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segunda-feira, 17 janeiro 2022 12:03

Sobre a perversa inacção dos jornalistas

Um certo encarregado de educação, que depois de monitorar as habilidades de escrita e de leitura do seu educando, concluiu que este estava aquém do mínimo para a classe, sobretudo em vésperas de exames, e decidiu ir à escola para cobrar. No caminho, uma manhã de chuvisco, e ainda distante, deu para ele reparar que as aulas decorriam ao relento e os alunos sentados no chão.  

 

Achada a “sala-árvore” do seu educando, a professora, que já adivinhava o assunto, agradeceu a visita e pediu-lhe a melhor metodologia de ensino-aprendizagem que se ajustasse às condições (in) existentes. O encarregado respondeu-a de que apenas viera para confirmar se o seu educando havia comparecido, uma vez que saíra amuado de casa por conta do raspanete que levara na noite anterior. 

 

O episódio vem a propósito da insurgência terrorista que, desde 2017, assola a província de Cabo Delgado, causando um movimento de deslocados cujo destino seguro, entre outros locais, tem sido a cidade municipal de Pemba. Consta que esta cidade já tenha acolhido deslocados em número (acima de 170 mil) que se aproxima ao dos seus residentes (pouco mais de 200 mil) o que a coloca, entre os seus pares municipais, como do top 5 ou 6 em termos de população.   

 

Face a este súbito e célere crescimento demográfico, e numa cidade que já apresentava sérias dificuldades de funcionamento que são apadrinhadas, pelo que se acompanha, por crónicos défices de recursos humanos, materiais e financeiros, a corrupção e ainda por dívidas que a sufocam, não custa imaginar qual tem sido a sorte diária dos seus residentes.  

 

Felizmente, e é uma boa notícia, se assiste a um movimento solidário de apoio aos deslocados, e no caso aos acolhidos em Pemba. A imprensa e as redes sociais têm divulgado as cerimónias de entrega do apoio e ainda do inevitável marketing social e político em torno delas.

 

Infelizmente, e salvo melhor informação, ainda não se assiste a um idêntico e dinâmico movimento dirigido à instituição Município de Pemba, no sentido deste poder minimizar as suas carências e fortalecer a sua capacidade para estar à altura dos desafios da actual situação, e não só.

 

Havendo quem saiba de uma constatação contrária, por exemplo, a de que mostre que o governo central, através do Ministério da Economia e Finanças, incrementou substancialmente a verba que aloca anualmente à Pemba. O mesmo para exemplos análogos de outros organismos públicos e privados, entre nacionais e estrangeiros.

 

Entretanto, e não é de admirar, é provável que representantes desses organismos, que por força das suas actividades correntes, passem regularmente por Pemba, mas, por outro lado, também transparece que a passagem seja ainda para as poses de marketing social e político das cerimónias de entrega de apoio aos deslocados. Naturalmente que existem excepções, mas estas, e já se sabe, não fazem a regra.

 

Por enquanto, e para fechar, a solidariedade com o Município de Pemba – ou de um outro local na mesma situação – lembra o episódio do encarregado de educação, que depois de ter presenciado as condições de ensino-aprendizagem da escola do seu educando e que até comprometia o futuro da sua família, não tugiu e nem mugiu. Aliás: chegou, viu e partiu!

As máscaras de protecção à Covid-19 que os militares presentes no Teatro Operacional Norte (TON) usam estão a deixar um largo legado em algumas famílias vítimas dos ataques terroristas em Cabo Delgado – em particular mulheres residentes nos distritos como Palma, Macomia, Nangade, Quissanga, entre outros! É que, nos últimos dias, várias mulheres têm se dirigido aos Postos e centros de saúde para as consultas pré-natal e quando questionadas quem é o pai – nenhuma consegue explicar!
 
O facto é que os nossos novos "cunhados" que muito nos têm ajudado no combate aos terroristas há mais de seis meses e ainda vão continuar entre nós, ficaram muito tempo sem "molhar o mangalho" e dada a a ansiedade não conseguem usar um preservativo, mas conseguem manter a máscara na hora do "widas", dificultando que as nossas irmãs pelo menos identifiquem o rosto do futuro pai!
 
Imaginem que existem mais de 2 mil homens com fardas e armas pesadas de diferentes nacionalidades e devido a isso podemos estar certos que brevemente teremos várias crianças que virão ao mundo e infelizmente algumas terão o azar de nascer, crescer e viver sem conhecerem os seus pais – heróis que tudo fizeram para defender esta pátria sempre empurrada para a guerra (…)!
 
Se na fuga de um ataque são raptadas e violadas pelos terroristas, e depois regressam grávidas a casa. Nos centros de acolhimento alguns insanos condicionam o acesso a alimentação mediante troca sexual. Na aldeia ou vila, os nossos "heróis de farda e gun" também fazem a sua parte - que situação elas estão a viver!?
 
