A recente indicação do Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE) para a tomada dos comandos de gestão directa da operadora telefónica Moçambique Telecom (TMCEL) lembra, pouco depois da independência, uma visita do Zeca Ruço ao Banco de Moçambique para inspecionar a caixa forte.
É do conhecimento que o IGEPE é o gestor das participações financeiras do Estado, assegurando as boas práticas de gestão e a assistência técnica necessária ao denominado sector empresarial do Estado.
A TMCEL é uma das empresas participadas pelo IGEPE. A TMCEL, fusão da TDM e a MCel, já teve os seus tempos áureos e hoje a passar por maus momentos a ponto de ser intervencionada e sob gestão directa do IGEPE. Na verdade, e caricato, o IGEPE não passa de uma entidade que também representa os grandes devedores da TMCEL, responsáveis, em parte, pela actual situação caótica da empresa.
O Banco de Moçambique é o Banco central do país e teve como seu primeiro Vice-governador o advogado Carlos Adrião Rodrigues, um conhecido advogado da praça colonial, chamado para esta crónica a propósito da citação ao Zeca Ruço.
O Zeca Ruço foi um famigerado fora-da-lei que nos finais da colonização aterrorizava a então Lourenço Marques e arredores e com alguma passagem pela África do Sul. Depois da independência fez parte dos quadros da segurança do Estado na sua qualidade de inspector da PIC, Polícia de Investigação Criminal.
Adrião Rodrigues, conta numa crónica das suas memórias como Vice-governador do Banco de Moçambique de que o Zeca Ruço esteve no Banco a solicitar que inspecionasse a caixa forte. Porque o conhecia de outras lides, Adrião recusou tal pretensão. Contudo, por outra diligência, conforme conta Adrião na referida crónica, Zeca Ruço chegara a fazer a tal inspecção a caixa forte do Banco.
Deste episódio, em que um famigerado fora-da-lei visita formalmente a caixa forte do Banco central, ressalta-me a recente intervenção do IGEPE na TMCEL, ou seja: o próprio devedor ou representante dos devedores a tomar as rédeas do credor/TMCEL. Se a moda pega, teremos os bancos comerciais a confiar a gestão aos seus maiores devedores afim destes recuperarem a própria dívida que devem ao Banco.
Seja o que for, e para terminar, espero que esta passagem do IGEPE pela TMCEL seja tal como fora a do Zeca Ruço pela caixa forte do Banco de Moçambique: felizmente sem consequências para as divisas e ouro que naquele momento estavam na caixa forte do Banco de Moçambique.
Há umas semanas, visitei o Salomão Moiane na sua propriedade em Taninga, a seu convite. O pretexto foi o canhu. Foi um meio dia inteiro de “papo e canhu”, das 11 da manhã até 19:30. Um dos momentos foi a passagem em revista do encontro profissional (mas não só) entre nós.
O nosso cruzamento dá-se no semanário Domingo, no distante ano de 1988! Entramos mais ou menos na mesma altura. Ambos vindos do… jornal Notícias! Ele entrara no Notícias vindo da AIM, onde trabalhou longos anos. Já era jornalista sênior e eu principiante.
Em 1988, o Domingo conheceu uma profunda “revolução”. Durante muitos anos, tinha um quadro editorial muito magro: Atanásio Dimas (Deus o tenha), como chefe; Augusto de Jesus, Albano Naroromele (Deus o tenha), Lourenço Jossias e Almiro Santos, como efectivos. O resto eram colaboradores. Basicamente, o jornal vivia de colaborações. Nesse ano, vê o seu quadro editorial reforçado, um pouco ampliado. Passou a contar mais com o Salomão Moiane, o Orlando Muchanga, Moisés Mabunda, pouco depois, com o Bento Baloi e… a equipa ficou bem forte!
E ali passou a haver uma grande competição profissional. Boa competição. Cada um procurava trazer a sua melhor reportagem. E isso era estimulado por um prêmio que a empresa tinha instituído: a melhor reportagem do mês era premiada monetariamente. Competimos, reportagem por reportagem; argumento por argumento. Aquilo era profissionalismo. Só tocava a viola quem tivesse unhas. E nisto trouxemos histórias e histórias do Moçambique real. O jornal teve mais vida.
