Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

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quinta-feira, 25 fevereiro 2021 09:48

CO’LICENÇA!

Já nos tinhas acostumado
Co’licença quase todos dias ouvir e ler!

 

Eram teus talentosos dedos de Escriba de qualidade
Que rápidas e acertadas ejaculações pensantes desenhavam
E à Carta de Moçambique profundas análises encaminhava
As quais em nossos smartphones desembarcavam.

 

Já sabíamos que quando ecoasse o Co’licença
Os factos e eventos seriam, ainda que de humor misturados,
Sem subornos, repletos de mais nobres verdades
E de sabor literário escasso na Pérola do Índico, temperados.

 

Ó nobre Escriba,
Aos seus atenciosos ouvidos
Nada se passava despercebido:
Desde esquemas das batatas descartadas no mercado Zimpeto
Aos malabarismos dos repolhos que cabeceiam os tomates do corajoso médico
Tudo merecia sua cautelosa e atenção minuciosamente dobrada!

 

Ó nobre Escriba,
Seus dedos ousadamente descreviam
Aquilo que os tubarões a todo custo tentavam esconder
Debaixo do tapete das águas que escorrem dos seus escritórios

 

Confesso que a gente não estava preparado
Como se nunca esteve diante deste substantivo detestado
Ó morte, até quando serás a resposta por todos indesejada?

 

Quando nos chegou o som do bater das portas
Ouviu-se um Co’licença que não teve resposta imediata
E nesse intervalo de vai e vem, de buscas e consultas
Abrandava aos poucos, silenciosamente
Uma voz que ao mundo bramava audaciosamente
Fazendo jus à liberdade de manifestação e de expressão literária
Em beneplácito da racionalização e da prevalência da justa verdade!

 

Co’licença!
Foi a última vez que a porta soou...
Não a de uma entrada terrena feita de portas de madeira
Eram, na verdade, comportas do além que lentamente se abriam
Para receber um dos mais exímios Escribas de uma terra abandonada e em chamas
Cujo incêndio e desleixo, o Escriba, diariamente arrostava para seus corolários reduzir!

 

Co’licença!
Desta vez, quando a voz soou
Carregava consigo um adeus tristonho
Pois, certamente, muitos dos seus sonhos
Seus esperançosos olhos não puderam contemplar

 

Ademais,
O nobre Escriba parte na certeza de que a juventude,
Aquela que caminha entorpecida e txilladamente adormecida,
Fará o transplante da chama da sua vigorosa veia pensante
Definindo caminhos e alternativas de resposta acertadas
Para travar desafios que aos seus pares atormentam
E conduzir a Pérola do Índico ao porto desejado
Onde prevaleçam o mérito, a verdade, a coesão e justiça social!

 

Ó nobre Escriba,
Co’licença!

 

Jota de JESUS - Janato

quarta-feira, 24 fevereiro 2021 14:43

Juma Aiuba era um exímio cronista

Vai fazer falta a ironia, a irreverência (mesmo que, por vezes, tida como impúdica) deste exímio cronista. Juma Aiuba cumpriu com coragem uma missão espinhosa: criticar a hipocrisia viciada de muitos dos nossos costumes. A sua escrita foi uma contundente caricatura de alguns funcionários da maledicência que foram pagos e promovidos para inventar ódios e diabolizar os que têm a ousadia de pensar diferente.

Mia Couto

quarta-feira, 24 fevereiro 2021 10:48

A morte

Onde buscar forças quando a morte bate à porta?

É tão chocante dizer adeus, quando a morte nos tira do mundo dos vivos!

Lágrimas regam a alma do finado, mas o seu silêncio ainda atrometa;

A morte! Alimenta a terra com corpos que em vida eram valiosos;

 

Ninguém trava a morte! A vida é alegre, mas a morte traz o desespero;

A morte rima com a dor;

Quando ela chega,  o amor morre!

