Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta do Fim do Mundo

terça-feira, 16 novembro 2021 08:36

O difícil caminho para a nossa realização

 

Uma das variáveis de desenvolvimento de uma sociedade é o grau de incerteza no seu dia-a-dia por parte dos seus membros. A possibilidade de de repente acontecer alguma coisa desagradável e desastrosa que ponha em causa a sua existência, da sociedade ou deite a perder todo um projecto social, ou os seus valores e percurso. Quanto maiores ou muitas forem as incertezas no dia-a-dia, menos desenvolvida será essa sociedade; menor será a estabilidade emocional, social e económica. Olhe-se para as sociedades desenvolvidas. Não há nenhum investimento, individual, colectivo, institucional ou social,  sem o controlo desta variável. Ninguém investe sem ter a certeza de que se não vai ganhar o dinheiro que projecta, pelo menos não vai perder o seu capital inicial, de investimento; isso seria o que os outros chamam de haraquiri!

 

As sociedades primitivas eram cheias de muitas incertezas, não tinham os instrumentos e mecanismos de que nos servimos hoje para reduzirmos as incertezas: o conhecimento científico, a ciência e a racionalidade! Instrumentos que nos permitem aferir o grau de risco de qualquer empreitada que pretendermos desencadear. Dependiam grandemente da natureza, pouco sabiam dos estudos de viabilidade, dos cálculos de risco, das previsões meteorológicas, se vai chover ou fazer muito calor, se haverá seca prolongada ou precipitação normal, ciclones ou vendavais e quais os efeitos disto ou daquilo.

 

Hoje, as sociedades desenvolvidas são aquelas em que o grau de incerteza é muito menor; o risco é calculado, é especulado. Nas sociedades desenvolvidas, quando os indivíduos se dirigem a instituições do estado, mas não só, sabem muitas vezes que tratamento vão encontrar. Quando chega o fim do mês, sabem quais as facturas e mais ou menos as despesas que têm que pagar (entre nós, nunca se tem a certeza do valor da factura de água, ainda que seja aproximada; tanto pode vir 100 como mil meticais). Quando saem à rua, sabem, mais ou menos, o que vão encontrar, tipo não serem assaltados de qualquer maneira, chatices desnecessárias do agente de trânsito, estradas partidas que podem danificar o carro, POS e ATM que não funcionam, lojas onde só se paga a cash, etc., etc. Portanto, incertezas atrás de incertezas!

 

O nobre dia da “Cidade das Acácias”, 10 de Novembro, coincide com a data de aniversário da minha esposa. Feliz coincidência, porque, assim, temos o feriado para todo o tipo de actividade que possamos ter programado. E de facto tínhamos programado o almojantar da ordem. Uma combinação de almoço e jantar: está fora da hora do almoço, mas também ainda antes da hora do jantar.

 

Lá fomos nós a um grande restaurante! Grande. O Casino Polana. Em plena Marginal, nas imediações da novíssima embaixada americana. E em pleno século XXI! Tudo correu às mil maravilhas… menos a sessão de encerramento. Lá veio a conta, conferimos, batia certo e lá pedimos a tal POS. Com uma voz trêmula, menos convicta, o servente que nos atendera muito bem e sempre com voz carinhosa, diz-nos que “POS não está a funcionar…” - e, cabisbaixo, acrescenta que “... aqui na porta de saída tem uma ATM em que podem ir levantar o valor…”

 

Não lhe escondi que não tinha percebido, tamanha era a surpresa que a informação que me estava a ser dada causara. Repetiu, visivelmente embaraçado. Também ficamos bastante embaraçados. Um dia especial estava a ser beliscado… mas para não estragar tudo, lá me levantei, bastante contrariado, para a tal ATM, para ir pegar o taco. As tais incertezas! Você nunca sabe o que lhe pode acontecer. Mas nem era tudo!

