O agravar da situação terrorista em Cabo Delgado, nomeadamente a sul de Pemba, faz crer que os chamados insurgentes tencionam atingir a capital provincial. Qualquer que seja a pretensão terrorista, o facto é que os níveis de alerta são elevados. Isso explica a presença na província da Ministra do Interior, Arsénia Massingue, e do Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, tendo visitados vários acampamentos militares e policiais, secundarizando o Ministério da Defesa, que continua ausente no plano da comunicação pública.
A tropa continua calada. E a Polícia parece ter voltado a assumir protagonismo neste domínio, embora na última aparição ela (e o seu Comandante Geral) tenha sido prontamente rechaçada pelo Presidente Filipe Nyusi.
Os níveis de alerta são altos, a crer também nas movimentações das forças castrenses nas regiões de Metuge, Ancuabe, Metore e Chiure, seguindo a indicacao de que os insurgentes estão caminhando, dispersamente, em direcção ao sul, e que podem ter, inclusive, intencoes de entrar em Pemba (ontem foram vistos em direcção a Chiure).
Ontem também, ficou claro que, apesar da tentativa de desmentidos oficiais, foram organizadas escoltas militares para proteger quem quisesse entrar ou sair de Pemba, num percurso de 50 km. Mas, apurou "Carta", localmente, as escoltas não implicavam revistas. Sem revistas, os militares podem “escoltar” também os terroristas, que têm feito incursões, em grupinhos disfarçados, em aldeias a 100 km de Pemba.
Os terroristas usam agora as armas da decapitação, da desinformação e do pânico, confundindo as populações e alimentando receios em Pemba. O cenário é o de confusão total, terreno fértil para o ISIS introduzir armas em Pemba, disfarçados de deslocados, tal como aconteceu na véspera do ataque a Palma, em Março de 2021, quando meteram armas em malas e colchões, etc.
Para controlar a desinformação, e evitar a repetição da mesma táctica de Palma, as FDS têm de deixar de fazer segredo destas movimentações e incursões terroristas em Ancuabe e explicar o que está realmente a acontecer no teatro das operações. É preciso explicar qual é a dimensão do fluxo a sul dos terroristas e o papel das forças do Ruanda e da SADC na sua contenção.
A história do caso já fazia manchetes nos jornais, rádios e televisões. Os nossos olhos e ouvidos eram inundados com informações cabeludas e nebulosas sobre o caso, embora hoje nos mostrem que estavam erradas. Portanto, como meros consumidores, mesmo sem saber de todo o enredo, a sociedade já havia julgado, condenado, acorrentado e linchado o arguido.
Na mente, todos que viam e liam aquelas tenebrosas notícias já haviam sentenciado que a mesma não teria salvação, mesmo se o anjo Arcanjo, Pedro, Gabriel, Profeta Maomé ou mesmo Jesus Cristo voltassem e interviessem, ela já estava queimada. Mas, como sempre, estas personalidades religiosas estão do lado da justiça – do lado bom da história da humanidade a versão do enredo acabou sendo outra.
O caricato é que o dono da acção penal carregava papéis de um processo que chegou ao julgamento sem a investigação aprofundada e exigida em casos do género. A mídia ia gastando papel, lábia, fotos e imagens, mas, no fim de tudo, os detalhes do caso não passavam de fofocas de esquina e mau olhar que constantemente têm abalado a nossa casa dos passaportes!
E foi o que se viu há dias numa das salas do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) com o arranque de um dos casos que colocou o nome de Moçambique nas manchetes de diversos órgãos de comunicação social nacional e estrangeiros – até que quatro anos depois do caso chegar às salas do TJCM e um colectivo de juízes ter ouvido os argumentos da acusação, representada pela Procuradora em questão, tudo acabou ficando claro. A feijoada preparada nas cozinhas escriturárias da casa dos passaportes, lá nas bandas da Ho Chi Minh, na Cidade de Maputo, não tinha os condimentos culinários requisitados para que os críticos da culinária dissessem: estamos diante de uma boa feijoada!
Foi neste âmbito que a Juíza do processo solicitou que fossem arrolados os declarantes do caso e, chamados a depor, parte dos declarantes negou suas próprias afirmações proferidas na Procuradoria e que antes alimentaram a convicção e o dedo acusador da Procuradora, que mais do que repor a legalidade, enquanto garante da mesma, apenas investe na condenação como se fosse condição sine quo non para a promoção ou o respeito a nível daquela importante instituição – o Ministério Público!
Quando o "declarante mor" que levou o caso para o Ministério Público (MP) e este para imprensa, abriu a boca e percebeu-se logo que o mesmo tinha uma paixonite ou tusa mal resolvida talvez pela acusada. Deixou o MP com um camião enorme e sem chaves e combustível, mas repleto de produtos diversos numa zona de guerra onde todos querem algo para comer ou matar a fome!
