os cristão anónimos), José Filipe Couto (a Salvação dos não Cristão) e Raimon Panikkar (O Cristo desconhecido do Induísmo). Por isso, para Frizzi, a missão é recolha e não é semear. Ser missionário é viver com o povo através do instrumento linguístico performativo é um autêntico agir comunicativo com a cultura. A cultura aprende-se, vive-se e precisa fazer-se parte integrante da cultura. É isto que o padre Frizzi foi. Tornou-se macua entre os macuas. Viveu macuano entre os macuas e valorizou a personalidade da cultura macua entre os macuas e para os macuas e de consequência para a humanidade inteira.

 

Frizzi foi Missionário da Consolata, muito ousado, engajado e sobretudo, soberbo amante da língua macua-xirima. Escreveu um dia que, em África, se perpetra a extinção de uma das espécies de fauna e flora, mas do ponto de vista antropológico seria, ainda, mais trágico constatar que se esta marginalizando e condenando à morte todo o capital das inúmeras línguas maternas, porque consideradas atraso de vida e inúteis, elas parecem significar um impedimento ou condicionante para uma entrada da localidade e oralidade na modernidade, como se essa globalização enfatizada, implicasse, necessariamente, a exclusão da localidade, da oralidade e de sua história.

 

O Doutor e investigador Giuseppe Frizzi pode não ter sido dos mais aclamados e famosos padres que chegou, viveu, trabalhou e seguiu para o encontro com o Senhor, em Moçambique. Porém, convenhamos, foi um dos que mais pesquisou, bebeu dos capitais antropológicos guardados na oralidade e converteu-se num militante e combatente consequente e apaixonado pela riqueza linguística e cultural dos macuas-xirimas. Nessa oralidade redescobriu expressões axiomáticas de quase todas as flexões macuanas existentes, Niassa, Nampula, Zambézia e Cabo Delgado. Pode-se afirmar, sem reticências, que G. Frizzi fez uma revolução copernicana à filosofia Africana com os seus conceitos de “Biosofia e biosfera Macua-xirima” para buscar os segmentos e fragmentos da mesma cultura africana-Macua Xirima, sem os próprios filósofos africanos aperceberem-se, pois introduziu um modo de filosofar no silêncio onde a dialéctica é dialógica e não a hodierna forma de filosofar que é uma autêntica dialéctica conflitual. E nesta forma, Frizzi coloca-se na linha traçada por Fabien Eboussi Boulaga, segundo a qual a filosofia africana deve ir além dos conflitos, e buscar a cultura africana como base para o próprio filosofar.

 

Giuseppe Frizzi, à semelhança de tantos outros missionários da Consolata, pregou e evangelizou esse distante e esquecido Niassa. De origem italiana, nascido a 14 de Maio de 1943, mas que nunca quis, sequer fazer alarido, era e identificava-se como moçambicano e falava, regra geral,  em macua com quem lhe cruzava o caminho e tornou-se Moçambicano, portanto, é Moçambicano. Entrou para o Instituto das Missões da Consolata em 1954, tendo sido ordenado sacerdote em Dezembro de 1969. Foram mais de 52 anos de serviço bíblico e, principalmente, de pesquisa da sua língua favorita o macua-xirima.

 

Dizia, com frequência, que os estrangeiros se enamoravam da língua macua, portanto, seria incompreensível que isto não acontecesse com os donos desta cultura e desta língua, que em sentido contrário assumiam, em muitos casos, uma atitude passiva e até de indiferença. Vivia preocupado e assombrado com o facto de quase todas as traduções, pesquisas etnográficas e etnológicas publicadas serem feitas, grosso modo, por missionários e missionárias, agentes pastorais da igreja. Isto, dizia, tinha um valor cultural imensurável, porém, sem sinais evidentes de continuidade destas pesquisas e estudos pelos donos da língua.

 

Em 1998, o Presidente Joaquim Chissano visitou o distrito de  Mauá, Niassa, e travou contacto com o Padre Giuseppe Frizzi, no coração do seu centro cultural e bibliotecário designado CIMX. Uma espécie de santuário de repositório de pesquisas que nunca publicou. Este centro realizava palestras, cursos, traduções e publicações em xirima. Não tardou para que o Presidente  constatasse que o Padre vivia em condições difíceis. Pareceria alheio ao essencial e ao conforto. Uma espécie de ser aculturado, que dormia numa esteira e tinha o mínimo de conforto. O padre explicou que ele adoptara aquele modelo de vida, desde que havia chegado a Moçambique, em 1972 depois de ter obtido o doutorado em Exegese Bíblica em Múnster - Westfália, Alemanha, mesma universidade onde doutorou-se o Padre José Filipe Couto em Teologia.