 

Outra surpresa das surpresas desagradáveis, num ápice o cartão é engolido! A máquina nem sequer deu chance para digitar o código!… Imagine-se como se fica nestas condições. Uma tarde que estava a correr lindamente, romântica, estava a terminar desagradavelmente. Algo completamente imprevista. E assim ficou marcada aquela data querida.

 

A pergunta é: como pode um restaurante de luxo, em plena Marginal, a zona A, não ter em certo momento uma POS a funcionar e, para piorar, a ATM? Quer dizer, os muitos cartões com que andamos não chegam para estarmos à vontade, temos que andar com dinheiros e dinheiros nos bolsos com todos os riscos: a tal incerteza!

 

É isto que é a nossa sociedade: cheia de surpresas acima de surpresas no dia-a-dia. Prenhe de incertezas. Você nunca sabe o que lhe pode acontecer ao sair à rua. Como podemos desenvolver o país assim? Como podemos investir nestas condições? Para investirmos, precisamos de economizar e para economizar, precisamos de ter certeza das despesas do mês. Ou seja, de certeza e não de incerteza. Se você nunca sabe o que vai pagar ou não ao fim do mês, como vai calcular o que pode ou não investir? As estradas estão sempre a partir o carro; a factura de água está sempre a variar; você pode ser assaltado, ou raptado a qualquer momento… as POS e ATM embelezam a cidade, no momento certo, dão dores de cabeça…

 

Vamos em frente, irmãos… isto não será o Governo a resolver!

sexta-feira, 12 novembro 2021 07:37

Lourenço Marques

Não sei o que acontece a alguns espíritos, sobretudo aqueles dotados de cultura e inteligência, sensibilidade e mundo, quando fazem proclamações exacerbadas e despudoradas sobre a vetusta Lourenço Marques. Quando se arrogam a esse desplante.

 

A desenfreada apologia de Lourenço Marques é uma afronta que deve merecer a mais vigorosa censura. Há um dever de memória que é preciso exercer quando se fala do passado que foi, para a maioria dos moçambicanos, negros ou não brancos, demasiado penoso, na antiga cidade de Lourenço Marques, mas não só.

 

Esta impetuosa mania de celebrar Lourenço Marques não decorre de uma amnésia. É acintosa, é ostensiva, é provocatória. Este triunfal vitupério do nosso passado é inadmissível. Principalmente quando exercido por aqueles que se querem igualmente moçambicanos.

 

Ouvir dos que foram coagidos, pelos ventos da História, a abandonar Moçambique, o seu desprimor por Maputo, a sua mofina, não me parece extraordinário e é até expectável. Conheço muitos que se recusam a chamar de Maputo a capital moçambicana e insistem em designá-la de Lourenço Marques. Mas aqueles que insistem, entre nós, com seus panegíricos à Lourenço Marques, aí, simplesmente, acho abominável. E não me coíbo de o dizer.

 

Não me recuso a aceitar a realidade, nem a ouvir as críticas. Eu também as faço. Mas há uma diferença entre Lourenço Marques, cidade colonial, e Maputo, capital de um país independente. Divergem em tudo: na economia, na política, na sociedade ou na cultura. Não são a mesma coisa, nem representam uma continuidade. Há uma importante disrupção com o 25 de Junho de 1975. Esses bons espíritos laurentinos que por aqui lavram não o entendem?

 

Eu posso até subscrever o retrato de uma dura realidade da cidade, que é a nossa, hoje, da nossa incapacidade, do nosso desgoverno, da nossa incompetência, da nossa displicência, do nosso descaso. Percorro todos os dias a cidade e sofro com isso.

 

Igualmente não me chocam os retratos que os forasteiros fazem de Maputo, com o olhar que é deles, que difere necessariamente do meu, mas embirro quando certos portugueses, ao assomarem a Maputo, venham logo proclamar estar em Lourenço Marques. Implico ainda mais com aqueles moçambicanos que continuam a proclamar que o melhor que Maputo tem é Lourenço Marques. Fazem-no disfarçadamente alguns. Outros tantos de forma desbragada.

