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Nos olhos da juventude estão o destino e a história da nossa humanidade.” – (Thiago Mota)

 

A viagem era longa. Moçambique possui uma larga extensão de terra. Partindo da cidade de Maputo à capital provincial de Sofala, a cidade da Beira, são necessários aproximadamente 1200 quilómetros. Essa distância, de transporte rodoviário, similar ao que lavava Manuelinho, Jota e outros passageiros, numa velocidade média de 75 quilómetros, perfaz perto de 16 horas.

 

Ou seja, quando os carros partem de Maputo à Beira, ou vice-versa, geralmente, às 4 horas, nas escuras, chegam ao destino quando o relógio se aproxima da hora 20. No entanto, se a condição dos bolsos possibilitar, o que não é comum para a maioria da população que vive espalhada pelo nosso belo País, o transporte aéreo precisa de apenas 1 hora para chegar ao destino. Contudo, a circunstância de Manuelinho e Jota, na altura, permitia somente que ambos seguissem de autocarro. Aliás, mesmo para tal, era necessário um sacrifício a dobrar.

 

Ambos, na companhia de outros companheiros de viagem, seguiam rumo à Beira. Entretanto, uma coisa era visível no rosto dos passageiros: todos reclamavam da vastidão da Província de Inhambane. E com uma voz masculina berrante, desprovida de bons modos de cortesia, um passageiro, cansado de aquecer as suas nádegas nos ferros daquele autocarro, resmungou:

 

— Se fosse possível remover a Província de Inhambane do mapa terrestre, pouparíamos quase 7 horas de viagem. A estas horas, teríamos apenas 4 horas para chegar ao nosso distante destino, mas ainda temos 8 horas de estrada, à nossa espera, pela frente.

 

Ora, a fala daquele passageiro ressuscitou outras intervenções. Do fundo do autocarro, uma senhora avançada em idade, que se fazia acompanhar dos seus dois netos, reclamou:

 

— É verdade, meu filho! Eu até já não sei para qual lado virar de tão cansada de suportar os meus netos neste pequeno lugar. — Igualmente, outra passageira, que agitava todo autocarro com a sua voz potente, similar a das mamanas que guevam nos mercados, como se estivesse, insistentemente, a negociar o preço dos produtos que quisera comprar, acrescentou:

 

— A estas horas, nós já estaríamos a entrar em Muxúngue. Esse Motorista está a conduzir como meu filho de um ano e finge não saber que nós temos muitas coisas que nos espera em casa. — E, em seguida, gritou intensamente, com todas as suas forças, desviando a atenção daquele que, com o volante fixo em suas mãos, detinha o destino das nossas almas:

 

Motorista, vuna lá mais um pouco paaa!!! Estamos cansados de dividir as nossas bundas com estas cadeiras aqui. — Outras vozes, também, juntaram-se àquela e, sacudindo os ouvidos quase empoeirados do Motorista do autocarro, vociferaram:

 

— Mas, Motorista, sabes que nós não estamos a ir para Xiquelene, nem? E você está a conduzir como se estivesse no Mercado Compone na hora de ponta. Faz favor, paaa!!! — Disse um senhor. Enquanto devolvia a sua voz ao abrigo do silêncio, outra senhora acumulou:

 

— Motorista, vuna lá iwe…. Queremos chegar cedo em casa para cozinhar para os nossos maridos! — Dá lá esse volante aí. Vamos te mostrar o que é conduzir! — Disseram uns jovens.

 

Enquanto isso, várias vozes atropelavam-se, naquela circular rectangular de oito rodas que marchava, em terra descascada e cheia de valas comuns, com alcatrão incolor, rumo à cidade da Beira. Pela necessidade de chegar o mais rápido ao seu destino, quase todos ignoravam os variados acidentes de viação que se registam nas nossas estradas ao longo de todo o País.

 

Naquele autocarro, quase todos desconheciam o facto de em nossa amada Pátria, dos 35.600 quilómetros de extensão de estrada, as estatísticas revelavam que, em 2019, perto de 73% das nossas estradas não estavam revestidas de alcatrão ou pavimentadas. E os poucos 27% que possuíam coberturas em seu corpo deitado horizontalmente, como a Ene Um que seguíamos, grande parte delas se encontrava em avançado estado de sangramento contínuo, reclamando, diariamente, às lideranças governamentais, seus negligenciados pedidos de socorro.

 

Além disso, poucos, naquele autocarro desprovido de qualidade, sabiam que naquele mesmo ano, em 2017, as Províncias de Manica, Sofala e do Sul do País, incluindo Inhambane, por onde passavam, haviam registado altos índices de acidentes de viação, principalmente, devido às condições das estradas, com ligaduras há tempo abandonadas, e altas velocidades. Afinal, os acidentes de viação são uma das principais causas de mortes em todo o território nacional.

 

Muitos desconheciam, identicamente, como se sabe que os números não mentem, exceptuando-se os do último Recenseamento Eleitoral da Província de Gaza, que o número de vítimas, feridos graves e mortos, que ao céu aberto tombavam sem dizer adeus aos seus familiares, resultantes de acidentes de viação nas estradas do nosso País, apresentava uma tendência crescente, principalmente naquele ano, bem como nos dois anos seguintes.

 

Outros, que não estavam naquele autocarro, tinham, em largas mesas dos seus escritórios, a quase desconhecida Política Nacional de Segurança Rodoviária, já aprovada, que, como pastor alemão envenenado por ladrões, sossegava impávida sem a devida implementação. Aliás, não havia interesse claro de se investir nessa área, principalmente pelos sectores responsáveis.

