O analista da Capital Economics que segue a economia de Moçambique disse hoje à agência Lusa que o país poderá ter de reestruturar a dívida se as receitas do gás natural liquefeito (LNG) não aumentarem rapidamente.
"O anúncio da TotalEnergies sobre o recomeço das obras é extremamente importante para as ambições moçambicanas relativamente ao gás e às finanças públicas, já que mais atrasos seriam um desenvolvimento negativo por causa do elevado nível de dívida pública do país", disse David Omojomolo, em declarações à Lusa.
"Com os pagamentos da dívida a aumentarem a partir de 2024, uma reestruturação parece inevitável se as receitas do gás não aumentarem rapidamente, e mesmo assim os riscos de um Incumprimento Soberano vão provavelmente continuar elevados", acrescentou o analista britânico.
Em causa está o aumento dos pagamentos dos títulos de dívida soberana de Moçambique a partir do próximo ano, na sequência da reestruturação da dívida da Ematum, que foi convertida em dívida pública no seguimento do escândalo das dívidas ocultas, no final da década passada, e que já sofreu uma alteração nos termos, adiando o início dos pagamentos em troca de uma taxa de juro maior.
Assim, Moçambique vai ver o custo de servir os títulos de dívida com maturidade em 2031 aumentarem de 5% por ano atualmente, no valor de cerca de 47 milhões de dólares [44 milhões de euros], para 9% ao ano, a partir de março de 2024, representando um custo de 81 milhões de dólares (76 milhões de euros) por ano entre 2024 e 2028, antes de aumentarem ainda mais para 225 milhões de dólares (212 milhões de euros) anuais em amortizações entre 2028 e 2031, de acordo com a análise feita pela Standard & Poor's na semana passada.
Para a Capital Economics, o regresso da petrolífera francesa ao norte do país "é uma boa notícia, apesar do atraso que implica que a produção e exportação de gás natural comece apenas em 2028", precisamente quando o custo da dívida mais sobe.
Isto, conclui a consultora britânica, significa que um eventual novo atraso resultará quase de certeza na necessidade de reestruturar os termos dos pagamentos da dívida aos investidores.
Moçambique tem três projetos de desenvolvimento aprovados para exploração das reservas de gás natural da bacia do Rovuma, classificadas entre as maiores do mundo, ao largo da costa de Cabo Delgado.
Dois desses projetos têm maior dimensão e preveem canalizar o gás do fundo do mar para terra, arrefecendo-o numa fábrica para o exportar por via marítima em estado líquido.
Um é liderado pela TotalEnergies (consórcio da Área 1) e as obras avançaram até à suspensão por tempo indeterminado, após um ataque armado a Palma, em março de 2021, altura em que a energética francesa declarou que só retomaria os trabalhos quando a zona fosse segura.
O outro é o investimento ainda sem anúncio à vista liderado pela ExxonMobil e Eni (consórcio da Área 4).
Um terceiro projeto concluído e de menor dimensão pertence também ao consórcio da Área 4 e consiste numa plataforma flutuante de captação e processamento de gás para exportação, diretamente no mar, que arrancou em novembro de 2022.
A plataforma flutuante deverá produzir 3,4 mtpa (milhões de toneladas por ano) de gás natural liquefeito, a Área 1 aponta para 13,12 mtpa e o plano em terra da Área 4 prevê 15 mtpa.
A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
A insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.
O conflito já fez um milhão de deslocados, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.(Lusa)