 

Então alteiam loas à sua vida, mansa e tranquila, na velha Lourenço Marques, omitindo algo decisivamente importante: que era Lourenço Marques a não ser uma cidade colonial e discriminatória? Lourenço Marques era politicamente excludente. Quem nela vivia? Como era a sua paisagem humana? Nós todos cabíamos lá? Perguntem-me onde nós vivíamos. Como vivíamos. Quem éramos. Como éramos. Onde estamos nesses encômios?

 

Esta é a Cidade de Maputo. Não é mais Lourenço Marques. Alguns destes nostálgicos de Lourenço Marques são próximos de mim. Mas tenho que ser severo, ríspido e enérgico com eles. Essencialmente com eles.

 

Maputo, 10 de Novembro de 2021

terça-feira, 02 novembro 2021 09:39

Afinal, onde é que nós estamos a investir?

Graças a um grande amigo e a um amigo do meu filho, este fim de semana tive o grande prazer de ir viver um Chibuto que, apesar das minhas mais de cinco décadas de existência, ainda não tinha vivido, melhor, curtido, como sói dizer-se. Eu que sou chibutense de gema, natural de Malehice e criado em Chipadja!

 

Pode ser por azar meu que ao longo destes tempos todos não tenha tido oportunidade de curtir a minha cidade natal. Pode ser. Mas não foram poucas as vezes que estive por lá, são incontáveis na verdade. Mas agora, o Chibuto que me foi dado ver pareceu-me um pouco mais agitado; se calhar também porque o Chefe de Estado abriu um pouco para os convívios sociais depois de cerca de dois anos de contenção e a tendência é de… recuperar o tempo perdido.

 

O meu amigo convidou-me para um casamento da sua sobrinha; enquanto o amigo do meu filho convidou-me para cortar bolo com o pai dele que, como eu, completara anos há dias desse Outubro que já se foi. Lá nós fizemos nós à nossa lamentável N1 - sobre a nossa "auto-estrada", já escrevi alguma coisa que tarda em ser tida em consideração. Entre outras coisas, queixava-me de ao longo da via não haver chapas que ajudem a saber onde se está e quanta distância mais falta para certos pontos. Para meu azar, até a chapa que indicava que se está a entrar para a província de Gaza, ido de Maputo, ali em Incoluane, já não está mais lá… só andar, não sabes se ainda estás numa província ou já estás noutra!

 

Mas voltemos ao nosso Chibuto. Cerca de 10 horas daquele sábado, lá estávamos nós nas ruas de Chibuto. Tanta agitação nas artérias como aquela, só se via quando o Moçambola escalava aquelas “lides”, quando o saudoso Clube do Chibuto recebesse o seu adversário! O dia em que houvesse jogo em Chibuto eram enchentes de toda a ordem, toda a gente da província e das vizinhas ia lá parar. Como dirigente desportivo, desloquei-me várias vezes para acompanhar os jogos do nosso Campeonato Nacional.

 

Naquela manhã de sábado, era um pouco a mesma coisa. Caravanas para aqui e para acolá pelas parcas ruas e ruelas de Chibuto, buzinadelas, sessões de fotografias aqui e acolá. A entrada do Registo Civil, bem como as ruas adjacentes estavam bem apinhadas de senhoras em vestidos de casamento e de gente de fato e gravata. Nem havia distanciamento social ali!...

 

Tratava-se de casamentos. Tanto quanto nos foi feito saber, havia pelo menos três casamentos, a um dos quais eu era convidado. Decorreu a cerimónia do registo civil e, depois de umas voltitas pela urbe, fomos desaguar no… Desheng Comercial (Golden Peacock Resort Hotel)! Um imponente hotel que os chineses construíram na então pacata cidade de Chibuto e que faz dele não mais pacata!... vinte e dois quartos standard, três casas tipo três e quatro casas tipo dois - portanto, 39 camas no total. Além de hotel, tem um grande super-mercado, com tudo lá dentro, uma série de lojas, padaria e uma bomba de combustível. Consta que pessoas de diferentes pontos da província de Gaza vão para ali fazer compras.