 

Naquele instante, o Jota, contemplando o semblante de Manuelinho, que, já cansado, enviava mensagens de quem precisava de tempo para pagar a dívida que o seu corpo cobrava, uma vez que ele não havia fechado os olhos na noite anterior à viagem. Manuelinho, estendido apertadinho no seu lugar, sonhava com as cerimónias fúnebres da sua irmã Marciana.

 

Contudo, não lhe corria em mente que se a irmã fosse enterrada na Cidade das Acácias, em Maputo, teria o espírito preocupado com os valores de renda, mensal e anual, que se lhes cobrariam para enterrá-la, além dos custos referentes à placa de identificação e licença de construção da campa, bem como uma factura quatro vezes superior ao salário mínimo base, se desejasse uma campa de alvenaria, para proteger os seus ossos da chuva e de ladrões. Afinal, a tia Marciana era uma simples doméstica. Graças a Deus que ela seria sepultada na Beira!

 

Neste interlúdio, o Jota arrumou as malas dos seus neurónios e, com todas as passagens devidamente pagas, fez uma viagem ao futuro, lembrando-se de uma conversa que teria com o seu amigo de infância, o Aizeque, que se outorgou Androide, por causa das suas “aplaudidas” habilidades de memória. Assim, em poucos segundos, estava na capital moçambicana. Parado nas margens da esquecida Praça da Juventude, localizada no abraço romântico da extensão das Avenidas Julius Nyerere e Lurdes Mutola, no distrito Municipal KaMavota, afirmou:

 

Brada, o nosso País, com a população jovem que possui, tem tudo para ser uma nação de referência em muitas áreas, não achas? — Questionou o sobrinho do tio Manuelinho.

 

Aizeque, estendendo os seus olhos cansados de ver a miséria dos seus irmãos, espalhados naquela desgraçada praça, desfolhada de beleza, brilho e vigor, que em nada dignifica a nossa esperançosa juventude, prontamente, respondeu ao seu estimado amigo de infância:

 

— Meu brada, isso até me dói! Segundo os últimos dados do Censo Geral da População, Moçambique é um País com quase 65% da população jovem abaixo dos 35 anos, e é considerado uma das nações mais jovens do mundo. Porém, ter uma população maioritariamente jovem pode significar, por um lado, que grande parte da população sejam potenciais agentes de mudança e contribuam para o crescimento e desenvolvimento do País. Ou, por outro, pode significar que essa maioria da população, por não produzir ou depender de outras pessoas para produzir, constitua uma grave ameaça que deve ser combatida, um fardo a ser descarregado ou mesmo um grande problema para o avanço da nossa sociedade. — E após uma pausa, acrescentou: — Sonho com um dia em que essas estatísticas, sobre os jovens, não apenas serão números, mas se transformarão para o benefício do nosso País.

 

— Então, no seu entender, meu amigo, o que se deve fazer para que essa maioria, os jovens, se transforme em verdadeiros agentes de mudança e não pedrinhas rígidas entre os dedos dos pés num salto bem apertado? — Questionou, calmamente, o Jornalista-Estagiário.

 

— Olha, Jota! É importante entender que o problema não é, necessariamente, a população de um País ou sociedade, mas a qualidade da população que esse País ou sociedade possui. Por isso, podemos ter uma maioria, como alguns camaradas diriam, retumbante e visivelmente esmagadora, mas sem efeitos práticos. Será apenas uma maioria cosmética, como batom e enfeites de maquiagem, usada para impressionar o mundo ou quem simplesmente olha para a aparência externa e não cava para, de perto e aos detalhes, aferir o conteúdo dessa maioria.

 

Em seguida, olhando para os lados, tentando ver se havia, por perto, alguém com um gravador ou ouvidos estendidos e atentos àquela conversa de simples jovens, adicionou:

 

— Olha só para a nossa Praça. Nem vou comparar com as outras, como as do Xiquelene, da Junta, ou da OMM! Não quero entrar neste barulho, senão hei-de ressuscitar fantasmas. Já viu como nós, os jovens, somos considerados neste País? Custa investir um pouco nesta praçinha, dar um banho com pedras e flores, cobrir com uma rotundinha, pintar de brilho e devolver a vida e energia dos jovens? Custa, mesmo!? — Desabafou Aizeque, para depois acrescentar:

 

— Eu penso que se deve investir seriamente na educação e formação dos jovens. Este aspecto tem um grande peso e constitui uma mais-valia para qualquer sociedade ou País, especialmente Moçambique. Atenção, não falo de passagem automática, para depois, num futuro não muito distante, termos mentes que, de igual modo, não pensam por si, se não forem activadas e, automaticamente, reproduzirem discursos da minoria ditadora e absolutista! — Referiu, espontaneamente, Aizeque, jovem e estudante contínuo de Filosofia e outras ciências.

 

— Olha, o que dizes é realmente interessante, brada. Além disso, na minha opinião, nenhuma sociedade ou País deve olhar para os seus jovens como líderes do futuro se, no presente, negligenciar a sua educação e formação. — Sublinhou o sobrinho do tio Manuelinho, que já se encontrava entre os mais brilhantes astros galácticos, a sonhar com um Moçambique onde aos mortos não lhes é cobrado uma renda, mensal ou anual, para que os seus ossos habitem nas areias da terra que lhes viram nascer.

