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quinta-feira, 18 março 2021 09:46

A Corrida à Vacina do Povo

Hoje, Dia de Acção Global da Vacina do Povo, comemoramos um ano desde que nós, como família global, enfrentamos a pandemia da COVID-19.

 

·         Juntos, a humanidade compartilhou o trauma colectivo de administrar uma magnitude insondável de doença e morte em nosso meio. 

 

·         Juntos, em todos os cantos do globo, corajosos profissionais de saúde da linha da frente doaram sangue, suor e lágrimas para controlar a força maligna deste vírus. 

 

·         Juntos, navegámos nas mudanças para um mundo virtual e na ruptura dos meios de subsistência e modos de vida que isso gerou, bem como as novas demandas da vida doméstica que exigiam que cuidássemos uns dos outros, educássemos nossos filhos e nos conectássemos com os nossos entes queridos de maneiras antes inimagináveis.

 

·         Juntos, aplicamos o melhor das nossas mentes médicas e científicas, bem como todas as facetas da nossa infraestrutura de saúde pública, para produzir vacinas que salvam vidas, numa velocidade e escala sem precedentes. Especialistas de alto nível e cidadãos comuns corajosos estão lado a lado nessa luta, enquanto os testes clínicos vão atravessando aldeias na África do Sul e comunidades no Brasil para laboratórios na Bélgica e na Índia. Olha, estamos todos juntos no campo de batalha.

 

Ainda assim!

 

Começamos a ver rachas perigosas e malignas emergindo no seio da nossa unidade e as divisões de desigualdades socio-económicas se tornando ainda mais nítidas. A ruptura económica e social causada pela pandemia continua a ser devastadora: centenas de milhões de pessoas correm o risco de cair na pobreza extrema, enquanto o número de pessoas subnutridas, atualmente estimado em quase 690 milhões, pode subir mais 132 milhões até ao fim ano. A UNESCO revelou a terrível estatística de que cerca de 1,52 bilião de alunos estão fora da escola em todo o mundo e que quase 10 milhões de crianças podem nunca mais voltar à escola após o bloqueio do COVID-19.

 

Ninguém ficou ileso. E, portanto, ninguém deve ficar sem imunidade ao vírus e à graça da resiliência que a vacina traz consigo. É por isso mesmo que a vacina é um direito humano de todos. A equidade na vacina não é apenas uma questão de saúde pública, é uma questão de justiça social e de sobrevivência colectiva. 

 

Ninguém estará protegido contra COVID-19 até que todos estejam. Não haverá recuperação económica ou social para ninguém, em nenhum País, a menos que priorizemos uma recuperação global igualitária da saúde. 

 

As vidas humanas são iguais em valor, não importa a lotaria geográfica do local de nascimento. Todos, repito - todos! Cada ser humano, não importa onde viva no mundo - precisa e merece acesso a vacinas que salvam vidas.

 

O nacionalismo em volta da vacina é uma catástrofe moral. A história nos julgará com severidade se não empregarmos todos os recursos à nossa disposição e alargarmos os limites da nossa imaginação para garantir que as vacinas estejam nos braços de quem precisa, de Maputo à Cidade do México e à Mumbai.

 

·         Uma renúncia da Organização Mundial do Comércio (OMC) à proteção de propriedade intelectual para produtos médicos relacionados ao COVID é imprescindível.

 

·         As empresas farmacêuticas devem entender que as vacinas são um bem comum e não uma mercadoria apenas para o seu lucro. Exorto-os a ouvir o clamor mundial por preços sem fins lucrativos das doses de vacina e de outras ferramentas da COVID-19 durante a pandemia.

 

·         Não podemos operar como habitualmente o fazemos. Temos que normalizar as práticas comerciais incomuns - aumentar a capacidade de fabrico, compartilhar a propriedade intelectual e licenciar vacinas para outras empresas maximizarem o abastecimento.

 

·         Governos, sector privado, multilaterais e filantropos precisam se unir para aumentar a solidariedade e aumentar o financiamento da COVAX.

 

·         E a COVAX deve fornecer informações oportunas e transparentes aos Países destinatários sobre os preços, bem como o fornecimento esperado e cronogramas de entrega.

 

Uma catástrofe moral não deveria acontecer. Devemos actuar com responsabilidade colectiva e solidariedade como uma família humana para garantir que cada um de nós possa receber a vacina contra COVID-19. Não ousemos negar a nós próprios e às gerações vindouras a dignidade de uma vida saudável e de uma vitória sobre a COVID-19.