 

Aquilo tem espaço que nunca mais acaba! Além do hotel, tem quatro grandes salões de eventos diversos, incluindo casamentos e aniversários, e um espação para quem prefira esticar uma tenda. E os três casamentos foram lá, ordeiramente, realizar-se; distanciamento social observado, tudo organizado.

 

O nosso casamento correu muito bem. Senti-me… como se estivesse em Maputo! É que é em Maputo onde a gente faz de tudo. Ou Maputo, ou as capitais provinciais ou grandes cidades ou vilas… um distrito, não costumamos encontrar grande e bons serviços. Senti-me bem que Chibuto tenha salões de festas dessa dimensão, espaçosas e de qualidade standard. Pena é não serem muitas. Na verdade, não tenho conhecimento de muitos mais salões em Chibuto.

 

Agora, a minha dor e indignação é que este colossal espaço, empreendimento ou infra-estrutura não é propriedade de moçambicanos. É dos chineses! Não que devesse ser só e só de moçambicanos, somos uma economia de mercado, precisamos de investimentos e não nos podemos fechar. Hoje por hoje, o mundo está globalizado e mesmo os moçambicanos podem ir investir… na China!

 

A questão é: afinal, onde é que nós estamos a investir? Onde é que nós investimos? Onde é que nós estamos? Eu incluído! Estamos à espera de quê mesmo! Temos que investir, compatriotas, sob o risco de chorarmos porque os chineses estão a fazer!

quinta-feira, 28 outubro 2021 15:55

Ainda a propósito do MDM (mas não só)

Semana passada, este espaço foi dedicado ao nosso Movimento Democrático de Moçambique - versão portuguesa do Movement for Democratic Change!, que temos na vizinhança. Nada me tira da cabeça que o nosso não teve como inspiração aqueles. Nas nossas linhas, deixávamos grafada a nossa profunda decepção com o “galo” por não ter sido aquele “galo de que estávamos à espera”! A inspiração pelos “movimentos para as mudanças democráticas'' dos vizinhos não passaram disso mesmo, não serviram para um sério aprendizado sobre como organizar e gerir um partido político. A preocupação foi de tal sorte que acabamos não dando o devido tratamento a um outro aspecto muito importante na nossa vida em geral: a forma como elegemos os nossos dirigentes.

 

Voltemos ao MDM, a despeito de que não é somente com o MDM que assistimos a incoerências e incongruências. Tudo entre nós é farinha do mesmo saco! A forma como “aparecem” os nossos dirigentes dentro das formações políticas e não só são histórias e histórias de encher livros.

 

Como todos sabemos, muito proximamente, o Movimento Democrático de Moçambique vai a votos para eleger o sucessor de Daviz Simango. Sabemos igualmente que havia três candidatos, mas que um, o José Domingos, está em vias de ser excluído, alegadamente porque não conseguiu reunir a papelada necessária. A ser verdade que não conseguiu reunir o expediente suficiente, é caso para perguntar: como é que alguém que não consegue organizar papelada pode ser bom dirigente? Um bom dirigente é, necessariamente, uma pessoa organizada, bem planificada!

 

Mas… adiante. Um cenário ideal seria aquele em que os três candidatos apresentassem aos militantes do MDM os seus manifestos eleitorais; aquilo que outros chamam de “compromisso”! Um documento bem elaborado, no qual desenvolvem as suas ideias de governação partidária, de gestão e organização, o que pretendem fazer do e no partido, a estratégia que vão seguir e tudo mais alguma coisa para pôr a turma relevante. E os militantes do partido teriam a oportunidade de ler, conhecer, perceber e debater as ideias dos que pretendem ocupar a cadeira cimeira; e daí fazerem a escolha do que lhes parecer melhor! Seria muito bonito!