 

Jota sabia que faltavam apenas poucos dias para a celebração do Dia Internacional da Juventude que, anualmente, é celebrado a cada 12 de Agosto. Nestas celebrações, vinca-se, a cada 365 dias que passa, que o principal objectivo desta data é destacar a educação e conscientização dos jovens a respeito da responsabilidade que eles assumem como representantes do futuro do planeta, sem, contudo, esquecer-se do seu papel no presente!

 

— Sim, do futuro! O presente só se conjuga em períodos vizinhos ou durante os pleitos eleitorais, bem como nas comemorações das festividades do Dia dos Jovens. Fora disso, o papel dos jovens é delegado para o futuro, quando eles forem adultos e, maltratados pela vida, estiverem velhos e sem vigor para fazer a diferença! — Declarou, profeticamente, o Aizeque.

 

Shiii, Aizeque, acabaste de reproduzir o que eu estava a pensar. És mesmo um Androide, paaa! Já agora, sabes que faltam apenas alguns dias para celebrarmos o Dia Internacional dos Jovens? Assim, vamos comprar máscaras de vergonha e viremos celebrar aqui nesta praça?

 

— Sim, eu sei, Jota. Sabe, quando penso nesta Resolução 54/120, que, em 1999, por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), reuniu, na terra dos Tugas, que, durante séculos, em consórcio com outras potências imperialistas, sabotaram os nossos sonhos e recursos, aprovada em conferência mundial dos Ministros dos Jovens, questiono-me: Quantos jovens têm a noção da sua influência em relação aos destinos, não somente das suas vidas, mas também dos seus Bairros e Distritos, das suas Localidades, Províncias e Nações?

 

— Sabes, Aizeque, do mais alto órgão, ao nível mundial, até às nossas bases locais, temos iniciativas que se assemelham a flores embelezadas, mas o seu efeito é de pouco alcance! Lembras-te do Programa Mundial de Acção para a Juventude, da ONU, que visa incentivar um conjunto de acções políticas e directrizes para melhorar a qualidade de vida dos jovens de todo o mundo? O que dizer da quase desconhecida Carta Africana da Juventude (CAJ), adoptada em 2006 durante a Conferência de Chefes de Estado e de Governo, em Gâmbia, sendo Moçambique um dos países que a ratificou. Será que se esqueceu da importância da participação e do envolvimento da juventude para o desenvolvimento dos Países do nosso rico, porém, empobrecido continente? E se a tua memória for fiel contigo, diga-me, meu irmão, qual foi a última vez que se ouviu falar da nossa quase enterrada Declaração Juvenil da Matola?

 

Virando-se para o seu amigo, Aizeque, em seguida, rematou audaciosamente:

 

— Não se pode falar do Renascimento Africano sem um investimento sério e adequado na juventude, que representa cerca de 65% da população Africana (incluindo nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), como Angola, Guiné Bissau, Guiné Equatorial e Moçambique). Sabias que cada Estado-membro da CAJ tem responsabilidades no desenvolvimento da juventude, de tal forma que devem facilitar o intercâmbio e a cooperação entre organizações juvenis para promover a solidariedade regional, a consciência política e a participação democrática da juventude em colaboração com os parceiros de desenvolvimento?

 

— Sim, meu amigo. Por exemplo, no ano passado, tanto se falou de “A África que Queremos”. Apesar de se reconhecer que o maior recurso de África são os jovens, que pela sua participação plena e activa, os Africanos podem ultrapassar as dificuldades com as quais são confrontadas, continuamos impávidos face aos problemas que sufocam as nossas vidas e de toda população Africana, moçambicana e mundial! É muito triste! Nem sabemos que África, realmente, nós queremos! Isso é muito triste, meu irmão. — Indicou o Jornalista-Estagiário, tentando segurar os baldes de lágrimas que espreitavam dos seus entristecidos olhos.

 

— É verdade, Jota. A Carta Africana da Juventude estabelece um quadro que permite aos responsáveis definir políticas que integrem as questões da Juventude em todas as estratégias e programas de desenvolvimento. Neste sentido, a CAJ possui uma base jurídica que garante a presença e a participação dos jovens em estruturas governamentais e fóruns a níveis nacional, regional e continental. Mas em quantas partes do País isso acontece? — Exigiu, Aizeque.

 

— Olha, mesmo aqui, vários estudos mostram que a participação dos jovens em fóruns governamentais e de liderança é quase uma incógnita. Por exemplo, o Estudo de Base sobre a Participação e Engajamento da Juventude em Processos Políticos em Moçambique, organizado pelo Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável na África (EISA), denuncia que poucos jovens participam activamente em processos políticos e espaços de tomada de decisão. E as mulheres são quase excluídas! E a minoria que participa, junta-se, principalmente, por causa dos benefícios que espera ou pode obter com a sua participação. — Nisto, Aizeque adicionou:

 

— É verdade! Alguns participam a fim de ser eleitos ou manter uma posição nos órgãos do poder executivo ou legislativo. Outros, por vestirem camisetes coloridas, veem o benefício de ter os seus problemas facilmente resolvidos, destacando-se o acesso ao emprego ou promoções profissionais e acesso às oportunidades económicas. Como consequência, os que caminham descamisados, ainda que unidos em associações, são marginalmente excluídos!