Com uma kalashnikov nas mãos e apontada para o inimigo, mas com balas de pipoca, o MP ficou sem meios e acabou ridicularizado. Já no dia das alegações finais, a Procuradora zarpou da sala sem deixar rastros, não dando alternativas ao colectivo de juízes de uma das secções daquele Tribunal de ilibar a vítima que por quatro anos foi chicoteada e viu o seu rosto estampado em murais de jornais e tabloides como se de uma vilã se tratasse. A vítima foi violentada pela opinião pública na altura, curiosamente com o aval do representante do Estado!
Hoje, todos que acompanharam o caso aguardam que o Estado, através do MP e quem sabe do seu local de trabalho, possa emitir um pedido de desculpas públicas. Se puderem massagear as contas da pessoa e talvez ser promovida a posto que lhe mereça. Entretanto, não sei se depois dessa furada da Procuradora, ela não será colocada como servente do distrito onde ela era Digníssima Procuradora Distrital… e por azar aquém pode vir a pagar uma choruda indemnização por fazer mal o seu serviço!
“Esta é uma reflexão que deve ser feita de cabeça fria e com os pés no chão, para que seja tomada a decisão mais adequada para o nosso País”
Na tradição tsonga (não tenho como dizer bantu, as breves pesquisas que fiz não me ajudaram muito, quase nada), há uma entidade chamada nkulungwani. Alguns escrevem nkulungwane, outros nkulungwana; outros ainda sem o ‘n’ inicial, ou seja kulungwane; ou, aportuguesadamente, kulunguana!… Bom, deixemo-nos da forma e vamos ao conceito, mas eu adopto a grafia nkulungwani, que julgo ser a mais próxima da correcta na ortografia das línguas bantu!
O nosso Google também não ajudou absolutamente nada quanto à definição, seja de que natureza fosse, de nkulungwani, pelo que vou é tentar descrever esta entidade, esta manifestação cultural tsonga e depois veremos sobre a sua definição. Em cerimônias de diversa índole, de manifestação de alegria, de lobolo ou casamento, de enaltecimento de um feito de uma individualidade, ou de uma colectividade, geralmente as senhoras, ou uma senhora (os homens também emitem, mas não é muito frequente), emitem/emite um som, tipo lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lêêêééé…, demorando o tempo que a pessoa que emite consegue ficar sem aspirar, uma vez que ao longo do acto está a expirar. Cinco, dez a quinze segundos. A língua tem um papel muito importante, encolhe um pouco e bate em cima e em baixo da boca. Esta ‘entidade’ (o som) pode ser emitida no meio de uma intervenção de um dos participantes, ou no fim dela; pode também ser emitida no meio de uma canção, ou no fim dela. Pode ser emitida por uma pessoa, geralmente senhora, mas pode ser também por várias, em sincronia, ou em sequência. Não há rigor nisso. É um acto que confere mais profundidade à tal manifestação, à tal celebração. De tal sorte que se nela (a cerimônia) não houve , afere-se que não houve profundidade, faltou um sentir profundo, interno, genuíno.
Geralmente, “bate-se” minkulungwani (no Xi-Changana, é assim como se diz: ku ba minkulungwani) - num bom português, diríamos que ‘emite-se’, ‘enuncia-se’, ‘entoa-se’, ‘pronúncia-se’, ‘faz-se’, ou ‘canta-se’ nkulungwani, em ocasiões de alegria, de muita satisfação. Mas há quem afirme que em ocasiões de tristezas, também, se ‘canta’/‘bate’ nkulungwani! Como disse e repito, é um acto que confere muita profundidade a uma cerimónia. Expressa um sentimento profundo, muito interior, seja de alegria, seja de tristeza, para com determinada ocorrência, acto ou comportamento.
Isto dito, vamos à razão deste intróito. Um amigo desafiou-me a dar um ‘nome’ genérico às crónicas que tenho escrito e publicado todas as semanas. Meti-me no exercício. Não foi fácil encontrar um título que me agradasse. Ainda não encontrei. A reflexão até trouxe à memória, da qual nunca se ausentou, com efeito, o Canto do Amor Natural, título de poema e de livro de um dos nossos grandes poetas, o Kalungano, ou Marcelino dos Santos. Ainda pensei em puxar para o genérico esta extraordinária, belíssima formulação de Marcelino dos Santos, até como forma de o evocar e fazer lembrá-lo como um dos nossos grandes patrimônios cultural e social.
