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quarta-feira, 02 junho 2021 10:21

Liderança como fonte de violação de direitos humanos na actuação policial

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CONTEXTUALIZAÇÃO

 

Os direitos humanos constituem questões importantes da retórica prevalecente sobre a qualidade de vida dos cidadãos. Mas que tipo de liderança institucional existe para a materialização dos direitos humanos em Moçambique? É notório que os cidadãos estão cada vez mais carentes de uma liderança diária de aplicação dos princípios da boa governança e dos direitos humanos que envolve a participação de todas as estruturas da sociedade para a realização efetiva da justiça socioeconómica, da segurança pública e criação de espaço para o exercício e gozo dos direitos e liberdades fundamentais.

 

Ora, o respeito pelos direitos humanos no âmbito da actuação da Polícia da República de Moçambique (PRM) e da Polícia Municipal (PM), com destaque para o Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM), permanece, em grande parte, uma miragem apesar das normas contidas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 253 da Constituição da República de Moçambique (CRM) estabelecerem, respectivamente, o seguinte:

 

“A Polícia da República de Moçambique, em colaboração com outras instituições do Estado, tem como função garantir a lei e ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.”

 

“No exercício das suas funções a Polícia obedece a lei e serve com isenção e imparcialidade os cidadãos e as instituições públicas e privadas.”

 

Atenção que as normas supracitadas visam, de entre outros objectivos, efectivar os seguintes objectivos fundamentais do Estado:

 

“A defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei;” (al. e) do artigo 11 da CRM)

 

“O reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual;” (al. f) do artigo 11 da CRM)

 

“A promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz.” (al. g) do artigo 11 da CRM).

 

Contrariamente ao estabelecido na lei, a PRM e PM tem a fama da prática da brutalidade policial em claro abuso extremo dos direitos humanos que incluem a prisão e detenção violenta e ilegal dos cidadãos, tortura, agressão, espancamento, limitação de exercício do direito à liberdade de manifestação e de expressão contra à má governação e até mesmo assassinatos. O fracasso das altas lideranças do Estado e do CMCM em garantir a efetiva realização dos direitos humanos e o desenvolvimento no quadro do Estado de Direito Democrático é visível no que a actuação da PRM e PM diz respeito.

 

O principal objetivo deste artigo é demonstrar e explicar alguns aspectos concretos para a reforma e capacitação institucional sobre os direitos humanos e liderança no âmbito da actuação da PRM e PM.

 

PROBLEMAS DA LIDERANÇA INSTITUCIONAL NA PRM E PM

 

A liderança institucional é um dos principais requisitos para o progresso social. O chefe do Estado, entanto que o garante da Constituição, e outros líderes relevantes devem priorizar as instituições de direitos humanos e os esquemas legais para o desenvolvimento institucional. Devem, em bom rigor, estabelecer padrões de referência e encorajar uma cultura de direitos humanos e participação com o mesmo fervor que exibem quando fazem campanha por votos nos processos eleitorais.

 

Porém, isso requer que as funções, responsabilidades e limitações de poder dos diferentes ramos do governo sejam delineadas com normas de responsabilização transparentes. Também requer que todos os três pilares do Estado - executivo, legislativo e judiciário - tenham bons recursos e uma equipa competente para funcionar de maneira eficaz.

 

Um dos principais obstáculos dos direitos humanos e do desenvolvimento em Moçambique é o abuso de poder pelo facto das lideranças do topo frequentemente manifestarem comportamentos (actos ou omissões) 'acima' da lei e governar a sociedade de acordo com seus próprios interesses pessoais ou outros que a lei desconhece. Moçambique é um exemplo onde ocorreram violações graves do Estado de Direito com chancela das lideranças que pouco ou nada fazem para acabar com a brutalidade policial. Aliás, a PRM e PM têm sido implacáveis na protecção dos líderes da má gestão do bem público em detrimento da protecção dos direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo a segurança pública

 

Curiosamente, Moçambique criou instituições de justiça e de direitos humanos com fraco impacto prático na vida dos cidadãos, transformando-as em meras instituições formais, como é o caso do Provedor da Justiça, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Procuradoria-Geral da República, que se confundem com “leões desdentados” quando se trata de fazer valer o seu poder legalmente estabelecido perante as atrocidades ou brutalidade policial. A estas instituições de extrema importância para a promoção, defesa e protecção dos direitos humanos não lhes é dado recursos financeiros, materiais e humanos suficientes para a concretização das suas atribuições e competências. Aliás, as recomendações e/ou decisões, tanto do Provedor da Justiça como da Comissão Nacional de Direitos Humanos, raramente são acatadas pela Administração Pública, do qual fazer parte a PRM e a PM.

 

Há falta de informação e de evidências de compromisso das lideranças do topo, ao nível da PRM e da PM, sobre a responsabilização criminal e disciplinar dos agentes que tem violado direitos humanos e promovido injustiça social, como forma de dissuadir tal prática e demonstrar que as lideranças não contribuem, sob qualquer forma, para a violação dos direitos humanos por via da actuação policial. O que é revelador de que as lideranças incentivam violência policial.

 

Outrossim, as lideranças não investem devidamente na capacitação ou formação de qualidade da PRM e da PM em matéria de direitos humanos, para além de que pouco fazem para a melhoria das condições de trabalho dos agentes em questão que, erroneamente, encontram no cidadão a fonte de rendimento por via do saque, da extorsão e do roubo, cuja impunidade é garantida pelas lideranças que controlam as instituições de justiça. É, pois, preciso que o povo exerça a cidadania com cobertura constitucional no sentido de responsabilizar as lideranças da PRM e PM pelas violações dos direitos humanos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As lideranças não têm outra opção de existência segura e credível, a menos que respeitem, protejam, promovam e cumpram os direitos humanos. O problema da violência policial reside mais nas suas lideranças do que nos próprios agentes. Urge aumentar a consciência sobre a boa governação no seio das lideranças, destacando as prioridades de desenvolvimento intelectual e material da PRM e PM por meio de um discurso público eficaz sobre as questões de governação e direitos humanos.

 

Uma liderança comprometida com a prestação de serviço público de qualidade, baseado no respeito pelos direitos humanos cria a visão e divulga essa visão desenvolvendo estratégias e atitude correcta para melhor actuação da Polícia. Qual é a visão das chefias da PRM e da PM para com os direitos humanos, justiça social e segurança pública?

 

Por: João Nhampossa

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

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