 

— Sabes, os jovens, se bem-intencionados, podem fazer a diferença! Além dos meios tradicionais, temos em nossa total disposição a internet e as redes sociais, canais relevantes para promover a participação e o engajamento dos jovens, bem como partilhar ideias e projectos inovadores, negócio e muito mais. Contudo, estes meios, apesar de estarem disponíveis, grande parte de jovens usa-nos para partilhar memes e conteúdos que em nada ajudam a desenvolver o ser cívico e agente de mudança de que nos referimos. Mentes que seriam a chave de grandes transformações estruturais, nas diversas áreas, sócio-económicas, técnicas, agrárias, médicas, de desenvolvimento espiritual, entre outras, estacionam as suas habilidades nos memes, vídeos engraçados, pornografias e mensagens atrofiantes! Outros até só partilham fake news e discursos de ódio. Desta forma, como será possível ter uma Juventude Engajada na Produção Alimentar para a Saúde das Comunidades? Não é por isso, também, que até a nossa Praça se encontra descabelada? — Realçou, inconformado, o Jota.

 

Naquele instante, Manuelinho estendeu a sua mão esquerda em direcção ao vidro do carro, exactamente no lado onde ele estava assentado. Com os seus olhos, espreitando, contemplava a vastidão de troncos altos cobertos de verde que não parava de receber reflexos de uma câmera de Huawei preto de um Chinês, único passageiro que fotografou as nossas florestas.

 

— Jota, mesmo assim, eu conheço muitos jovens que dedicam as suas energias para vencer a bandeira da pobreza, resultante da escassez de acesso ao emprego, à habitação, aos meios de transporte, bem como à educação, sobretudo nestes tempos difíceis marcados pelos estragos da pandemia da Covid-19. — Mencionou Aizeque, para depois acrescentar:

 

— Até porque, todos estes assuntos foram discutidos na quase desconhecida Declaração da Matola, realizada em 2019. Mas quantos jovens tem a informação dos escritos daquele documento que até se confunde com Segredo de Estado, senão os pouquíssimos que os redigiram e outros que tiveram a oportunidade de cheirar o aroma das suas páginas só naquele dia? Outros apenas participaram daquela Assembleia Juvenil, na Matola, mas desconhecem os desdobramentos deste manual proibido, tal como fizera o papado em relação à leitura da Bíblia antes de Martinho Lutero lançar as sementes do Protestantismo. — Rematou, Aizeque.

 

— É verdade, meu amigo. É por isso mesmo que até os gestores de associações juvenis estão mergulhados em actos de corrupção, falta de transparência, discriminação no acesso às oportunidades políticas e económicas, barramento de reposta às iniciativas empreendedoras juvenis. Sabe, tudo isso gera, também, como nos adultos, a falta de credibilidade e confiança nos jovens líderes. — Referiu o Jornalista-Estagiário, enquanto vigiava o seu redor.

 

— É tempo de os jovens se levantarem e unir as forças para mudar o actual cenário que se vive em nossa pátria de Cabo queimado. É necessário melhorar a participação política dos jovens, o ambiente de governação e prestação de contas, a boa gestão dos processos eleitorais, estimular e ampliar os programas de educação e informação sobre os processos políticos e incentivar o uso de novas formas de comunicação, para sairmos deste beco quase sem saída!

 

— De facto, Androide. — E desatou em risos! — Claramente, nós temos tantos documentos e informações para gerar mudanças desenvolvimentistas. Até o Plano de Acção de Implementação da Política da Juventude (PAIPJ) 2020 é, nada mais, senão um manual de receitas e boas intenções que, se não colocado em prática, apenas irá atiçar o nosso apetite, mas a comida necessária para matar a nossa fome, não irá produzir! — Asseverou o Jota.

 

Enfim, os jovens devem, de igual modo, criar mecanismos para desenvolver uma cultura da paz e tolerância para desencorajar a participação em actos de violência, terrorismo, xenofobia, discriminação racial e baseada no género, invasão estrangeira, tráfico de armas e de drogas, tendo em mente que, como assegura Thiago Mota, “nos olhos da juventude estão o destino e a história da nossa humanidade”, da nossa África e do nosso belo e extenso Moçambique, nos quais o seu maior tesouro não são os abundantes recursos naturais, mas sim, os seus jovens!

sexta-feira, 13 agosto 2021 10:25

Os Hospitais de Medellín

Medellín é uma cidade colombiana, a terra onde reinou o famigerado narcotraficante de todos os tempos, Pablo Escobar. Lá, morrer por bala perdida não era ou não é problema. Em tempos, andar pelas ruas de Medellín e chegar com vida em casa era demasiado sortudo. É o mesmo que acontece em alguns Hospitais da Pérola do Índico, caso estejas doente ou em serviços de pronto socorro. A diferença é que lá morriam por bala perdida e aqui é por vontade perdida de alguns profissionais de saúde. 

 

Não sei porquê, mas parece que ficamos satisfeitos em apresentar estatísticas de maior número de óbitos ao invés de pacientes que chegaram graves e melhoraram. Assim, considero que seja importante repensar nas nossas estatísticas! E aliado a isso, aos nossos Hospitais, onde por um mau olhar pode ser prenúncio de uma eutanásia ilegal, que devido a este espírito Medelliano dos tempos de Escobar, dia após dia, acompanhamos pessoas a morrerem ou sendo tratadas como experimentos laboratoriais.

 

Alguns Hospitais de Moçambique são autênticas ruas de Medellín, embora lá fossem balas ou bombas que tiravam a vida, aqui é a negligência, corrupção e incompetência que te atiram a sete palmos do chão, porque para alguns profissionais do sector, o maior valor não é a vida, mas sim o dinheiro!