 

Nada! Puro romantismo. Não é isto que estamos a ver. Não sei se há algum documento de cada um dos concorrentes. O “manifesto”... que achei mais interessante é de Domingos, que diz que é o melhor candidato a suceder a Daviz porque trabalhou muito tempo com ele. Só e só isso. Ou seja, tudo quanto se propõe a fazer, se for eleito presidente, é copiar o que o falecido lider emedemista fazia… O que ele pensa, o que tem na cabeça, nheto! E o que é que Daviz Simango fazia?… é o que tentamos resumir na crônica passada! Portanto, com Domingos teremos “mais do mesmo”! Por outras palavras ainda, nada de significativo!

 

Mas esta não é apenas trafulhice do Movimento Democrático de Moçambique! É de todos. Grandes e pequenos! E é de quase todas as nossas instituições. Raramente ouvimos falar de manifestos dos candidatos à liderança dos partidos. Nalguns nem há ou deve haver candidatos, os candidatos são candidatados! Bom seria que nos nossos partidos políticos tivéssemos candidatos munidos dos seus manifestos, das suas ideias, das suas propostas de governação e que os militantes tivessem a oportunidade de, livremente, escolherem aquelas ideias que lhes parecerem melhor articuladas, bem conseguidas, adequadas ao momento e aos desafios que o país vive.

 

O partido Frelimo já começou, aquando da eleição de candidatos a edis. Um movimento bastante desusado, em que os candidatos tinham que apresentar ideias, tinham que dizer o que pretendem ir ali fazer. Mas precisa consolidar. Precisa de fazer deste procedimento um método próprio do partido e alargá-lo a todos os outros escalões, incluindo o mais alto. Esperemos é que todos os outros, incluindo a Renamo e outros, enveredem pelo mesmo caminho.

 

Enquanto as nossas instituições políticas e outras continuarem a candidatar os candidatos, teremos tudo menos democracia real e não nos devemos queixar quando os outros nos dizem que a nossa democracia está muitos passos atrás!

terça-feira, 19 outubro 2021 09:24

O que se passa com o MDM?

Nas nossas aulas da escola secundária, os professores começavam por nos ditar o sumário das aulas que iriamos ter nesse dia. Não sei se isso ainda se faz nos dias de hoje. Vou, neste texto, seguir esse método, começar com o sumário o qual não seja: MDM, um projecto adiado! Ou MDM, uma decepção total!

 

A morte precoce de Daviz Simango trouxe a nu a impreparação, a imaturidade, a falta de consistência e de coesão e consequentemente o aborto que não é o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a despeito de um slogan muito bem conseguido que convoca muita crença, patriotismo, confiança, simpatia e adesão - Moçambique para Todos! Este ideal chegou mesmo a atrapalhar as grandes formações políticas e a atrair intelectuais e académicos. Mas… tudo se foi e continua se esfumando!

 

Quando esta formação política apareceu, ficou a expectativa de que seria aquela que iria suplantar uma Renamo que teimava em não ser um partido organizado, estruturado, elaborado e articulado. Tínhamos uma Renamo que aprofundava a desorganização interna, desdemocratizava-se galopantemente e era cada vez mais Dhlakama e só ele. Com o MDM, a democracia moçambicana esfregava as mãos de contente; pensava-se que aquele grupo de jovens empolgados iria verdadeiramente fazer diferença: estaria profundamente comprometido com a democracia, transparência, boa governação, unidade nacional, profissionalismo, maturidade e oportunidade igual para todos os “mdmeiros”, mas também para todos os moçambicanos. E ainda começaram mais ou menos bem, com resultados muito promissores, pelo menos na Assembleia da República.

 

Contra todas as expectativas e muitíssimo cedo, madrugada até, viu-se uma autêntica debandada de muitas figuras políticas de proa competentes, de créditos firmados, que tinham deixado, decepcionados, a Renamo também cheios da convicção de que a nova organização seria totalmente diferente da Renamo de Afonso Dhlakama. Gente que tinha deixado a “perdiz” com todo o entusiasmo de ir fazer um partido sério de jovens, para jovens, moderno, que vá de encontro à expectativa dos moçambicanos de terem uma democracia saudável, com uma oposição organizada, capaz, competente, à altura, democrática e… pura ilusão. Era a segunda decepção. E a democracia moçambicana averbava também é uma vez mais uma violenta derrota… decepção.

