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BCI
quarta-feira, 06 março 2019 07:17

Censura e auto-censura em Cabo Delgado

Não é fácil o dia-a-dia em Cabo Delgado. Como se não bastassem as intermitentes mais reiteradas barbaridades protagonizadas por indivíduos armados ‘sem rosto’ nem motivações conhecidas que têm espalhado terror e morte nos distritos de Mocímboa da Praia, Macomia, Palma, Quissanga, Nangade e arredores da Ilha do Ibo, para além das inexplicáveis detenções de jornalistas e pesquisadores, um outro cenário tem tornado a vida das populações daquela província mais difícil: o medo de represálias, a "centralização" da informação, as constantes ‘movimentações’ de funcionários nos governos distritais, intimidações aos administradores, oficiais e populações das zonas afectadas pelos ataques, bem como as que vivem noutros distritos.

 

O primeiro sintoma de um ambiente de censura e auto-censura é o recurso ao silêncio. Esta é a resposta mais comum quando um jornalista tenta sacar algumas palavras a um funcionário ou a um simples transeunte em Pemba. De fontes oficiais, soubemos que, na província de Cabo Delgado, falar de ataques e seus contornos, seja num evento, estância turística, actividade desportiva ou cultural, ou em debates académicos entre civis, é motivo para entrar em problemas sérios com agentes da Polícia infiltrados em todas as esferas sociais e económicas da província.

 

O ambiente que se vive em Cabo Delgado chega a roçar o insuportável. Nenhum governante, seja ele do distrito ou da província, pode, sem autorização do Comando Provincial da PRM (Polícia da República de Moçambique), falar da situação que se vive naquela província. Se o fizer, sujeita-se ao risco de perder emprego ou ser transferido para outro local! De acordo com as nossas fontes, a detenção dos jornalistas Amade Abubacar e Germano Adriano está relacionada com esta onda de intimidação a funcionários públicos. 

Em Cabo Delgado ninguém desmente que existem dirigentes a quem constantemente são transmitidas ordens para não deixar escapar uma única informação à imprensa, nem “em conversas de bar”! Tentámos entender os motivos dessa atitude, e a resposta foi de que “eles (dirigentes) são orientados a agir assim”. Espantou-nos a alegação que nos foi sussurrada ao ouvido, segundo a qual nos distritos afectados pelos ataques dos insurgentes em Cabo Delgado “um simples soldado raso ou polícia sem qualquer patente tem mais poder que o administrador ou dirigente daquele local, porque pode deter, exigir ou arrancar bens".

 

Boquiabertos também ficámos quando nos foi revelado que tudo o que entra e sai dos distritos afectados pela insurgência deve ser minuciosamente inspeccionado e, em caso de qualquer suspeita, segue-se um rigoroso interrogatório. Quanto às constantes mexidas de funcionários nos governos distritais, as nossas fontes disseram que elas têm por objectivo assegurar a limitação do papel dos dirigentes que entram. Foi-nos explicado que o assunto de Cabo Delgado, a nível da província não tem sido levado tão a sério como deveria, alegadamente porque muitos dos que integram os grupos de insurgentes são pessoas residentes que conhecem bem a realidade das aldeias e dos seus habitantes. (Omardine Omar)

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