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sexta-feira, 30 junho 2023 06:07

Rebelião do grupo mercenário Wagner na Rússia levanta ondas de choque para os estados africanos sobre como gerem a sua segurança - pesquisador

mercenarios wanger min

A rebelião liderada contra o Kremlin pelo chefe das forças mercenárias de Wagner na Rússia na semana passada causou ondas de choque em todo o mundo. Isso também teve impacto em África, onde alguns países, na última década, recorreram ao grupo Wagner para obter apoio de segurança, como é o caso de Moçambique.

 

É do domínio público que, em 2019, os mercenários do Wagner foram enviados a Moçambique para ajudar a conter os terroristas que operam na província nortenha de Cabo Delgado, de onde saíram às correrias por incapacidade operacional.

 

Muitos estados da África estão a lutar contra a insegurança multidimensional.  Isso inclui extremismo violento, terrorismo, insurgência, banditismo, confrontos comunitários, pirataria marítima, violência separatista, sequestro e roubo de petróleo. Neste cenário, actores não-estatais entraram em cena como provedores de segurança.

 

De acordo com o pesquisador Oluwole Ojewale, coordenador de observações do crime organizado na África central no Instituto de Estudos de Segurança com sede em Dakar, Senegal, os recentes acontecimentos na Rússia podem ter três implicações para os países africanos que dependem de grupos armados não-estatais para segurança. São eles: rebelião, aumento dos abusos dos direitos humanos e insubordinação às autoridades militares do Estado.

 

Para o efeito, escreve Oluwole Ojewale, os países africanos envolvidos com Wagner e com a Rússia devem prestar atenção. A rebelião abortada do Wagner oferece lições distintas para os países africanos que convidaram tropas mercenárias para o seu território.

 

Na sua análise, o pesquisador alerta que, às vezes, os exércitos privados podem ser eficazes no campo de batalha. E as milícias podem ser úteis na colecta de informações. Mas a incapacidade das autoridades estatais de controlá-los lança sérias dúvidas sobre sua utilidade geral.

 

″Os estados africanos devem assumir total responsabilidade pela reforma do sector de segurança. Isso deve incluir o reposicionamento das suas agências militares e de aplicação da lei para responder de forma eficaz aos desafios de segurança interna e externa″.

 

Actores não-estatais

 

Os países africanos passaram a depender de actores não-estatais como Wagner para segurança de três maneiras: cooptação de grupos de milícias pelo Estado, a incursão voluntária de grupos vigilantes no espaço de segurança como prestadores de serviços e parceria estatal com mercenários militares privados.

 

Alguns exemplos

 

Em 2015, o governo nigeriano concedeu um contrato de vários milhões de nairas ao Oodua Peoples Congress, uma milícia étnica, para proteger os oleodutos.

 

Sete anos depois, o Senado nigeriano deu apoio legislativo ao contrato de vigilância de oleodutos de 48 biliões de nairas concedido à Global West Vessel Specialist Limited. Esses contratos eram semelhantes à entrega de activos nacionais a gangues armadas para protecção.  Eles foram uma afronta à constituição nigeriana, que dá poder às agências de segurança e aplicação da lei como provedores finais de segurança.

 

O policiamento voluntário para preencher o vácuo deixado pelo Estado é outro exemplo. Um estudo recente mostrou que onde as pessoas se sentem inseguras e desprotegidas, elas encontram formas inovadoras de responder ao crime. Algumas contam com a segurança privada e outras, especialmente os pobres, com mecanismos de vigilância comunitária. O Quénia é um exemplo.

 

O estudo produzido pelo investigador Oluwole Ojewale mostrou que vigilantes desempenhavam funções estratégicas no noroeste da Nigéria. Eles repeliram ataques de bandidos, resgataram vítimas de sequestro e prenderam criminosos. Às vezes, eles também participavam de operações de segurança conjuntas com a polícia e o exército.

 

O Estado de Borno usou a Força-Tarefa Conjunta Civil e caçadores para complementar os esforços militares em operações antiterroristas. Eles estão na folha de pagamento mensal do governo. Mas o envolvimento do Wagner enquadra-se na terceira categoria: parceria estatal com mercenários militares privados.

 

Wagner opera em mais de uma dúzia de países em África

 

No Mali, o Estado optou por fazer parceria com o Wagner para provisão de segurança. Isso foi motivado pelo aumento da insegurança, brigas diplomáticas com a missão de manutenção da paz e a expulsão de forças estrangeiras de contra-insurgência.

 

Na República Centro-Africana (RCA), os mercenários começaram a operar em 2018. Isso ocorreu depois que o governo e Moscovo concordaram em trocar apoio militar russo e armas por concessões de mineração.

 

No fim de 2020, a situação de segurança na RCA deteriorou-se antes das eleições gerais. O papel do Wagner mudou de suporte e treinamento para combate.

 

Implicações

 

A rebelião do Wagner na Rússia tem três implicações possíveis para os países africanos. De acordo com o pesquisador que temos vindo a citar, os estados em que o grupo Wagner está operando podem testemunhar rebelião armada. Em alguns, os militares e a polícia já cederam operações críticas de segurança ao grupo. Por exemplo, na RCA, os mercenários do Wagner permeiam todos os níveis do país.

 

Numa outra dimensão, existe o potencial para um aumento dos abusos dos direitos humanos e da impunidade.  Em países com peugadas do Wagner, as agências relevantes são cada vez mais impedidas de monitorar e relatar abusos nas áreas de operações do grupo mercenário.

 

Uma missão de investigação dos direitos humanos conduzida pela ONU no Mali apurou fortes evidências de que mais de 500 aldeões foram mortos por tropas malianas e mercenários do Wagner.

 

Na CAR, o Projecto de Localização e Dados de Eventos de Conflitos Armados registou 180 eventos de alvos civis envolvendo mercenários do Wagner desde Dezembro de 2020.

 

Insubordinação às autoridades militares

 

A rebelião do Wagner desenrolou-se na Rússia em parte para resistir a uma tentativa do ministério da Defesa russo de colocar o grupo sob controlo do Estado.

 

Isso é um mau presságio para a maioria dos estados africanos nos quais o Wagner opera. Na maioria dos países africanos, os exércitos nacionais estão subordinados ao grupo mercenário. A rebelião do Wagner contra o Kremlin mostra que o grupo pode apoiar elementos discordantes em estados africanos mais fracos para subverter a democracia.

 

Além disso, grupos armados não-estatais poderiam seguir o exemplo do grupo mercenário Wagner e não prestar contas aos militares.

 

Qual é o próximo passo?

 

Os países africanos que convidaram as tropas mercenárias devem rever a sua arquitectura de segurança. Isso deve começar com a dissociação das suas políticas e operações de segurança de mercenários e provedores de serviços de segurança não-estatais. (The Conversation, Oluwole Ojewale, Coordenador Regional, Instituto de Estudos de Segurança, Dakar Senegal)

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