 

A sua preocupação, explicou ao Presidente Chissano, era que as igrejas mostravam uma sensibilidade linguística e pastoral bem superior que todos os empreendimentos do Estado juntos. Deveria ser o Estado que se deveria preocupar com a política linguística, com o ensino bilíngue e com a valorização do património linguístico de que o país era possuidor, porque para o Frizzi a língua é o veiculo cultural de identidade de uma cultura e de um povo. Em outras palavras, podemos dizer que Frizzi concorda com o filósofo Martin Heidegger quando diz que a língua é o pastor do ser, e com o antropólogo maliano Amadou Hampâté Bâ que afirma que a língua em África é criadora e a palavra recria a cultura dentro do processo histórico cultural.

 

Durante o período da guerra civil, e até a actualidade, afirmava que as publicações litúrgicas, catequéticas, bíblicas e científicas, além da sua específica tarefa, haviam sido responsáveis pelo trabalho de alfabetização de adultos, novamente, bem superiores aos empreendimentos das instituições públicas. Milhares de homens e mulheres haviam aprendido a ler e a escrever, a sua própria língua, e até em português, frequentando a catequese na língua local. Parecia uma utopia metodológica funcional.

 

Foi durante esta visita que ousou provar ao Presidente que não se deveria olhar para Moçambique artístico como limitado às esculturas Macondes, e um pouco mais. Existiam outras expressões artísticas e culturais como as esculturas e pinturas Macua-xirima, que embelezam igrejas, museus e habitações em Moçambique  e no estrangeiro. A sensibilidade artística xirima quer sob a perspectiva sintética, como simbólica e monumental, recordava o romântico medieval que conquistava os interessados pela arte. Mas, o valor mais importante residia nos provérbios que ele considerava como possuindo um valor de literatura oral, sapiencial e poética. Era, então, essa dignidade estética e consistente  da oralidade macua.

 

Com outros missionários no distrito de Mauá e, em particular, com o Padre Francisco Lerma, seu melhor amigo,  dedicou-se ao estudo da língua e da  cultura Macua-Xirima e criou o Centro de Investigação Macua-Xirima. Em 3 de Dezembro de 2009, a Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma conferiu-lhe o doutoramento honoris causa em Missionologia. Nesta ocasião falou sobre as ínguas ocidentais, comparando ao macua-xirima. Era o princípio de um teorema namúlico , em tonalidade feminina, matriarcal e nocturna lunar. Uma espécie de antropologia do domínio do masculino sobre o feminino. Para ele, era uma simbiose sinergética dos dois hemisférios antropológicos.

 

Por ser de uma cultura não sexista, esta língua tinha a possibilidade de apresentar uma proposta complementar a comum concepção do religioso e do teológico. Padre Frizzi participou no processo para a beatificação da Irmã Irene Stefani na apresentação do milagre: da multiplicação da água (1989), e que foi o motivo pelo qual a irmã foi beatificada. Padre Giuseppe Frizzi não foi jamais referenciado como milagreiro, porém, seus feitos, sem dúvidas, fizeram dele um dos maiores responsáveis pelos novos percursos e itinerários teológicos e linguísticos, não só possíveis, mas, também, imensamente desejáveis. Também nunca foi mencionado como filósofo, mas as suas obras contribuíram para a mudança do paradigma filosófico africano.

 

Para os Macuas o dogma é: Ninkhuma Onamúli! Onamúli Innotthikelawo! -Do Namúli viemos! Ao Namúli regressaremos! Portanto, o padre Giuseppe Frizzi encontra-se no Namúli onde sempre foi crónico e sempre desejava regressar ao Namúli sendo um Macua fiel.  E cada macua onde quer que ele se encontre deve saber que do Namúli viemos e ao Namúli regressaremos! Por isso, como ele, só podemos dizer : Pwiya relihani Africa! Amém Aleluia

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