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quarta-feira, 16 janeiro 2019 14:32

Sobre ironia

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Na gênese do Estado moçambicano há uma indelével ligação com os Estados Unidos da América. A atender pelo mito fundador, “Chitlango, filho de chefe”, estudou e trabalhou naquele país e teve um trajecto tão "fecundo” que se casou com uma americana. Na lógica de familiaridades alargadas, para estas outras gerações que, eventualmente, sabem algo de Eduardo Mondlane, aquele país é terra de origem da “avó" Janet Mondlane, visões (dis)torcidas sobre “modernidade”, “50cent”... e nada mais!

 

Por conveniência, exacerbamos o significado de “soberania” e amplificamos pressupostos e fundamentos errôneos para vincar uma acepção maniqueísta do termo, com interesse instrumental e de defesa de agendas dúbias.

 

Simplificamos e trivializamos tudo. Em roupagens de “complexidade”, propalamos a ininteligibilidade das relações internacionais, pretensamente incompreensíveis para os comuns dos mortais. Nesta matéria, somos pródigos o suficiente para viabilizar uma “escola superior de proteção da soberania”. A extramudanização discursiva coverteu-se em subterfúgio e artefacto de arremesso para aterrorizar eventual desavisado.

 

Que ironia. Tão soberanos quão levianos!

 

Se nos ativarmos à memórias de longa duração (ode à memória curta) certamente que não teremos dificuldades em lembrar que, quando lutamos pela “pátria” e pela “soberania”, também conspiramos no exterior, acampamos no exterior, pedimos armas ao exterior, adoptamos ideologias inventadas no exterior, saltitamos entre socialismos e capitalismos abundantes no exterior!

 

Os montantes “superiores" ao orçamento do Estado são traficados e depositados no exterior! Para os que podem e querem, questões existenciais (saúde, turismo, negócios) tratam-se no exterior. Estudar, trabalhar, estabelecer parcerias... no e com o exterior é parte constitutiva das nossas “tradições”. Bastaria dizer que a simples agulha com que ajustamos os elásticos das nossas tangas vem… do exterior.

 

Mas entre nós, no contexto das relações com o exterior, a “fortuna” é tratada como dádiva e qualquer infortúnio é pregado como afronta à tal da soberania. Espanta-me essa cultura de “entitlement”(de direito) que se reserva o privilégio de aceitar as “sortes” e vilipendiar os “azares” decorrentes das relações com o... exterior.

 

Accionar todo um aparato Estatal (instituições e pessoas) para uma defesa canina da "classe meliante", revela muito sobre a estrutura que sustenta o poder dos governantes e não tem nada a ver com “qualidade” dos cidadãos. Pois, não se fiem nessa de "tal povo qual governança”. Até soa bem como frase feita mas não diz tudo sobre a estrutura das relações! A escravatura diz menos sobre os escravizados e mais sobre os escravocratas e seu regime.

 

Com recurso à força, aparelho repressivo do Estado, mídia pública, charlatões ideológicos patrocinados, esquadrões do terror, conivente inoperância das instituições de justiça e uma vergonhosa cumplicidade da bancada parlamentar majoritária (que mais se distingue pela sincronia nos aplausos e menos pela disposição para, genuína e criticamente, deliberar sobre qualquer matéria), o partido que monopoliza o poder e o governo do dia, assoberbado pela ganância, estendeu tapete vermelho e floreou o palco de actuação de pessoas inescrupulosamente audazes para venderem todo um país.

 

Parte da ironia, reside aqui. Em seduzir e cativar uma legião de pseudo-iluminados para fazerem a vez de "advogados de Deus”. Como se precisasse! Em circunstâncias como estas, que o Diabo se ponha à pão! No mercado da consciência pode perder aquele delicioso croissant!

 

Os que ousaram marchar contra tão óbvia falácia foram sistematicamente vilipendiados, estigmatizados e rotulados, entre outros, como “meia dúzia de inconsequentes gatos pingados”. Concidadãos foram torpemente descaracterizados, senão fisicamente seviciados, em nome dum “progecto” dito "soberano”, centrado no umbigo e vaidade de pouco mais de duas dezenas de pessoas.

 

O chulo, não é só a linguagem avícola adoptada para transacionar todo um projeto de bandeira, ainda que frágil. “50 Milhões de frangos” por poleiro é menos insidioso do que a predisposição de verdadeiros legionários que viviam em permanente sentinela, com espada em riste, prontos para lançarem-se contra os que faziam simples questionamentos metódicos e “razoáveis”.

