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quinta-feira, 31 janeiro 2019 04:49

Crimes em Montepuez: Da “meia culpa”da Gemfields ao ensurdecedor silêncio da justiça moçambicana

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A mineradora britânica de rubi, Gemfields, acordou em pagar 8.3 milhões de dólares americanos para fechar um caso de 273 queixas de assassinatos, espancamentos e incêndio de habitações, em torno das minas de rubi de Montepuez, na Província de Cabo Delgado. 
A empresa acordou ainda na constituição de um painel independente sobre disputas que poderá decidir sobre quaisquer reclamações no futuro. A empresa anunciou estes acordos em Londres, através de uma declaração de imprensa, com a data de 29 de Janeiro corrente. 



O caso de violações grosseiras de direitos humanos na região da extração de rubi, na localidade de Namanhumbir, foi levado a um tribunal superior de Londres em Abril de 2018 por uma sociedade britânica de advogados denominada Leigh Day, a qual alegou “sérios abusos de direitos humanos na ou em redor da empresa Montepuez Ruby Mining”, (MRN), subsidiaria da Gemfields.



As 273 queixas incluem 18 pessoas supostamente mortas por forças de segurança privada da MRM e por agentes da polícia moçambicana, através de disparos, espancamento até a morte e soterramento de pessoas vivas. Há perto de 200 acusações de espancamento, tortura e abuso sexual - muitas delas provocando ferimentos tão graves que causaram diminuição da capacidade de trabalho das vítimas As queixas incluem ainda 95 reclamações de propriedade perdida na sequência de repetidos incêndios criminosos na aldeia de Namucho-Ntoro.



Todos os incidentes objeto da queixa terão ocorrido entre 2011 e 2018. O caso foi resolvido através de mediação, o que significa que um acordo na base do principio de “não-admissão- de – responsabilidade” pelos crimes alegados. Contudo, e sintomaticamente, a Gemfields concordou em atender a todas as reivindicações – o que, na pratica, se traduz em “confissão” implícita de culpa! 



Como parte do esforço para melhorar as suas relações e imagem junto das comunidades locais, a Gemfields anuncia também o estabelecimento de um fundo de, “pelo menos”, USD655,000 para projectos sustentáveis de longo termo, nas áreas da agricultura e criação de habilidades para promover actividades económicas e oportunidades de trabalho.



As indeminizações ora acordadas, no valor de USD8,3 milhões podem, aos olhos de incautos, parecer um acordo extremamente oneroso para a Gelmfields e a sua subsidiária moçambicana, a Montepuez Rubi Mining. Contudo, tal quantia é efectivamente irrisória: segundo a própria empresa, dos primeiros 11 leilões de rubi até agora realizados, ela já rendeu USD463 milhões em receita total, significando que o valor das indeminizações e compensações à comunidade prejudicada corresponde a menos de 2% do valor daquelas vendas.


Este acordo tem duas características muito interessantes: Primeiro, resulta de uma acção judicial de uma entidade estrangeira, contra uma empresa estrangeira, que viola direitos humanos de moçambicanos, em território moçambicano, aonde explora valiosos recursos naturais, sob concessão do Estado Moçambicano.



Segundo: É a própria empresa que, mesmo negando “responsabilidade” pelas práticas criminosas constantes na acusação, determina, no seu livre arbítrio, o valor com o qual decide indemnizar ou compensar as vitimas, em Moçambique. O Estado moçambicano não é, aqui, nem tido nem achado!



Há, neste “arranjo”, duas leituras imediatas: em primeiro lugar, são entidades estrangeiras que, entre si, discutem e acordam sobre formas de “fechar” as suas diferenças em relação a crimes praticados em Moçambique e contra cidadãos moçambicanos! Em segundo lugar, no quadro deste acordo, ficam de fora, senão mesmo ilibados, os autores destas práticas criminais, o que eles podem interpretar como anuência ou aprovação implícita à sua conduta.



Ora, o que sobressai, como sendo a principal causa do estranho quadro, é a inércia cúmplice das autoridades estatais moçambicanas, administrativas e judiciais, perante comprovados casos de grosseiras violações de direitos humanos por parte de empresas extractivas, resultando em que a defesa dos direitos humanos de cidadãos nacionais seja, sistematicamente, feita por organizações internacionais. 



Em Julho de 2017 foram divulgados vídeos, mostrando ações de extrema violência, com actos degradantes e brutais de agentes uniformizados e armadas da PRM, e falando em Português, enquanto espancavam homens com roupas rotas e muito sujos.



Na altura, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, uma instituição do Estado, emitiu um comunicado, informando que havia sido constituída uma comissão conjunta de investigação, em que ela mesma era parte, e envolvendo a Procuradoria-Geral da Republica e a Policia da Republica de Moçambique. O objetivo da comissão era investigar estas denúncias e identificar os responsáveis, para os responsabilizar criminalmente. 



Contudo, realizada a investigação, jamais o respectivo relatório foi tornado público – nem mesmo pela própria CNDH – muito menos sobre a identificação dos autores de tais actos, e 
seu encaminhamento às instâncias da justiça.



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