Os enfermeiros nos Postos de saúde só se questionam pelo número de jovens mulheres que aparecem para abrir as fichas pré-natal e cujas mulheres não conhecem e nem conseguem identificar o rosto do homem que só sabe abrir o zíper e meter, deixando para trás mulheres cuidando filhos sem pai e com dificuldades financeiras e sociais acrescidas – quem sabe um dia estes pais se possam identificar e assumirem os seus filhos – aí manterão a ligação umbilical com a Pérola do Índico para sempre – ou seja, os novos cidadãos da Baía de Pemba!         
quinta-feira, 13 janeiro 2022 09:15

Um ramo de buganvília para o natal

Depois de ter vivido grande parte da vida acima da atmosfera, gozando do mel e leite, o diabo tratou de trazê-lo cá a baixo onde teria o fel como alimento. Tinha um carro da marca Volkswagem station, num tempo em que poucos da sua raça negra, ousariam adquirir uma viatura pessoal. Fazia parte, ainda, da sua colecção de bens, uma moto de 250 cm3 com dois tubos de escape. Era um janota que se destacava entre os seus, mas tudo isso, sem que ele próprio desse conta, escorregou das mãos e passou a levar uma vida de rastejante.

 

Voltou para Inhambane depois de longos anos, andando de província em província como oficial de primeira classe do Estado colonial português. Era respeitado, não apenas pela sua formação académica, mas também porque detinha uma postura de gentlman com vasta cultura,  possuía fina educação. Nunca vociferava, mesmo quando perdesse as estribeiras.  Mas tudo isso diluiu-se a partir de um determinado momento.

 

Ao pisar a sua terra, de regresso,  depois de mais de quarenta anos, o choque que teve é que ninguém se recordava dele.  Ninguém o conhecia. A casa onde nasceu estava abandonada, as paredes ruiaram, e o tecto esparramou-se sobre elas.  Não havia vizinhos próximos quando ele partiu, agora tem casas novas e modernas à volta, cujos donos são desconhecidos. Estranhos. Como é estranha toda a cidade, para um homem que já não tem muito a oferecer. Perdeu tudo o que a vida lhe havia provido.

 

Agora, depois de perceber que não terá nenhum ponto por onde recomeçar, ou a partir do qual irá continuar o sofrimento,  a única esperança que parece existir, reside no recolhimento à ruína deixada pelos pais, onde vai conviver com a bicharada. Ganhou a consciência de que o sol para ele jamais irá renascer, para lhe lembrar a música que gostava de ouvir no reprodutor do seu carro. Mesmo assim, sabendo que do escuro não vai sair mais, não tem medo. Olha para os chacais de frente.

 

Nas manhãs levantava-se e vai à gandaia, de onde  traz, quase sempre, algo para comer e recolhe na sua pequena cabana feita de papelão no meio dos escombros. Não pede nada a ninguém. De vez em quando anda pelas ruas da cidade sem que ninguém o cumprimente, sem que ninguém olhe para ele de forma particular, ou se alguém o olha, fá-lo com desdém. Porém, não se importa com as pessoas, o que ele quer é a liberdade de poder caminhar na memória do tempo em que vivia na lua.

 

Surpreendentemente, enquanto eu esperava um amigo meu  na esplanada do Hotel Inhambane, na véspera do Natal, vejo o homem andrajoso vindo na minha direcção, com um ramo de buganvília na mão. Pensei que vinha pedir-me qualquer coisa para comer, mas não! Chegou perto de mim, estendeu-me o ramo de buganvília sem flores e disse: é teu presente de Natal.

 

Tremi de medo ao receber o presente, e ele foi-se embora, sem dizer mais nada, depois de me focar com um olhar cheio de esperança.

No dia 27 de Dezembro de 2021, o governo indiano doou duas embarcações enormes à Marinha de Guerra das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) posicionada no Teatro Operacional Norte (TON). Espera-se que as embarcações e o material bélico doado possam reforçar a vigilância marítima e interceptar rapidamente as rotas usadas pelos terroristas e outros forasteiros.Sucede que, vendo aquela oferta dos homens de Mumbai, veio-me à mente um longo debate que travei com o Coronel Koy – um alto patriota que há mais de quatro décadas jurou defender a bandeira e os valores supremos desta pátria.

 

O Coronel Koy contou que, nos anos 2010 a 2014, participou em várias reuniões com alguns masterminds que hoje estão a contas com a justiça moçambicana. Durante as reuniões, defendeu o Coronel Koy que por tantas vezes alertaram que aquelas embarcações adquiridas não tinham nenhuma serventia para a principal razão da sua aquisição. Exaltado e zangado sobre o assunto, o Coronel Koy assim disse – nós alertamos sobre aqueles barquitos que eles compraram, mas ignoravam-nos! Tratavam-nos como imbecis, mas eu sou formado na matéria.

 

Cheguei a dizer que embarcações do género tinham que ter dimensões maiores e uma velocidade que vai acima dos 300 km/h. As embarcações que estão atracadas em Maputo e Pemba não chegam a levar cinco homens fortemente armados e munições, enquanto embarcações do género devem ter espaço para levar um batalhão, porque as operações contra a pirataria, por exemplo, são uma guerra declarada, e os militares devem seguir para a operação com tudo preparado e organizado.