 

Nos corredores das salas de parto, quantas mulheres deixam, diariamente, o mundo dos vivos pela vontade perdida da Enfermeira ou do Médico, como se de bala perdida se tratasse. Que o digam as famílias das mulheres que tombaram nas salas de parto de Lichinga, Nampula, Pemba, Quelimane, Beira, Matola ou Cidade de Maputo. 

 

Aliás, que o digam também as jovens mães que vêm o seu sonho ir embora porque não tiveram 500 Meticais para pagar ao sistema de corrupção estabelecido em alguns Hospitais em situação de ameaça de um aborto – é mesmo Medellín, a diferença está no mecanismo usado para que a pessoa morra ou tenha sequelas graves!

 

Ademais, neste tempo da pandemia da Covid-19, a situação piorou, pagas por tudo e mais nada – o sistema sofisticou-se, paga-se para ter espaço no respirador ou aparelho de oxigênio. Se o bolso não pesa, meu amigo e minha amiga, sem demora, o teu corpo é que irá pesar no saco da morgue, e de lá para o caixão. 

 

Portanto, há que colocar um ponto final nos funcionários dos Hospitais de Medellín, que circulam pelos corredores vestidos de cores de paz e esperança, enquanto, na verdade, adoram a cor do diabo e seus hábitos, ver as pessoas a definharem no Banco de Socorro, por não terem dinheiro, ao passo que ele, finge trabalhar, com uma caneta e um papel, para preencher os dados e depois, de forma manhosa, soltar: “Espera, o Doutor está a vir!” Na verdade, o referido Doutor encontra-se a dormir ou a amantizar com uma colega na cama onde deverias estar!

 

Quem nos pode responder: Quantos morrem, por dia, nos corredores dos nossos Hospitais, que se transformaram em ruas de Medellín nos tempos de Escobar!?

 

“O nosso maior valor é a vida” – Lema do nosso Ministério da Saúde... Que seja mesmo e não o dinheiro...!

Quando informações vindas do exterior e amplamente divulgadas pela média independente indicavam a recuperação da vila-sede do distrito de Mocímboa da Praia pela Força Conjunta, formada por soldados moçambicanos e ruandeses, assistiu-se a uma corrida dualista acirrada pela reivindicação da autoria do sucesso. Se por um lado, o Ministério da Defesa de Moçambique com apoio aparatoso dos órgãos de comunicação estatais redobrou esforços tardios para reivindicar o protagonismo das Forças de Defesa e Segurança (FDS) no teatro de operações, estes esforços esbarram-se com uma crítica fundamentada da irreverência das tropas ruandesas. A verdade é que foram necessários quase 12 meses para expulsar o grupo extremista Ansar al-Sunna de Mocímboa da Praia (ocupada em Agosto de 2020), e que conquistas expressivas de aldeias passaram a ser notadas com a entrada no teatro de operações das forças ruandesas.  

 

A este debate dicotômico juntam-se académicos, analistas e comentaristas, todos munidos de argumentos para defender uma das duas posições acima apresentadas. Uma autêntica campanha foi instalada para influenciar a opinião pública.  “A quem atribuir o mérito pela recuperação de Mocímboa da Praia?”, não deve e não devia ser o principal objecto de análise neste momento, sobretudo para a comunidade académica e para o Estado.  

 

É inquestionável que a recuperação de Mocimboa da Praia reveste-se de uma importância geoestratégica, e não é minha intenção diluir tal relevância. No entanto, esta recuperação é ainda mais importante por abrir possibilidades para a compreensão mais ampla do extremismo no Norte de Moçambique. Durante um ano o Estado Moçambicano perdeu um pedaço da sua soberania; Mocimboa da Praia esteve sob gestão directa dos grupos extremistas que eventualmente, podem ter instalado um sistema de gestão territorial, uma lógica de organização social e produtiva; e ainda mais importante, a operacionalização das doutrinas fanáticas islâmicas - sharia (lei islâmica), cujos contornos e fundamentos são pouco conhecidos para além de breves mensagens propagandísticas difundidas pelos grupos. Adicionalmente, ao nível da literatura não existe consenso sobre as variáveis motivacionais que fazem com que os jovens adiram a grupos radicais, apesar de apontar factores de vária ordem, nomeadamente psicológica, ideológica, cultural, política e socioeconómica.

 

O território recuperado de Mocimboa da Praia é uma amostra importante para compreensão das variáveis que estruturam o fundamentalismo islâmico de/em Moçambique. Compreender estes aspectos é essencial para informar as soluções não militares que se pretendam desenvolver para fazer face ao avanço do extremismo violento. Há cada vez mais vozes que que defendem uma solução negocial para acabar com conflito, no entanto, estas pretensões esbarram com uma série de questionamentos: como identificar os interlocutores moçambicanos da contraparte terrorista; seus interesses e aspirações; que contrabalançam colocar na mesa de negociações em comparação aos incentivos para a radicalização; a natureza de cedências esperadas no campo político, social e económico por parte do Estado?