 

Afinal a nova organização política tinha aprendido bem o essencial da progenitora Renamo: desorganização, desdemocracia, intransparência, nepotismo, ineficiência, imaturidade e pouco profissionalismo - ninguém jamais se esquecerá da forma como foram constituídas (a dedo do presidente) as listas de candidatos a deputados. Tudo isto receita bastante para o descalabro que se seguiu. Se nas eleições de 2014 tinha conseguido eleger 17 deputados, o dobro do conseguido nas eleições debutantes, em 2009, que foram oito (8), em 2019 registaram uma queda que não deixou de ser estrondosa, cifrando-se apenas nos seis (6) deputados, perto de um terço do que conseguira anteriormente!

 

E eis-nos aqui: numa democracia sem oposição digna desse nome. Organizada, com órgãos a funcionar devidamente - comissão política (ou nacional), comité central (ou nacional), secretariados (do comité central/nacional, provincial, distrital e de localidade), congressos (a realizarem-se regularmente). Todos estes órgãos a funcionarem normalmente e a produzirem ideias úteis. Uma oposição com ciência da sua existência e do seu papel em uma democracia: a produzir ideias alternativas para a solução dos problemas do povo; a criticar racionalmente as políticas e estratégias governamentais. Uma oposição a praticar o evangelho de democracia e boa governação, bem como a transparência! Nada!

 

Além desta profunda decepção, o MDM ainda nos brinda com algo pior: uma inovação no processo de eleição dos órgãos do partido. Estão agora no frenesim de escolher o sucessor de Daviz Simango. O razoável numa organização política normal é os candidatos afirmarem-se através de manifestos políticos, convocar-se um congresso e os delegados, transparentemente eleitos, elegerem os órgãos em causa. O MDM vem com a inovação de que as delegações (secretariados) provinciais, muito antes do congresso, declaram as suas escolhas, os seus candidatos. Já sabemos que Maputo está com Rongwane, Manica com José Domingos e… Sofala com Lutero!

 

Que eleições teremos no MDM? Que MDM teremos para fazer face aos grandes desafios dos moçambicanos? ZIRÔOO!

terça-feira, 12 outubro 2021 07:46

A nossa paz

O antigo Presidente da República escolheu justamente o dia em que o país celebrava o Dia da Paz e da Reconciliação - 4 de Outubro - para, no seu mural no Facebook, fazer um post algo enigmático e de alcance e profundidade extraordinários, tais que não podem passar despercebidos a todo aquele moçambicano minimamente preocupado com o seu país. Como diríamos, usando a linguagem politicamente correcta, a todo o moçambicano patriota.

 

Escreveu Armando Emílio Guebuza que “Paz é quando nós, individualmente, nas nossas famílias, e nas instituições e órgãos formais do nosso Estado, não usamos as nossas posições (políticas, sociais, econômicas, ou de qualquer outra natureza) para produzirmos, ou projectarmos sobre os outros, um poder disconforme, discriminatório, selectivo…” Frase própria de um bom cultor da língua portuguesa… um poeta! Falou um poeta que, aliás, o é Armando Guebuza. A propósito, para quando mais poesia do poeta Armando Emílio Guebuza, autor de “Os Tambores Cantam”? Ou não teremos mais, o homem poeta foi completamente esmagado pelo animal político!…

 