 

Todo o papo em torno dos piratas, soberania marinha, estrada nacional número zero, peixe para alimentar as crianças desnutridas, atum que se comia sem se ver (como no poema sobre o amor que arde sem se ver), drones, desenhos e organogramas interligando empresas “laranjas” não passou disso mesmo. Subterfúgios costurados para encobrir o vilipêndio ao interesse colectivo e protecção de interesses de indivíduos e de grupos, se chegarem a tanto!

 

Despudoradamente, reinventaram a porporção dos monstros que habitam a nossa costa, exacerbaram a tacanhisse da místificada "mão externa", disseram que questionávamos a lisura dos actos porque estávamos cegos e porque não tínhamos tino suficiente para discernir que uma dúzia de canoas furadas não fazem uma fragata.

 

Hiper-cientificizaram as relações internacionais, insinuando que eram impossíveis de serem compreendidas por almas mundanas. Delataram o papel dos governantes e elevaram-nos a incontestáveis mandatários de uma massa amorfa sem vontade e nem capacidade, que deveria submeter-se às decisões dos “eleitos”, ainda que os levassem, perceptivelmente, ao desaire.

 

Mais do que encaregar o governo como instância de poderes delegados, reiventaram-no e atribuiram-lhe poderes transcendentais e concessionários, a ponto de o simples acto de pedir esclarecimento demandar bondade ou voluntariosos actos de generosidade por parte de tais governantes. Abriam e fechavam portas à bel prazer!

 

Abusaram do privilégio de maioria parlamentar para apaludirem, como pereferem, em contraposição ao debate, os seus actos lesa-pátria. Colegialmente, aprovaram a trafulhice e, embevecidos, juraram que fariam tudo de novo! Como se algo tivessem feito senão sucumbir à ganância e entregarem-se, "à franga”, à mercenários económicos que tudo compram e vendem.

 

Essa tal da soberania a que tanto apelam para nos afrontar... venderam-na. Um punhado de indivíduos usou dos privilégios da função, manietou e patrocinou ovelhas e desencadearam campanhas de defesa do espúrio.

 

Não houve ingenuidade, mas uma actuação sincronizada de novos nababos que se imaginavam sentados na "cocada preta". Os candidatos à capatazes verboreiaram e executaram atrocidades contra os que vocalizavam algum “desalinhamento”.

 

Apelaram para o histórico de precedentes desencontros com a Renamo para legitimarem o “bypass" institucional, ainda que, contraditoriamente, evidenciassem que a negociata era de cariz privado, mesmo que pudesse coincidir com potenciais interesses de Estado. Não tiveram parcimônia em estatizar burlas e recolher comissões!

 

Soberana, não é a costa que precisa de ser protegida, mas dívidas que tem de ser pagas e, para isso, descobriram que podiam extorquir no preço do pão, da energia elétrica, da água, do combustível e de tudo que se possa taxar ao habitante do poleiro (galinheiro mesmo).

 

E vierem os sofomaníacos. Desenharam “estratégias", “esquemas" e “diagramas" de "protecção costeira", no mínimo, exdrúxulas, ao mesmo tempo que asseveravam que seu partido guia era suficientemente visionário e iluminante. Ao sabor das boladas, declararam-se prontos a governarem, no mínimo, por mais meio século. Na mesma base!

 

Quando parte da velha guarda, do mesmo partido, entrou em histeria em cadeia nacional, rotularam-na senil e, com cortesia forçada, convidaram-na a encolher-se nos subúrbios de Maputo. Anciãos quase tiveram “tacardia” em horário nobre, quando tentavam denunciar o tamanho da sujeira. Memorável o "cuspilento" “tenho nojo” que SV deixou na STV.

Esculhambaram as ONGs, a sociedade civil e atribuiram-lhes o onus da "cumplicidade com ocidente", como se a dívida danosa tivesse sido contratada por estes, a sul dos sofridos e “tristes trópicos”. Filosofaram sobre os colonialismo e neocolonialismos, acrescentarm elementos à noção de pátria e patriotismo, apresentaram-se como arautos do progresso e da capitalização financeira dos oprimidos contra, estranhamente, “doadores” e instituições ocidentais opressores, com quem, efectivamente, contrataram tais negociatas. Posicionaram-se como escudos ideológicos entre as “massas” e seus líderes, ainda que não houvesse ideal algum que fosse defensável, além dos níqueis que sustentam facções políticas e hegemônicas que instrumentalizam o aparelho repressivo do Estado, num país depauperado.

 

Agora que “galinhas” enrustidas são chamadas pelos nomes, a insistência no apelo à soberania, à necessidade de "abrir o olho" contra o expansionismo “yankee", a facilidade com que desresponsabilizam os "visionários líderes” e catam pouco mais de uma dúzia de assessores funcionais para vestirem a carapuça, meus receios é que, em nome da soberania, roubem os veredictos. Experiência não lhes falta

Sir Motors

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