Mas o “dream team” não duraria muito… o Dimas iria para a Presidência como adido, o Naroromele iria estudar a tempo inteiro, o Augusto de Jesus iria para o Zimbabwe. E dois, três anos depois, o próprio Moiane e o Lourenço Jossias deixariam o semanário. Foram uns cerca de quatro anitos intensíssimos… também porque o país estava a fermentar com a busca do fim da guerra dos 16 anos. Nalgum momento, neste período, o semanário Domingo chegou a ser um dos melhores jornais do país.
Mas ali cimentou-se também uma relação de alguma familiaridade, empatia e simpatia, de tal sorte que podemos cada um de nós estarmos onde estivermos, sempre procuramos saber um do outro. Ficou a irmandade entre nós - Salomão Moiane incluído!
Mas este texto nem é sobre o semanário Domingo, ou sobre o Salomão Moiane! É sobre o José Catorze!… Só os jornalistas mais antigos saberão quem é/foi este jornalista, grande cronista! Nos últimos tempos, 1987, 88, 89… por aí, assinava uma rubrica com o título”veredas”, onde passavam algumas das melhores crónicas que este país possui. Certa vez, viajou para na altura União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e ficou lá três meses. As crónicas que produziu foram o melhor material que me ajudou a compreender a perestroika e glasnot!
Vou parar no Domingo graças a José Catorze, que era, então, o director-geral das Sociedade Notícias! Cheguei à Redacção do Notícias vindo da Escola de Jornalismo, em Março de 1988. Mas minha vontade era ir para o semanário. Não levei dois meses sem meter a carta a Mário Ferro (Deus o tenha) para me deixar subir para onde eu queria (a Redacção do Domingo está num andar acima da do Notícias). E o Ferro, então director-adjunto e chefe de Redacção, não estava a deixar-me ir, queria-me obviamente nos seus efectivos.
Um desses dias, cerrei os punhos e fui bater à porta do José Catorze. Mal tinha falado com ele antes. Expliquei-lhe o que se passava. Sem protocolo nenhum, mandou a secretária procurar a carta do Moisés Mabunda. Tendo-a encontrado, trouxe-a e o Catorze despachou-a ali mesmo favoravelmente. E fui dar ao Domingo. Escusado será dizer que o chefe da Redacção não gostou nada do assunto, mandou-me chamar e deu-me uma palestra de nunca acabar! Segundo ele, eu não iria evoluir num semanário, precisava de estar onde escrevesse todos os dias…
Ainda que concordasse com o argumento dele, no fundo eu estava a agradecer fervorosamente ao José Catorze.
Mas a minha gratidão para com o Catorze não se fica por me ter autorizado a transferir-me do Notícias para o Domingo em 1988. Já no semanário, em 1989, surge em mim a vontade e determinação de continuar com os estudos na Universidade Eduardo Mondlane. Eis que meto a carta ao então meu chefe. E a resposta nunca mais vinha… vendo o prazo de inscrições na UEM quase a esfumar-se, cerro de novo os punhos e vou bater à porta do… José Catorze! Meu chefe dizia que o director-geral ainda não tinha despachado, então fui confrontar o búfalo pelos chifres!
Afinal, a carta ainda não tinha chegado. O Catorze, ali mesmo, diante de mim e da secretária que acabava de lhe jurar a pés juntos que não havia tal carta, pegou no telefone interno, ligou para o meu chefe e instruiu-lhe que mandasse o documento naquele mesmo instante… uma vez mais, despachou-o nos meus olhos. Favoravelmente!
Estou eternamente grato a JOSÉ CATORZE. Primeiro, por me ter autorizado a ir para o jornal dos meus sonhos - e creio que não decepcionei nem a ele, nem a mim mesmo, nem à sociedade em geral. Segundo, por me ter autorizado a continuar com os estudos! Não tivesse ele me autorizado, não sei que caminho teria seguido minha vida.
Esteja onde estiver o José Catorze - depois que cessou de director-geral da Sociedade Notícias, nunca mais ouvi dele -, aqui fica o meu tributo a este homem que tomou decisões que tiveram grandioso impacto na minha vida!