 

 

 

 

Que  o país precisa de reconciliação  é um dado adquirido e também, é um dado adquirido  de que existe uma gama de perspectivas sobre a reconciliação, em particular sobre o ponto de partida para o efeito. De onde partir? Eis a questão. Isto a propósito de uma intervenção recente do presidente da Renamo na qual defende a criação de uma comissão para a reconciliação nacional como instrumento crucial  para uma paz efectiva.

 

Na fala do presidente da Renamo subentende-se que ele circunscreve a reconciliação na esfera dos 16 anos de guerra travados entre o seu partido, então movimento de guerrilha, e o então regime marxista-leninista dirigido pelo partido Frelimo.  A priori, um  ponto de partida para a reconciliação, e também (mais) um assunto exclusivo  entre os dois protagonistas-mor da história recente na decisão sobre os destinos da governação do país: a dupla Frelimo/Governo-Renamo. Por outro lado, há quem defenda um outro ponto de partida que -  embora fora dos  “direitos de exclusividade” da dupla citada - é bem anterior e com várias nuances, incluindo a dos 16 anos, e que decorre, por coincidência,  de outros (e genuínos) “direitos de exclusividade”  na governação de Moçambique independente e ao que parece, a  sina da governação na Pérola do Índico.

 

A meu ver, é por aqui (“direitos de exclusividade”), um outro ponto (e prévio) de partida para a reconciliação nacional: o da guerra contra os “direitos de exclusividade” na governação do país. E aqui tomo, para fechar, a proposta  do presidente da Renamo como parte, e que urge,  de um  debate sobre a reconciliação nacional. De toda a maneira:  Alea jacta est!

quarta-feira, 17 março 2021 09:22

Dos tomates resilientes de Juma Aiuba

Poucos minutos depois que o corpo de seu marido foi engolido pela terra, a viúva de Juma Aiuba recebeu uma chamada de uma figura de Maputo, sugerindo a publicação imediata das crônicas do autor editadas na “Carta”. Ela ainda mergulhada no pranto e alguém já lhe propondo um “negócio”, na boa maneira selvática do capitalismo intramuros. A mulher não respondeu ao visado. Delegou um amigo da família, que privou com Juma. O amigo perguntou ao visado se vinha por intermédio da “Carta”, se tinha falado com o Marcelo Mosse. O visado não respondeu e desapareceu de cena.

 

O amigo do Juma ligou-me no dia seguinte a dar-me conta desse ataque de rapina. Estava agastado. Sabia da relação cordial entre Juma e a “Carta”. E sabia que Juma era pago por suas publicações na “Carta”, e que uma vez falou-lhe sobre a iniciativa da edição de um livro.

 

Nesse dia o amigo Juma perguntou-me sobre o livro, e eu nem conseguia falar doutra coisa senão da perda de um homem recto que abraçou o projecto da sem reticências. No espírito e na letra. “Deixa isso para depois”, retorqui. E até hoje ainda não tivemos vagar para mexer os pauzinhos dessa tão esperada edição livreira.

 

Com o Juma falávamos sobre o assunto. Seis meses depois da “Carta” ter nascido, a atração popular por sua escrita estava sedimentada. Uma empresa robusta abordou-nos, oferecendo patrocínio. Pensamos que podíamos ter um livro logo na celebração do primeiro ano da “Carta”, mas perdemos-nos nos afazeres do dia-a-dia. Essa empresa continua disponível. Nossa pressa nunca foi grande!

 

Dois meses antes da partida do Juma, um amigo meu noutras andanças pediu-me o contacto do Juma, encarecidamente. Toma! Dias depois ligou-me o cronista, a revelar-me: esse meu amigo estava lhe propondo a edição das crônicas. Eu disse ao Juma que havia empresas robustas, moçambicanas, que patrocinariam seu livro sem interesse lucrativo. Ele concordou. E recordei-lhe de uma coisa: quando a crise da pandemia começou a sufocar a tesouraria da “Carta”, uma empresa dignou-se, sem pestanejar, a pagar-lhe a avença, tendo até subido o bolo.

 

O título deste texto decorre, no entanto, de outro episódio, contado pelo amigo do Juma. O cronista, segredou-me o amigo, tinha um grande apreço pela “Carta”, que vezes sem conta fora aliciado por outras publicações para deixar a “Carta” mas ele manteve-se fiel, comprometido, resiliente, mostrando que tinha os tomates no lugar e que não era aliciado por tuta e meia. (Marcelo Mosse)

Infelizmente, repito: infelizmente mesmo, a luta pelo bolo que estamos a assistir na RENAMO em Nacala-Porto não é novidade nenhuma. Infelizmente! Afinal de contas, todo aquele teatro que os partidos políticos têm-nos proporcionado, aqui neste pedaço de terra com apelido de jóia, não é nada mais nada menos do que uma corrida ao bufê mahala. Infelizmente!