A frase é de uma profundidade tal - um comentador na página do antigo chefe de Estado diz que se trata de uma “mensagem poderosa” - que precisamos de recorrer à semântica pura, um departamento da linguística, para interpretar e entendermos melhor o seu sentido. Está a dizer, o ex-Presidente da República, que a paz, o sossego, a tranquilidade é quando nós como indivíduos não usamos as nossas posições políticas (dirigentes políticos), sociais (líderes ou figuras de prestígio), econômicas (empresários, ou com emprego bem remunerado), ou outras, nas nossas famílias, instituições e órgãos formais do Estado para arremessar, fazer reflectir sobre os outros situações de desconforto, de discriminação, de exclusão ou segregação. Ou seja, quando não usamos a nossa posição para não deixar à vontade os outros à nossa volta, para não promovermos discriminação seja de que natureza for; não patrocinamos a exclusão e ou a segregação. É isto que o Presidente Guebuza está a dizer.

 

Podemos assumir que o antigo Presidente não quis dizer directamente que não estamos em paz, mas deixar a assertividade ao critério do leitor. E a inferência a fazer das palavras do post é mesmo que não estamos em paz porque não estamos a usar as nossas posições para promover a união, a coesão e a harmonia familiar e social entre os moçambicanos; não usamos as nossas posições para proporcionar o à vontade aos concidadãos (a disconformidade/desconformidade); para não proporcionar oportunidades iguais a todos os moçambicanos e para não incluir a todos na vida do nosso país! Esta é a mensagem clara ainda que não directamente enunciada (statement) do nosso antigo presidente!

 

Mensagem clara e corajosa.

 

Se o Ex-Presidente recorreu, nesta oportunidade, às suas capacidades poéticas para sofisticar a sua mensagem crítica, já no anterior Comitê Central não se fez de velado. Denunciou aberta e duramente o que chamou de ressurgimento do tribalismo dentro do partido de que é membro e foi dirigente, a Frelimo, e, por consequência, na sociedade moçambicana em geral. Pronunciou-se igualmente sobre o que considerou de caça às bruxas de que aparentemente ele próprio estava a ser vítima.

 

Assino por baixo das mensagens do nosso antigo Presidente da República, na totalidade. Hoje por hoje, a proveniência geográfica é informação importante para certas oportunidades. A paz ainda está bem distante da Pérola do Índico - a paz como tal e a paz espiritual. As armas ainda troam, estrondam vigorosas, seja ao nível individual, seja ao nível de estado.

 

Não haverá paz no nosso solo pátrio enquanto tivermos uma sociedade em que se desenvolve uma política de perseguição (mas não sei bem quem está a perseguir a quem), enquanto as famílias não estiverem à vontade, as oportunidades de vida não forem proporcionais para todos os compatriotas; enquanto praticarmos uma sociedade de exclusão, tribalista, de segregação, de discriminação, de nepotismos e de intolerância. Acrescentaria mais: não haverá paz enquanto não nos considerarmos todos moçambicanos, não estivermos reconciliados e não vermos permanentemente nos outros falta de patriotismo e nós os mais patriotas que os outros.

 

Mas nota importante aqui impõe-se. Não deixa de ser bastante interessante que seja quem é a levantar estas questões de fundo, estruturantes e lamentáveis na nossa sociedade. Não uma pessoa qualquer. Uma pessoa que teve tudo nas mãos! Agora, a pergunta inevitável que se (lhe) coloca é: tendo sido ele quem foi, mais alto dirigente do país, líder da sua formação política, que mecanismos procurou ele para que, como disse na reunião partidária, a Frelimo não volte àquela de 62 e para que em Moçambique o tribalismo não volte a ser uma questão que venha ao de cima, fluorescente; para que Moçambique seja declarado livre do tribalismo? Que estratégia encetou ou promoveu para que a exclusão, a segregação, a discriminação e a desconformidade voltem hoje a ser tristemente uma prática a que assistimos todos os dias. Ou durante o tempo em que esteve ao leme estas atitudes não se manifestavam?

 

Os líderes políticos não só devem deixar para os seus povos escolas, hospitais, estradas e pontes, mas devem também deixar uma sociedade de harmonia, de inclusão e em que as oportunidades são proporcionadas de igual para todos os membros da sociedade.

 

ME Mabunda

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