 

Até então, o manancial teórico e empírico de respostas às questões acima colocadas para além de ser limitado, baseia-se em estudos exploratórios, em progresso e premissas frágeis. A recuperação de Mocimboa da Praia representa uma janela de oportunidade para aprofundar este conhecimento e solidificar, ajustar e modificar as premissas que possam informar as soluções não militares para o conflito em curso.  No entanto, isso só é possível com uma maior abertura por parte do Estado Moçambicano para a academia, os média, e outros actores relevantes nacionais e estrangeiros.  Por outro lado, é extremamente importante que na análise deste fenómeno as ciências sociais comuniquem-se. As ciências políticas precisam de comunicar-se com a sociologia, a história, antropologia; a geopolítica com a economia; por aí em diante. Fica aqui o convite para um debate mais amplo, para lá das conquistas militares no teatro de operações.    

terça-feira, 10 agosto 2021 14:53

Carta a Yolanda Xikani

Sou mulher como tu, Yolanda! Sou chopi, com o mesmo sangue que circula nas veias de Xeny wa Gune. Vibro também - em todo o corpo - perante o abalo da makharra, dança dos meus antepassados e de todos os chopi como Xeny, esse rapaz gingão que me arrebata em cada baqueta gotejando luz por sobre a timbila. Sabias disso? Eu sou a mathxathxulani (animadora das orquestras de timbila) vituperada nas noites quentes de m,saho (festival dos chopi). Mesmo assim, minha alma continua a sublevar-se em cada golpe.

 

Sou mulher como tu, Yolanda! Vagueei descontrolada em muitas etapas da minha vida, sem saber que um dia havia de te conhecer, e que a tua música viria esbater a peste que sou, mas também como é que havia de saber! Caí nas mãos de um homem que usa a rampa do amor como alambique do veneno, tornou-se carrasco de mim e transformou as palavras em guilhotina, mata-me aos pedaços.

 

Yolanda! A tua música (Ni karate), que cantas contra as feridas despontadas em cada açoite do homem que amas, afinal quem canta essa lírica ensaguentada, sou eu. Vestiste a minha pele e vieste cá fora gritar a dor que me calcina, e não me canso de te agradecer. Passei este tempo suportando o ultraje. Fui esvaziada até ao esgoto, transformada na própria bosta, até hoje em que a tua música chega como as labaredas da libertação.

 

Agradeço-te sem parar nesta hora da fuga, Yolanda. O caminho que se escarrapacha diante de mim, com ténue aurora no fundo, é a mensagem - não tenho dúvida - de que devo continuar a atravessar esta estepe, e o sábio já dizia: nunca pares de correr quando estiveres a atravessar o inferno, e eu recuso-me a olhar para trás, onde passei a vida a ser achincalhada. A ser vergastada nas feridas vivas.

 

Yolanda! Eu sei que nenhuma destas palavras é nova para ti, porém reconforta-me saber que me ouves no silêncio, isso dá-me uma imensa sensação de bem estar, é como se eu fosse uma criança acolhida nesse teu peito que bate incansavelmente ao som das claves. E como se tudo isto não bastasse, eis que vens cá fora cantar as minhas dores, vestindo por inteiro a minha pele enxovalhada sem fim.

 

Obrigada, Yolanda, por essa música (Ni karate), dolorosamente linda!

segunda-feira, 09 agosto 2021 13:28

Prisioneiros de guerra

Em tempos infantojuvenil era normal que no regresso à casa, vindo das instalações do Grupo Desportivo de Maputo (GDM), e já o dia anoitecera, a malta da minha zona (Bombeiros) entrava sempre em confronto com a malta do Prédio Isolado (PI), paredes-meias com o GDM, e que hoje, face as construções vizinhas, seria certamente a malta do Prédio no Interior. Era um confronto preparado minuciosamente pelas partes, assinalando que nós (Zona dos Bombeiros - ZB) aprofundávamos as tácticas defensivas e eles (PI), grosso modo, as de emboscada. As escaramuças tinham lugar na parte frontal do PI, nas imediações do “prédio 33 andares”, que era, na altura, um pequeno mato de girassol.   

 

Um certo dia, e mais um de confronto, nós, a malta da ZB, conseguimos fazer um prisioneiro - por coincidência frequentava a mesma escola que a minha – encontrado bem escondido, e todo aterrorizado por ter sido descoberto entre a mata de girassol. Lembrar que nesse tempo (anos 80), na Pérola do Índico, os direitos humanos não eram tidos e nem achados. Por algum instinto, talvez pela ligação escolar, intercedi, e com sucesso, junto aos mais velhos para que o perdoassem e o libertassem sem um aranhão. Não fora um exercício fácil, pois entre a malta havia alguns com desejo de vingança face a sevícias sofridas em situações análogas.

 

Uns anos depois, cruzo com o liberto em companhia de seus pais e este fez questão de apresentar-me aos seus pais, destacando que era o tal que participara na sua detenção e intercedera para a sua libertação. Foi um (outro) momento mágico quão o da libertação. Até hoje, eu e “ex-prisioneiro de guerra”, e sempre que nos cruzamos, a par dos cumprimentos, paira no ar a presença indelével desse dia, o da libertação, e creio que tenha sido igualmente o da cessação definitiva das hostilidades, avaliando que as confrontações deixaram de acontecer desde então.   

 

Este episódio veio-me à memória neste final de semana com a tomada de Mocímboa de Praia. Aliás, amiúde tem sido assim quando acompanho as comunicações dos sucessos das forças ruandesas e as moçambicanas (nas palavras de Kigali) - ou os sucessos das forças armadas moçambicanas e as ruandesas (nas palavras de Maputo) - quanto ao avanço contra os terroristas em Cabo Delgado, pois noto apenas o registo de mortes e a completa ausência de prisioneiros (de guerra) do inimigo nas estatísticas/comunicações das duas partes da força conjunta. O mesmo com as comunicações dos terroristas. Aliás, e já agora, fazendo jus a crítica sobre a comunicação oficial da evolução dos acontecimentos no teatro de operações, esta (a comunicação) não deveria estar, em primeira mão, sob a alçada das autoridades de defesa de Moçambique? Ou no mínimo que ela fosse de forma conjunta quer presencial, em conferência de imprensa, quer por outros meios, nomeadamente tecnológicos.