Não me fiquei pelo título de Kalungano mais porque ele celebra, canta, enaltece o seu “amor natural”, o seu afecto genuíno, interior, profundo ao seu/nosso Moçambique. ‘Bate’ nkulungwani de alegria, de amor, de fraternidade, de paz à sua pátria, à sua nação. Enquanto eu quero, também, ‘bater’ nkulungwani - e tenho batido - sobre ocorrências de tristezas que igualmente fazem parte do nosso quotidiano, exactamente como o tenho feito em cada texto. Não faz bem à consciência ficar pelos nkulungwanis/elogios de… amor, de alegria, do faz de conta.
E, assim, vou continuar a ‘bater’ nkulungwani ao nosso dia-a-dia, seja para com ocorrências de alegria, de paz, de amor e fraternidade; e seja, também, com as de tristeza, vergonha, corrupção e falta de respeito e desconsideração para com os compatriotas moçambicanos! Eis então o título genérico das minhas crónicas!
Lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lêêéééé!…
ME Mabunda
Continuo a cultivar a solidão, e já cheguei a um ponto em que as viagens – mesmo para lugares de paraíso – deixaram de me fascinar. O paraíso é aqui onde moro sem pensar no futuro, o futuro é este que vivo todos os dias. Mas desta vez abriu-se um parêntises na minha rotina, de maneira tão profunda que não pude recusar o convite de visitar o Parque Nacional de Zinave, ainda por cima na companhia de uma mulher que usa todas as oportunidades para cantar, repetindo músicas antigas dos seus ídolos, que habitarão para sempre as suas memórias.
Chegou à minha casa sem avisar, trazendo consigo a alegria de sempre, na alma antiga que se mantém nova e fresca como as águas da cascata e disse assim, amor, vamos juntos à Zinave! Vestia calças jeans e sapatilhas da Nike, e para combinar estes dois elementos, envergava uma jaqueta de bombazine com forro, por cima de uma camiseta azul celestial, estava linda por inteiro numa estrutura corporal sintetizada pela candura do rosto, então, perante este vulcão de beleza, não podia dizer que não.
Eu estava na varanda – sentado a contemplar a mesma paisagem dos tempos, que entretanto aviva-se a cada minuto – quando ela entrou de rompante cantando “Sineta”, de Chico António, e o abraço que se seguiu levou-nos ao êxtase porque naquele momento inesperado, tornamo-nos fieis representantes do nosso passado anarquista, onde não tinhamos capacidade de esperar, tudo era urgente para nós. Mas na verdade estávamos apenas a obedecer aos ditames do amor. Que é controverso.
Puxei-a – depois de sentir o leve cheiro do seu perfume, emanado durante o forte aperto dos nossos corpos - para o quarto onde fui aviar a minha mochila, sem me esquecer da grossa camisola e da jaqueta de couro. Despi as calças de fato de treino – na presença dela – para enfiar as jeans e as botas de mineiro – e ela ficou em silêncio olhando para o meu corpo meio magro, e para os meus gestos atrapalhados. Sorriu e convidou-me, com o olhar, a um beijo cuja doçura lembrou-me a intensidade dos nossos tempos de juventude, e a nossa total entrega à vida e à música que cantávamos em todas as circunstâncias.
Já prontos, metemo-nos no carro para dar uma volta de sessenta quilómetros até Maxixe, de onde depois seguiriamos rumo a Mapinhane e dali continuariamos com a viagem, ansiosos em contemplar o reino animal que nos esperava em Zinave. Mas antes de partirmos, ela pegou no flash de música e disse assim, meu amor, quero que oiças esta merda! Pôs no ponto o tema Lady, de Fela Kuti, afinal “aquilo” era a nossa entrada no Cosmos, onde não podemos estar sem o Ballantines, e o Ballantines estava dentro do carro com um balde de gelo.
Maxixe não tem nada para nos dar em novidade, nem Murrrombene, nem Massinga, nem a própria Mapinhane, por isso não parámos em nenhum desses lugares, o que nós queriamos era chegar a Zinave e entregarmo-nos ao prazer da descoberta. Porém, o que nós os dois não sabiamos, é que o caminho pode tercer das suas, contra os nossos sonhos e as nossas vontades. Daqui para aqui pode acontecer o inesperado para desfazer todas as expectativas.
Dez quilómetros depois de Mapinhane, já na picada rumo a Zinave, fomos sacudidos por um elefante que, saíndo repentinamente do mato, não nos deu tempo para nada, numa altura em que escutávamos What a wonderful world, de Louis Armstrong. O nosso carro deu várias cambalhotas impulsionadas pelo paquiderme, provavelmente irritado pela nossa presença, e numa dessas cambalhotas fomos “cuspidos”. Mas o enorme bicho continuou a investir repetidamente as suas patas insuperáveis por sobre a viatura, tendo-a esmagado completamente, deixando-a sem proveito, depois foi-se embora sem sequer olhar para nós, que continuávamos vivos, sem sabermos como!