 

O azar da RENAMO foi os convidados terem insultado o garçom e o "di-djei" ter gravado e publicado a discussão. Coisas de caloiros. Falta de experiência. Normalmente essas coisas não se discutem nem antes nem depois da festa. Esse "modus faciendi" já vem nos estatutos do grupo.

 

Noutros partidos uns já se servem das fatias antes mesmo do bolo sair do forno e antes mesmo do cozinheiro aprovar. As vezes, milagrosamente, quando o bolo sai massudo ou queimado, aqueles que não comeram um grão sequer é que ficam com as dores de barriga e com as disenterias. Passam a vida a pagar por um prato que não degustaram e nem conhecem o preço.

 

Na tentativa de proteger o bolo e distribuí-lo à mais gente, em fatias iguais, Amurane pagou com a sua vida. Desentendeu-se com os "donos da festa" e alguém enfiou-lhe chumbo no peito. Infelizmente!

 

Raul Novinte, o edil recém-eleito de Nacala-Porto, está entre a espada e a parede. Na verdade, ele não terá outra alternativa senão aceitar mercenários e paraquedistas no seu governo.

 

Não sei por que é que o Novinte está a espernear tanto, se ele próprio sabe muito bem que acabará por entregar a confiança do povo de Maiaia de bandeja às aves de rapina do seu partido.

 

Infelizmente, é assim em todos os partidos. Partido é uma forma de roubo. O voto é apenas uma forma de legitimar o golpe. É a licença da actividade.

 

Prontos, que comece o assalto, então!

 

*Desde a primeira edição de Carta, em 22 de Novembro de 2018, o cronista Juma Aiuba impregnava nestas páginas o doce sabor da sua escrita. Sua morte abrupta foi um tremendo golpe. Para tentar manter sua voz viva, Carta decidiu reeditar semanalmente uma das suas crónicas. Seu perfume permanecerá vivo!

 

- Co'licença!

 

Publicado em 27-11-2018

 

Este espaço é oferecido pela:  

   

No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.

As Organizações da Sociedade Civil (OSC) em Moçambique são relativamente novas e as suas primeiras aparições e intervenções datam dos primórdios dos anos 1990. Paulatinamente o seu escopo foi se alargando e sua influência se estendendo para áreas relevantes e demandadas a nível da sociedade. E quanto mais elas foram crescendo e ampliando seu raio de influência, mais problemática e discutida foi ficando a sua aceitação. Elas vem reclamando por mais espaço de actuação e, paradoxalmente tal espaço lhes é progressivamente negado.

 

O espaço cívico é entendido como um espaço onde todos indivíduos/ cidadãos  da polis realizam livremente os seus desígnios, um espaço do rendezvous geracional de ideias e pensamentos. É um espaço que simboliza os valores mais altos da democracia, dos direitos humanos e sugere igualmente a materialização dos contratos social e político que celebramos uns com os outros.

 

Alguma literatura explica a natureza naturalmente social do homem – traço distintivo dos outros animais (Onde está o homem, há sociedade; Onde está a sociedade, existe o Direito). Recorrendo a clássica definição Aristotélica, o homem é um animal eminentemente político e busca sua realização dentro da sociedade. Na mesma sociedade ele associa-se umas vezes e desassocia-se outras vezes, construindo formas de associação que melhor respondem aos seus anseios sem no entanto perder a sua sociabilidade e politicidade. Aqui podemos por analogia buscar a hierarquização social e política, e consequente legitimidade de certos grupos dentro da sociedade, entendendo como algo natural derivado das habilidades inatas ou adquiridas e talentos, e não como algo divino.

 

Com a geração contratualista, a reflexão maior gira em torno da reflexão da saída do homem do estado de natureza para a sociedade civil. A natureza humana começa a ser discutida filosófica, sociológica e antropologicamente para tentar explicar o comportamento do homem dentro e fora da sociedade – De Jean Jacques Rousseau, passando por John Locke  e o Barão de Montesquieu encontramos abordagens distintas e igualmente ricas sobre o contrato social implícito onde cidadãos livres movidos pelo medo da morte violenta, insegurança e pela desconfiança mútua aderem ao estado social e civil por via de um contrato implícito e por vezes explícito. Mais tarde, vendo suas liberdades pouco seguras e receando a traição e não cumprimento de acordos aderem ao pacto social por meio da outorga das suas liberdades, dos seus direitos e cumprindo com deveres. A figura e imagem do soberano emerge como resultado deste contrato social e político. Francisco Soares (1548-1617) afirma que “não foi conferido ao homem o poderio político  sobre seus pares, de modo que esse domínio não haveria de ter fundamento diverso do consenso, através do qual a multidão se reúne em um só “corpus politicum” (Del Vecchio, 1979:84)

 

Numa fase mais avançada, com o esplendor das leis em Montesquieu no seu “O Espírito das Leis”, a sociedade dá um passo qualitativo e regulamenta a sua acção criando bases legais para a regulamentação dos comportamentos e acções, criando um corpus politicum  com competências separadas – nasce assim o Estado de Direito com bases da separação de efectiva de poderes (os três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judicial).