ME Mabunda
Os bolos de sura que se faziam aqui eram únicos. De entre os temperos que podiam ser incorporados havia o cardamomo, leve aromatizante que conquistava os paladares mais delicados. Todo o carinho das mãos era convocado no confecionamento desse alimento delicioso que faz parte da nossa culinária e da nossa cultura. Nem era preciso dar-lhe uma pitada de manteiga depois de pronto para o chá como muitos gostam, os bolos de sura por si só, quando feitos com esmero, cumprindo com todos os requisitos recomedados, serão uma iguaria irresistível.
Hoje já não se fazem bolos de sura como se fazia antigamente. Dói dizer isto mas é a verdade. Há-os em todo o lado, nos mercados e nas ruas e nas praças. Nas paragens dos autocarros de longo curso os jovens vão a correr com sacos de plástico nas mãos gritando “bolos de sura, bolos de sura”, e os passageiros compram, muitos deles não para comer ao longo da viagem, mas para presentear aos que os esperam no destino, sem saberem que o produto adquirido é falso.
O que temos sentido é que a oferta que nos fazem é constituída por massa de trigo, água, açucar e uma leverina qualquer para o bolo “levantar”. De sura não há nada na maioria das vezes, nem cheiro dela, então estamos a ser enganados. Porém, ainda aparece um e outro que nos vende os verdadeiros bolos de sura, mas essa qualidade, regra geral, consegue-se quando o confecionamento é feito por encomenda. O resto é uma burla, salvo raríssimas excepções.
O problema é que todos querem vender qualquer coisa, mas os bolos de sura não podem ser qualquer coisa, são peças especiais da nossa existência como bitongas. Então porquê que nos enganam? Se calhar algumas pessoas que hoje fazem isso nunca saborearam um produto bem feito como se fazia nos tempos. Ser calhar pensam que o bolo de sura é assim mesmo como eles fazem, sem a dose adequada da seiva e sem os temperos dos quais se destaca o cardamomo e a erva doce. Seja como for, estamos perante um cenário triste, que se pode explicar pela necessidade urgente de sobrevivência num panorama de dolorosa pobreza.
É como as badjias, já não são as mesmas daquele tempo. As que se vendem por aí, em particular na cidade de Inhambane, não levam cebola em folhas verdes, nem piri-piri. Não têm cheiro, mas os jovens devoram-nas com gula, sem saberem que a verdadeira badjia carece de condimentos que farão dela um petisco da primeira linha. E é com muita saudade e pena que estejamos hoje sem a possibilidade de desfrutarmos de uma boa badjia, em Inhambane já não tem essa qualidade, nem nas badjias, nem nos bolos de sura (excepto em raríssimas excepções).
Mas esta questão faz-se lembrar um episódio em que digo a um perdreiro que construía um muro de vedação: “mestre, não acha que aqui há um pequeno desalinhamento?”. E ele respondeu-me: amigo, o que é que não está desalinhado neste país?
Por algum motivo existe o ditado “o bom filho a casa retorna” que Magala, o titular do Ministério dos Transportes e Comunicações, esqueceu de recorrer - devolvendo as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), antiga DETA, Divisão de Exploração do Transporte Aéreo, aos legítimos pais, os Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) – como a alternativa para inverter a situação ruim em que se encontra a LAM.
Depois de mais de 40 anos fora de casa (como saiu não interessa) e a vida a não correr de feição, não surpreenderia a ninguém que um filho, passando por uma situação crónica de apuros, regressasse a casa dos pais. Aliás, os pais até fariam questão no lugar de o ver sofrer. Uma vez em casa dos pais, estes certamente que fariam (e sabem como fazer) de tudo e do bom para repor a dignidade do seu filho.
Não sei por que razão o ministro Magala não optou por esta via – devolvendo a LAM aos CFM - no lugar da medida anunciada ontem: a concessão a uma entidade internacional. Aliás, se o método de concessão é que é a saída estratégica até que joga a favor para a devolução, pois na proveniência esse método é o prato forte e, pelos vistos, com bons resultados.