 

"Fomos burlados! Aqueles veículos operativos nunca chegariam a servir. Porque o que nós pretendíamos era uma embarcação, enorme e modernizada. Um veículo operativo actual e preparado para tudo e não barquinhos" – desabafou o Coronel. Jovens, aquelas pessoas brincaram com a nossa soberania. Levaram tanto dinheiro de libanês para fazer negociatas, por isso quando assistimos aquilo que está a acontecer na B.O. percebemos hoje quais eram as reais motivações daquilo que faziam connosco nas reuniões.

 

Na altura chegamos de apresentar várias alternativas, mas como não tínhamos poder, éramos tratados como crianças. Chegava a irritar, sabe! Deixar família em casa, para ir ser desrespeitado por pessoas que pensavam que eram donos de tudo e todos – foi difícil e penoso! É pena que vocês hoje estejam a assistir aquilo na B.O., o lado sinistro de algumas pessoas que tinham o país na mão, a contarem coisas que só são normais nas cabeças deles!   

 

É chocante ver que hoje estamos a receber embarcações por doação e, por outro lado, estamos a julgar pessoas que lideraram uma contratação de uma dívida com o intuito de adquirirem embarcações para guarnecer a nossa costa, integridade marítima e territorial – que situação, nem? "Precisamos de aprender de uma vez por todas com todo este enredo, para que não voltemos a assistir aquela vergonha na tenda da B.O" – afirmou o Coronel Koy (nome fictício).

A recente subida da tarifa de transporte público urbano de passageiros da área metropolitana de Maputo trouxe ao debate público corrente a problemática deste serviço. Um dos “assuntos quentes” é o encurtamento de rotas cuja ocorrência considero como se fosse um serviço (informal) complementar, carecendo apenas de ser estudado e regrado. Volto a esta posição mais adiante.

 

Para quem não esteja familiarizado com o encurtamento de rotas, referir que este termo é usado para classificar o comportamento do transportador, particularmente da tripulação (motorista e cobrador) de viaturas de operadores privados, e de menor capacidade (16 lugares), quando este reparte, em duas ou mais secções, a rota completa (licenciada).  

 

O encurtamento pode ser contínuo ou descontínuo. É contínuo quando o utente paga as secções encurtadas sem que saia da viatura. É descontínuo quando o utente tenha que sair para tomar uma outra viatura, e a que se fazia transportar toma um outro rumo, quer o do regresso ao ponto de origem/partida quer o de uma outra rota (desvio de rota) ou mesmo o de recolha ao parque.

 

Entre os principais intervenientes da actividade, os utentes consideram que o encurtamento eleva os custos de transporte. As autoridades, que em linha com as associações/cooperativas dos transportadores (proprietários), classificam-no de ilegal e têm, amiúde, responsabilizado a tripulação e apelado para que se denuncie a sua ocorrência. Por sua vez, a tripulação alega que a recorre por razões económicas (incremento da receita), na medida em que tem que pagar ao proprietário a receita diária obrigatória e ainda sobrar os próprios dividendos.

 

É também de considerar que este fenómeno encontra condições favoráveis na expansão da cidade, pois algumas terminais foram deslocadas para pontos mais distantes, prejudicando assim o acesso de utentes das terminais descontinuadas, agora simples paragens intermédias e de grande demanda. 

 

Salvo o encurtamento imposto, o próprio utente, em algum momento, e para fazer face a escassez, enchentes, celeridade ou por uma outra razão, opta pelo “auto-encurtamento” que consiste, no lugar da rota de destino (rota completa), na tomada de uma outra rota (completa ou encurtada), e que esteja menos pressionada, até que desembarque na paragem em que possa tomar a que o leve ao destino. 

 

Posto isto e quanto a posição de “não combater, mas estudar e regrar”, ela decorre da observação de potenciais vantagens do encurtamento no acesso ao transporte. Entre as vantagens, o facto das rotas encurtadas serem relativamente mais cómodas (menos enchente) e rápidas e ainda a de poder concorrer na redução da pressão sobre as rotas completas por acolherem, quer involuntariamente (encurtamento imposto) quer voluntariamente (auto-encurtamento), parte dos seus utentes.

 

Uma outra vantagem deste “serviço” (encurtamento/rotas curtas) prende-se com a certeza que o utente tem da sua ocorrência, sobretudo em horas de ponta e no período nocturno, o que lhe permite planificar financeiramente a deslocação e ainda de poder alargar o acesso ao transporte público a utentes que se encontram em paragens intermédias, particularmente nas de grande demanda, e que são prejudicados pelas enchentes das rotas completas/mais longas.  

 

Nestes termos, e na base de uma apreciação empírica, a defesa de que no lugar de combater o encurtamento é fundamental que se estude e regre a sua integração formal e sistemática no sistema global de transporte público urbano de passageiros na área metropolitana de Maputo.