 

Um pouco por todo o mundo o espaço cívico vem sofrendo sucessivas e progressivas ameaças e atentados que paulatinamente contribuem para o seu fechamento e deterioração. Este fenómeno não é novo e tampouco isolado, e é mais visível em países com regimes com tendências autoritárias e ditatoriais. As Organizações da Sociedade Civil, admiradas por uns e odiadas por outros, são também consideradas como sendo o braço de apoio à governação, vem travando uma luta para a edificação de uma sociedade mais justa, mais participativa, mais transparente e mais inclusiva. E dada a sua alta exposição em eventos e acções por vezes confundidas como sendo apanágio único do executivo e do poder do dia, sua legitimidade e mandato acabam por ser questionadas, e suas acções as vezes combatidas.  

 

É meu entender que, a governação é uma vasta área e que espaço cívico é apanágio de todos e de cada um de nós, por isso, defendo afincada e desapaixonadamente neste artigo que, para que  ele seja aberto e que represente o reencontro dos ideais supremos da democracia e do Estado de Direito é necessária uma maior aceitação de actores e players que muito podem contribuir na vastidão da acção de governação.

 

Estudos recentes sugeriram a possibilidade de ocorrência de dois eventos nefastos a médio prazo: o primeiro era a então incipiente flagelação das OSC e o segundo eram os ataques públicos (desde físicos aos verbais) aos representantes e membros das OSC, e tal se efectivou e vem se consubstanciando.  

 

O afunilamento e fechamento do espaço cívico em Moçambique começou a ganhar corpo e foi se cimentando paulatinamente nas duas últimas décadas (sendo que cada década caracterizou-se por distintas acções de governação). Ataques, raptos, ameaças e assassinatos geraram uma grande onda de consternação entre as diferentes franjas da sociedade a nível nacional e internacional. O medo generalizou e muitos analistas e activistas enfrentaram a desacreditação do seu trabalho através da criação e difusão de narrativas depreciativas. Este exercício paulatino e sistemático de desacreditação primeiro silenciosa e depois barulhenta contra as OSC e seus membros lançou um debate sobre a relevância e irrelevância das organizações da sociedade civil, sobre a sua legitimidade, sobre o seu mandato, e sobre o seu raio de actuação, ou seja, a quem elas realmente servem e quem as empoderou.

 

As narrativas contra a sociedade civil são uma arma muito perigosa e eficaz, principalmente em sociedades como a nossa com níveis de educação baixos e uma crítica pouco ou nada elaborada. Não estamos diante de um fenómeno isolado em Moçambique, mas diante de uma estratégia usada em várias partes do mundo.

 

A dificuldade em lidar com ideias e posições diferentes faz com que uns se sintam mais donos da verdade e donos da razão que os outros. A vontade de fazer vingar determinadas ideias em detrimento das outras, cria fricções e atritos. E nisto emerge uma negatividade baseada no ódio e na violência gratuita

 

Mais de 45 anos após a conquista da independência, os fantasmas do passado nos perseguem e, devido a intolerância de uns e não pluralismo de outros, corremos o risco repetir a história mas com contornos e actores diferentes.

 

Amartya Sen no seu livro “Desenvolvimento como Liberdade” afirma inequivocamente que a condição primária para o desenvolvimento é a existência de liberdades. E mais adiante desenvolve a abordagem das capacidades, onde a chamada “liberdade negativa” (ausência de impedimentos) é contraposta à “liberdade positiva”  (condições reais de exercício de um direito). E aqui nesta positivação das condições reais, entendo que devemos como sociedade promover mais as liberdades políticas, económicas, sociais, as garantias da transparência e a proteção da segurança. Assim daremos um passo qualitativo rumo a uma maior edificação de um Estado, instituições credíveis e livres de amarras ideológicas.

 

POR: Hélio Guiliche (Filósofo)

É inaceitável que nem Portugal nem a UE consigam fazer pressão suficiente para que o Governo moçambicano, incapaz e alheio ao sofrimento da população, tome medidas eficazes.