Um outro factor para a sua devolução prende-se com um dos problemas-mor que apoquenta a LAM: o excesso de trabalhadores que sobrecarrega a massa salarial. Mesmo sobre isto, a proveniência tem uma experiência brutal, lembrando que ela é a líder nacional, quiçá regional, da maior reforma ou racionalização histórica de recursos humanos, sobretudo a operária.
Não menos importante e a favor da devolução diz respeito a capacidade da proveniência em lidar ou gerir o modus operandi dos “Donos Disto Tudo” e do próprio Estado. Certamente um arcaboiço estomacal que eventualmente não era apanágio da LAM.
De toda a maneira, ainda acredito que o ministro Magala tenha posto à mesa a possibilidade de devolução da LAM a proveniência. Caso não: acredito que ainda haja tempo.
Ontem de manhã, com uma das salas das Torres Radisson abarrotada e rasgando-se pelas costuras, a antiga Primeira Ministra Luísa Diogo (actual CEO do ABSA em Moçambique), aproveitou um evento de carácter motivacional para testar sua... motivação presidencialista...ou, invertendo a equação, verificar se ela consegue motivar as mulheres moçambicanas das elites políticas e burocráticas de Maputo o suficiente para dar corpo a uma putativa candidatura presidencial pela onda vermelha.
Ela passou nesse teste, diga-se. Se aquela plateia de mais de 200 mulheres fosse o conclave do partido, Luísa Diogo teria passado vitoriosamente pelo crivo dos seus pares.
Mas tratava-se de um simpósio de mulheres, organizado por Augusto Pelembe. Chamaram-lhe de Executive Master Classe. A ideia era uma plateia de mulheres executivas, muitas delas nadas e feitas no respaldo da Frelimo, nos percursos ascendentes da burocracia entre partido e o Estado. Nada das mamanas da OMM. Uma adesão em massa, fazendo jus à semana da mulher. A partir das 9 horas.
No púlpito há três mulheres que se encaixam bem nesse perfil, escolhidas a dedo para darem seu testemunho. Mody Maleiane, filha de Adriano Maleiane; e Esperança Mandlaze, mulher Mário Mangaze, durante largos anos Presidente do Tribunal Supremo (ainda continua lá como assessor) e...a incontornavel Luisa Diogo, que hoje dirige o ABSA, anos depois ter arbitrado a reprivatização do antigo Banco Austral a favor do...ABSA.
Nada das Ivones Soares desta vida! Tudo gente da "situação", do politicamente correcto.
A intervenção de Luísa era a mais esperada. Ela discorreu sua espiral de inspiração para o sucesso ao longo dos anos, seu percurso triunfante, onde a disciplina e foco foram a marca d'água duma personalidade lutadora, que nunca deu o braço a torcer.
Falou da escadaria dessa caminhada e seus espinhos, mostrando que não queimou etapas, que subiu degrau a degrau até chegar a Primeira Ministra. (Desde o Banco Mundial até à entrada para o Governo como Ministra do Plano e Finanças entre 1999 e 2005 e, a partir de fevereiro de 2004 com a saída Pascoal Mucumbi, acumulando com a pasta de Primeira Ministra, donde do saiu em Janeiro de 2010, quando Guebuza, reeleito, a substituiu por Aires Ali).
Um percurso que inspira muitas mulheres, como se viu hoje. Luísa Diogo mostrou que era possível. E a plateia, que escutava atentamente, vibrou. Mas vibrou mais quando Luísa, já como remate final, declarou: já fiz tudo desde baixo até o topo, já assumi as funções de Primeira Ministra, o que é que me falta?
Em uníssono, a plateia devolveu: ser Presidente da República.
E depois veio um aplauso de minutos, ininterruptos, que encerraram o evento já depois das 12 horas. Na tez, nas mentes, no imaginário de todos, a imagem de uma Luísa Diogo na Ponta Vermelha.
E houve quem mesmo lhe perguntasse: É isso?
Ela não abriu o jogo, deixando no ar as dúvidas sobre quem, de vez em quando, vem testando sua aceitação pública (urbana, entre as elites) para Presidência da República de Moçambique.
Luisa, Presidenta? A ver vamos!