Ninguém merece morrer, quando o ar que respiramos ainda nos procura…

 

Choro e remorso, dois aliados da morte;

Tanto corremos na vida que quando tombamos,

nada levamos…

porque em vida alimentamos diferenças?

Se quando chega à hora da morte, ninguém é diferente?

 

Onde buscar forças para alimentar a chama da vida quando um ente querido se vai…

Se o sofrimento que a morte trás nos torna incapaz de aguentar…

O tamanho das lembranças e vivências alegres e inesquecíveis…

 

Ah! Com a morte, ficam as lembranças e memórias tristes e alegres;

Morrer é deixar de existir fisicamente;

É abandonar involuntariamente a terra dos vivos…

É um recomeço de uma nova fase no além…

Viver vai além da morte,

É como dizia Epicuro, porque temer a morte, se "quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte,  não existimos mais…"

 

Morrer é o oposto de viver…

É o fim do existir;

É um recomeçar;

É o momento de ser lembrado pelo lado bom do viver!

 

Morrer é o fim e o início da contagem da nossa história…

 

Omardine Omar – A morte – Maputo, 2021. 

Quando fundamos a Carta era preciso encontrar  cronistas que complemetassem nosso noticiário. De preferência uma voz nova, desamarrada das agruras da política, independente e armada de bom verbo e do poder voraz do sarcasmo. Juma AIUBA já escrevia no Facebook e tinha uma ninhada considerável de seguidores. Foi escolhido a dedo. De Quelimane, ele escrevia para o país, pintando de humor os actos da política quotidiana, descascando as mentiras, denunciando incongruências e esmiuçando a avareza. Ao aceitar escrever na Carta, não era o jornal que lhe estava a dar a boleia da exposição mediática.

 

segunda-feira, 22 fevereiro 2021 10:10

A telenovela da expulsão de Tom Bowker

“We do not care how, just kick him out of the country…”, que numa tradução directa equivale a "não nos interessa como, apenas expulsem-no do País...!", foi o processo que tirou, aos rastos, o jornalista Tom do País. Segue o processo em forma de telenovela, pois só assim se pode relatar esse acontecimento que contou com diversos actores e cenários.

 

“We do not care how, just kick him out of the country…” foi assim que o Concílio de Maputo, composto por anciãos e sábios do País, determinou e seduziu as belas instituições governamentais a apressar um expediente nebuloso contra um escriba estrangeiro que já tinha raízes no solo nacional; ele incomodava as elites nos corredores diplomáticos, nas salas dos mercados e na corda dos investimentos. O desconforto surgiu, pois o homem e o órgão de comunicação social que representava mostravam uma cara de um Moçambique que pouco se conhecia.

 

- O problema é a língua que ele utiliza, incomoda-nos e a traz-nos prejuízos avultados; os outros até são mais agressivos e assertivos, mas escrevem em Português; uma língua que não é predominante em nossos negócios e nem os nossos principais parceiros de cooperação usam-na. Esses que nos abatem com o Português são pouco lidos lá fora. Esse estrangeiro com o seu Inglês nunca nos dá um minuto de sossego: Cabo Delgado aqui, Cabo Delgado acolá, Cabo Delgado isso e aquilo. Até tem um projecto, Cabo Ligado, que dizem estar a receber uns dólares mensalmente. Resolvam-nos isso, já!

 

- Mas chefe, o homem tem tudo organizado; o DIRE em dia e outros documentos legais segundo a nossa Lei.

 

- Não nos interessa, arranjem uma maneira e mandem-lhe embora deste País, nós é que libertamos e dirigimos isso. Ele não pode atrapalhar os nossos negócios.

 

- Excia, os jornalistas, activistas e organizações internacionais vão atirar-se para cima de nós e vão colocar-nos no lugar de um regime autoritário que constantemente ataca a liberdade de imprensa; isto vai linchar ainda mais a imagem do País em tudo que é relatório sobre democracia, liberdades ou direitos humanos.

