Um estudo do Observatório do Meio Rural (OMR), encomendado pelo GAPI (uma instituição financeira de desenvolvimento), defende a necessidade urgente de se definir políticas imediatas de desenvolvimento socioeconómico na província de Cabo Delgado, como forma de conter os avanços do terrorismo.
De acordo com a pesquisa, divulgada esta semana, por aquela organização da sociedade civil, a intensificação do conflito teve um profundo impacto sobre as populações, traduzindo-se na destruição e interrupção de actividades económicas e circuitos comerciais, aumentando a pobreza e a insegurança alimentar.
“A deslocação forçada de mais de meio milhão de indivíduos coloca um forte desafio à assistência humanitária, mas também em termos de reassentamento populacional. A fragilização e abandono do Estado nas zonas de conflito, o aumento da pobreza e do desemprego aumentam o potencial de recrutamento de jovens para grupos violentos”, consideram os pesquisadores João Feijó, António Souto e Jerry Maquenzi, que conduziram a pesquisa.
Assim, para reverter o cenário, os pesquisadores recomendam o alargamento urgente de serviços socioeconómicos, incidindo nas áreas da saúde, educação, mas também de extensão e assistência financeira para reabilitação de actividades económicas. Recomendam também a necessidade de se facilitar o acesso a factores de produção, para o reinício de actividades produtivas.
No documento, de 62 páginas, consta ainda o desenvolvimento de infra-estruturas de apoio à economia local, reabilitando-se vias de acesso, sistemas de irrigação, electrificação e telecomunicações; e a implementação de políticas macro-económicas, descentralizando o orçamento de Estado para os locais mais afectados, alargando a concessão de subsídios, reduzindo a carga fiscal ou intervindo ao nível da taxa de juro, protegendo sectores económicos estratégicos e geradores de emprego.
Também são propostas, a capacitação institucional das organizações do Estado, prevendo a (re)construção de edifícios, fornecimento de tecnologia e formação de recursos humanos, assim como um reforço da transparência e prestação de contas; e o desenvolvimento de espaços de participação cívica, capacitando associações locais, capazes de se constituírem em movimentos de pressão em defesa dos seus interesses socioeconómicos.
Entre os locais a serem implementadas estas acções, constam o distrito de Palma, o Planalto de Mueda, o Eixo Balama-Montepuez, o Litoral Sul, o Vale do rio Lúrio e as zonas periurbanas de Pemba, Montepuez, Mueda e Ibo.
No distrito de Palma, por exemplo, dever-se-á rentabilizar a cadeia de valor do gás, apoiando pequenos negócios nas áreas de hotelaria, restauração e entretenimento, mas também na produção alimentar, agro-processamento, cuidados pessoais e serviços diversos; enquanto no Planalto de Mueda, pode-se retirar proveito de um clima de altitude, com elevada pluviosidade, apostando na produção pecuária e agrícola, assim como pequenos serviços.
Em relação ao Eixo Balama-Montepuez, a pesquisa aponta a rentabilização das infra-estruturas e experiências no agronegócio, procurando integrar milhares de deslocados, apostando na agricultura (de rendimento) e pecuária, no processamento de produtos agrícolas, madeira e mobiliário, na pequena indústria de construção, hoteleira e de restauração, mas também em serviços de transportes, comércio e pequenos serviços diversos.
Já no Litoral Sul, pode-se integrar centenas de milhares de deslocados na economia urbana de Pemba e rentabilizar-se o potencial turístico, apoiando pequenas actividades turísticas e de cuidados pessoais, mas também produção agrícola, pesqueira e pecuária de abastecimento à cidade, serviços de frio e de transformação de recursos pesqueiros e frutas, comércio e serviços diversos.
Por seu turno, no Vale do Lúrio, zona de maior concentração populacional e de pobreza, com elevado número de deslocados, dever-se-á apoiar actividades agro-pecuárias, do agro-processamento, transporte e comércio e pequenos serviços diversos; e as zonas periurbanas (de Pemba, Montepuez, Mueda e Ibo) devem ser priorizadas e constituídas como zonas transversais de intervenção, por serem áreas de concentração de jovens deslocados e desempregados.
Entre os grupos sociais a beneficiar, avança o estudo, consideram-se prioritários os deslocados internos, principais vítimas directas do conflito, que estão privados de meios de subsistência, totalmente dependentes de apoio humanitário e em processo de reassentamento.
Também são prioritárias, as famílias monoparentais, chefiadas por mulheres, particularmente vulneráveis e com efeitos positivos sobre o empoderamento das mulheres, diminuição da fecundidade e da pobreza, aumentando o bem-estar das famílias e prevenindo a radicalização dos mais novos; grupos etnolinguísticos estigmatizados, reduzindo sentimentos de discriminação e o potencial da adesão a grupos violentos.
Devem, igualmente, ser prioritários os jovens, promovendo a respectiva integração social e económica, em particular através de programas de requalificação de mercados periurbanos, tornando mais eficazes as mensagens de apelo à não adesão a grupos radicais.
Referir que os ataques terroristas duram há três anos e já provocaram a morte de mais de duas mil pessoas e a deslocação de mais de meio milhão de indivíduos, na sua maioria provenientes dos distritos de Mocímboa da Praia, Quissanga, Macomia e Muidumbe. (Carta)