 

Mas é de prisioneiros de guerra de que falava. Do pouco que saiba, o facto de fazer, manter e libertar/trocar prisioneiros de guerra é um sinal de abertura/proximidade (e também, e sobretudo, de humanidade) que, por experiência própria, acredito que seja uma forma de alimentar condições que também possam concorrer para a cessação das hostilidades. Por enquanto, do conflito em Cabo Delgado, o único prisioneiro de guerra que se conheça é o próprio Estado moçambicano, restando apenas que se saiba quem o prendeu, o retém e o libertará? Oxalá um dia, e tal como eu fora, o Estado moçambicano apresente-o aos seus pais, o povo moçambicano. 

segunda-feira, 09 agosto 2021 06:53

O “Feiticeiro da Pátria”

A 25 de Junho de 1975, o Estado Moçambicano era fundado, após uma longa luta de libertação movida pela brava juventude daquela década de incertezas, massacres e desumanização. E foi concretamente em Cabo Delgado, hoje em chamas, onde a corrida pela liberdade ganhou uma dimensão revolucionária do tipo Marxista, uma luta entre opressor e oprimido, operário e senhorio – o feiticeiro daquele tempo, vencido e expulso do jovem País, Moçambique. Deste modo, vencia-se o feiticeiro que perdurou por vários anos – o Colonialismo!

 

De 1975 a 86, o País esteve sob a liderança do então Presidente Samora Machel, um homem multifacetado e preparado para os desafios do seu tempo, apesar dos pesares. O País tinha um líder que sabia aparecer para o seu povo. Contudo, durante aquele período, começava uma nova feitiçaria no País, a Guerra Civil, que levou 16 anos de sofrimento, mortes e deslocações massivas da população para os países vizinhos, como Malawi, Zimbábue, entre outros. Exigia-se, por conseguinte, uma mudança de paradigma, pelo menos, é o que os historiadores nos dizem. Queria-se a Democracia, a Parlamentar ou Representativa porque, segundo os teóricos do sistema, a Popular ou Guiada já estava em funcionamento.

 

Durante aqueles anos, muita coisa foi destruída, que embora viesse da feitiçaria anterior, os feiticeiros da década 70, 80 e 90 queimavam a casa para matar a cobra. Foi assim que fábricas renomadas foram sabotadas e utopistas do tempo foram exterminados em campos de reeducação, típico de um sistema totalitário. Nesse contexto, a busca por uma ideia de nação exigiu sacrifícios extremos aos que tinham a vassoura mágica para combater o feitiço que atormentava os moçambicanos – a Guerra Civil!

 

Embora esse fosse o mais visível, existiam outros tipos de feitiços que reinavam na Pérola do Índico, como fome, miséria, analfabetismo, ignorância, tribalismo extremo, entre outros males. Ademais, a situação ganharia outros contornos com a trágica morte do Presidente Machel, em 1986. Neste ano, o País perdeu um líder.

 

Em meio à tempestade, entrou um novo dirigente, Joaquim Chissano, com a dura missão de acabar com o feitiço que dia-a-dia destruía famílias e sonhos. Felizmente, seis anos depois, chegou-se a uma solução para colmatar a feitiçaria reinante, encontraram-se em Roma e assinaram o Acordo de Paz, o qual permitiu a realização das primeiras Eleições e a transição de uma fase para outra, de Democracia Popular ou Guiada para Democracia Representativa ou Parlamentar.

 

Foi neste período que se evidenciaram as “cabeçadas” dos bons filhos, que trabalhavam fora do País – o caso dos “Madjermanes”, que se instalaram, activamente, os novos feitiços da nação – cabritismo/corrupção, nepotismo e assalto agressivo das riquezas do povo, havendo até alguns que abriram hotéis fora do País, enquanto dirigentes máximos da nação, onde os melhores pratos eram os nossos mariscos, que saiam directamente do mar para os frigoríficos da Torre Eiffel – na terra de Napoleão Bonaparte.

 

E a saga continuou! Falava-se mais do que se fazia. Entretanto, o saque foi intenso – os feiticeiros eram tantos, que chegaram a ganhar as eleições, apesar de terem perdido em quase seis províncias, entre elas, as mais populosas, como Zambézia e Nampula. Contudo, pacificamente, houve uma passagem da vassoura mágica, em 2004. Entrava em cena um novo homem – que usou dos poderes mágicos para intensificar o crescimento e desenvolvimento do País.

 

Embora já vivesse ciente dos problemas provocados na palhota dos antigos feiticeiros, desde os tempos da luta de libertação, o homem entrou com os pés no chão e começou por mandar aos calabouços alguns feiticeiros que nadavam nos cofres (des)controlados do Estado – numa era da impunidade, eram anunciados casos de Ministros envolvidos em grandes cabeçadas ao povo.

 

Foi uma era que aparentava que a feitiçaria havia abandonado a Pérola do Índico. O povo corria com Chamas de Unidade Nacional do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico – corpos e línguas diferentes se entendiam. Era bonito ver o xingondo, que tanto era banalizado nas décadas passadas, a ter facilidades e o maxangana, que pelas bandas do Centro e Norte era combatido, a ser acarinhado – até parecia que Deus havia expulsado o Lúcifer das nossas terras!