 

– Isto sabemos… Estes sempre falam e o que acontece nunca chega ao público, apenas nós do Concílio é que ficamos com a informação.

 

- Vocês sabem como nós contornamos todos os escândalos neste País? Isto é de menos, pah! Estes todos vão falar nisso dois ou três dias e depois vai ser mais um caso como os outros. Não se preocupem com isso. Apenas expulsem-no. Porque já temos Savanas, Canais, Cartas, Magazines, CDD's, CIP's e outros que constantemente expõem-nos; agora vem esse estrangeiro, faz parceria com organizações da África do Sul e dos Estados Unidos de América e começa a expor todos os dias o nosso País? Guerra em Cabo Delgado, guerra em Cabo Delgado; como se o País todo estivesse em guerra, isso não podemos tolerar, “kick him out of the country...!"

 

- Chefe! Os impostos que a empresa paga e os trabalhadores de nacionalidade moçambicana que colaboram na empresa dele, como ficarão?

 

- Amigo! Tantas perguntas para quê? Nós já decidimos e vocês só têm de executar…

 

– Mas chefe…, o problema são os relatórios de organizações que vão manchar o País.

 

– Senhor! Já te disse que isto não nos interessa! Tu sabes, quantos moçambicanos já foram injustiçados para que certas coisas neste País caminhassem? Não te preocupes com eles, vão se virar. Resolvam este expediente.

 

- Desculpa Excia, mas não podemos fazer de outra forma? Como assim? Dar um susto nele ou na família dele para ver se muda! Ou mesmo acusar-lhe de um crime qualquer para ver se fica intimidado, como fizemos com os outros. Como o que aconteceu ao Amade Abubacar, Germano Adriano, Matias de Jesus, Fernando Veloso ou Omardine Omar… ou mesmo chefe, podemos levar o tipo para um "passeio turístico" pela cidade durante um dia inteiro ou mesmo no Chiango, conhecer um pouco, o "sabor do nosso bastão" ou até visitar a casa dele como fizemos a Nuvunga, Cortez, Mimbire e outros. São apenas ideias, Excia! "Em nome da nossa boa reputação".

 

- Amigo! Para os que foram nascidos aqui optamos por essas vias. São nossos assuntos internos e estamos a monitorá-los da nossa maneira. Em relação a este expediente, nós já mandamos vários avisos para este homem. Nossos homens da secreta foram para lá, aconselharam o homem e alguns colaboradores dele confiados que não estávamos a gostar, mas se quiseram fazer de irreverentes. Sentiam-se intocáveis porque a embaixada do seu País ia defendê-los, o MISA ou as organizações internacionais.

 

- Vamos vasculhar o homem, aquilo que encontraremos de mau, iremos usar imediatamente.

 

– Não precisa, jovem! Já temos o expediente todo, chamem-no e digam-no que não estamos a achar o registo da sua empresa, pelo que teremos que lhe retirar a acreditação de correspondente.

 

– Mas Excia, em relação a este aspecto sabe que a nossa Lei não fala de registo de websites ou blogs?

 

- Amigo, isso não nos interessa, eles não se dizem um órgão de comunicação social? Então, actuam o homem; se conseguirem podem expulsá-lo ainda hoje.

 

- Está bem Excia! Ordem dada, ordem cumprida…

 

Minutos depois

 

- Tom, bom dia, tudo bem? 

 

- Estou bem. A que devo a honra de receber a chamada da ilustríssima?

 

- Temos um assunto muito sério a tratar. Venha amanhã ao nosso escritório às 08 horas.

 

Dia seguinte

 

- Tom, não estamos a achar o registo da tua empresa aqui em Moçambique e nem no website aparece esta informação, pelo que teremos de te retirar o Cartão de Jornalista que te atribuímos.

 

–  Como? Tudo está em dia. Para além disso, no meu país de origem os órgãos de comunicação social não precisam destes todos elementos para funcionarem.

 

- Lá não é como aqui, já decidimos! Esperamos que nos facultes, agora, o cartão e tens dias para abandonar o País; dirija-se à Migração que eles querem falar consigo.

 

E o jornalista foi aos serviços de migração da cidade de Maputo sem nenhum documento. E chegado lá:

 

- O senhor é o tal do Tom de que tanto se fala…! Humm! Deves abandonar o País.

 

– Mas que mal fiz? O que há afinal?

 

- São ordens superiores e nós estamos apenas a executá-las.

 

- Vou recorrer porque esta é uma decisão ilegal e sem nenhum fundamento

 

– Senhor, o Concílio já decidiu e se insistires em ficar e desafiar-nos vamos mandar oficiais para a tua casa e serás arrastado como um ilegal. E terás um bónus: 10 anos sem pisar este País.

segunda-feira, 22 fevereiro 2021 07:38

Perdão à solta

Eu ainda não sabia da notícia sobre o perdão concedido pelo Presidente da República (PR) aos dois  jovens acusados e detidos pela polícia, ora em liberdade,  por  terem injuriado o próprio PR, recebi a chamada do guarda de um meu pedaço de terra  algures neste país.  A partida pensara que fosse o habitual das chamadas – que a comida dos cães  já era - mas o teor foi outro e bem audível: “Meu patrão está perdoado!”. Logo que perguntei a razão do perdão a linha caiu.  Insisti e nada. Por que cargas de águas eu fora perdoado? Eis a questão. 
 
O perdão fora-me concedido no final da tarde e  dormi preocupado em saber a razão.  Na manhã seguinte, mal  o sol despontara, liguei para o guarda afim de saber dos cães. Na verdade era do perdão que eu queria saber. Depois do papo habitual de perguntas e respostas, e “como quem não quer nada”,  aproveitei e perguntei sobre o pedrão recebido. A resposta:  “Afinal o patrão não acompanha as notícias?”. Em seguida, e perante o meu espanto (silêncio), o guarda continuou com o seu ar interrogativo: “Patrão não viu as notícias? O PR perdoou aqueles que o insultaram”.  Por acaso,  pouco antes de dormir, acompanhara tal  notícia e não estabelecera nenhuma ligação entre as duas clemências. 
 
- E daí? Pergunto.  
 
- Patrão humilha-me muito sempre que vem com as suas amigas.
 
- Não entendi…
 
- É isso mesmo patrão. Patrão diz sempre a elas que eu roubo material, que eu sou preguiçoso, isto, isto, isto e que por isso o patrão  ainda não acabou de construir a dependência.
 
-mais…
 
- Vamos deixar patrão. Nem vou falar de outras humilhações. Eu já perdoei patrão, assim como o PR  também perdoou o patrão dele. 
 
(silêncio) 
 
- Se o patrão quiser pode pedir desculpas e prometer que vai falar com outros patrões para pautarem por um bom comportamento.  
 
Um mau jeito no telemóvel, este cai e na hora toca o despertador. Eram 05H45. Relembro o sonho e não faço ideia do desfecho da conversa. Contudo, por enquanto, e para fechar, se o leitor esteve comigo até aqui e tem um patrão,  aproveite e comece bem a semana: perdoa-o!. Sim. É isso mesmo: não precisa que ele tenha feito algo de mal.  
 
PS1: Esta de “perdão à solta” lembra-me a estória de um jovem que chega à casa e diante do pai  diz que se vai casar. E o pai, de forma insistente -  tal era a estupefacção do filho - pede-lhe que diga, e do nada: “Peço desculpas”. Vendo que o pai estava irredutível, o filho  fez-lhe a vontade: “Peço desculpas!”.  E o pai, já aliviado, diz: “Agora sim meu filho, estás preparado para a vida de casado”. 
 
PS2: Nesta onda de “perdão à solta” não me admira que por estes dias,  o demissionário Hélder Martins ( ) seja obsequiado por um perdão presidencial.