 

Entretanto, cinco anos mais tarde, tudo viria a mudar – o velho feitiço voltou – o som das armas regressou a imperar no solo pátrio. As pessoas e os automóveis tinham que ser escoltados para circularem pela EN1. A coisa estava feia, alguém tinha destapado a panela do feitiço. Entretanto, em meio às consultas, aqui e acolá, um tempo depois, encontrou-se uma saída.

 

O feitiço da guerra foi-se e descobriu-se um outro – as dívidas odiosas, contraídas com um objectivo, mas haviam sido usadas para acomodar outros interesses, entre eles, carnais e de gula. Embora em certos circuitos a abordagem sobre o assunto seja outra, a intensidade deste feitiço afugentou os outros feiticeiros da cooperação internacional. E com isso, descobriu-se um poço de raízes venenosas da feitiçaria moçambicana – a famosa corrupção cabeluda. O caso gelou o País e os bons amigos foram-se embora. As saborosas tâmaras do deserto cultivadas e distribuídas pelo mágico Armando Guebuza foram queimadas.

 

As boas coisas, outrora realizadas, foram momentaneamente questionadas e estranhamente esquecidas – porque o feitiço verificado era maior – 2.2 mil milhões de dólares norte-americanos. O caso foi parar nos tribunais nacionais e internacionais. A missão do mágico tinha de terminar.

 

Em meio à tempestade agressiva, que a fragata enfrentava, tinha que se encontrar um novo mágico – e, em 2015, chegava ao poder Filipe Nyusi, com um discurso mobilizador no dia da tomada de posse. As pessoas já acreditavam que seria, desta vez, que chegariam à Canaã e as cebolas do Egipto seriam esquecidas. Contudo, não foi o que se viu, dias depois – mexeu-se no “mágico de Sofala” – a mamba verde, segundo o jurista André Thomaussen. Atacou-se à base do “mágico de Sofala” acordando, assim, o feitiço das armas.

 

Dias depois, uma nova feitiçaria ressurgia nas cidades, o baleamento de figuras incómodas ao regime, sequestros e espancamentos aos políticos, académicos, activistas, jornalistas, enfim – chegava o novo feitiço – o medo de ser morto, por pensar e ser diferente. Associada a estes problemas, o País viveu situações complicadas com fenómenos naturais de magnitudes proféticas, como o Idai e o Kenneth, a destruírem cidades e províncias.

 

Porém, enquanto isso, os males como a corrupção, a criminalidade organizada, a pobreza, os fenómenos naturais, a desnutrição crónica, entre outros, intensificaram-se. Um grupo de homens estranhos e desconhecidos, pelo menos publicamente, começava com uma etapa de horror e destruição na Província de Cabo Delgado, terra natal do “mágico no poder”.

 

Neste interlúdio, a Pérola do Índico passou a viver diante de uma nova feitiçaria – o terrorismo e a violência extremista nos distritos de centro e norte de Cabo Delgado. Por três anos, o caso era tratado como mais um assunto de roubo de galinhas, mas logo se percebeu que o problema era cabeludo e complexo – tinha que se aumentar as vassouras mágicas para debelar aquele mal.

 

Correlacionada à nova realidade, ressurgiram, intensamente, novos feitiços, como narcotráfico de heroína, metanfetamina, cocaína, ópio, entre outras, lavagem de dinheiro, tráfico de órgãos humanos, escândalos sexuais, neocabritismo, pobreza aguda, detenções arbitrárias, execuções sumárias, julgamentos falseados, falsas seitas religiosas, assassinatos públicos, sequestros em tudo que é canto, conflitos políticos no Centro do País, entre outros problemas, que verificados, demonstram que as vassouras mágicas da nação precisam de ser exorcizadas ou actualizadas, porque as mesmas aparentam ter perdido suas propriedades reais.

 

Estranhamente, certos filhos que demonstravam ou demonstram estar com os novos poderes mágicos ou morrem/adoecem e alguns, simplesmente, desistem de lutar pelos seus ideais. A situação é mesmo essa, é que o vitalismo africano defendido por Placides Tempels vem demonstrando outras nuances na Pérola do Índico, onde a força mágica carece de uma actualização urgente e eficaz, porque a arte do improviso mal feito assumiu o controlo da poltrona do juiz, que parece estar a confundir o Direito com Curandeirismo.

 

Portanto, os moçambicanos precisam de estar unidos para vencer este velho feitiço que acompanha a pátria – a guerra, pois, ela alimenta os feiticeiros da nação, que são os senhores da guerra que se alimentam do sangue de inocentes e ficam satisfeitos com a dor de uma mãe que vê o seu filho degolado; morrer na fila do hospital por não ter dinheiro para pagar uma sopa ou comprar comprimidos; comer capim porque há stress alimentar; morrer na fila burocrata do tribunal, em busca da justiça, que o diga o velho Chandracant que tanto lutou por um bem conquistado e morreu lutando por ele contra malandros vestidos de fato e gravata; crianças que crescem num País rico, mas vivem minguando por um pão e uma carteira para se sentar e estudar condignamente, enquanto o chinês fotografa, com máquinas rebarbadoras e camiões com atrelados, às nossas florestas, como escreve o Janato Janato, e muito mais.  

 

Enfim, a pátria precisa de evitar novos feiticeiros que festejam com a morte ou queda de um adversário político ou um homem de bem!