Várias empresas de exploração de recursos minerais, instaladas na província de Tete e não só, mostraram, semana finda, um quase total desinteresse em debater assuntos sobre responsabilidade social empresarial, numa conferência sobre o tema, organizada pela Kuwuka JDA, uma organização da sociedade civil. A constatação surge do facto de apenas duas empresas terem reagido à solicitação da organizadora do evento, mas, dessas duas, só uma é que participou da conferência.
No local do evento, cidade de Tete, “Carta” apurou que a Kuwuka, com quase uma semana de antecedência, convidou as empresas Minas de Revuboè, de capitais australianos e não só, as indianas International Coal Ventures Private Limited (ICVL) e Jindal África, Vale-Moçambique e Sasol do Brasil e África do Sul, respectivamente. Todavia, das cinco empresas só a Vale-Moçambique participou da conferência, a Sasol faltou alegadamente por causa da Covid-19 e as restantes sequer acusaram a recepção dos pedidos, mostrando total desinteresse em debater a responsabilidade social empresarial no país.
Para o activista e Presidente do Conselho Directivo (PCD) da Kuwuka JDA, Camilo Nhancale, a ausência daquelas empresas mostra que os seus accionistas estão apenas interessados em explorar os recursos minerais e em desrespeito à legislação nacional.
Em contrapartida, Nhancale disse ainda que o comportamento das empresas denota haver no país um terreno fértil para tal.
“Eu sou da opinião que o comportamento dessas empresas tem muito a ver com a nossa atitude como Estado. Aliás, as empresas comportam-se da forma como apanham o terreno fértil para se comportar. Se o nosso Estado impusesse ou se as empresas soubessem que se não participarem vão ter de prestar algum tipo de esclarecimento ao Governo, logicamente que não fariam isso. Olha que foi um evento de grande nível, cuja abertura foi feita pela Secretária do Estado em Tete e isso constou dos convites, mas simplesmente não dão resposta e não aparecem”, disse.
Falando à margem do evento, o activista social afirmou ainda que a ausência das empresas pode visar esconder uma exploração ilegal dos recursos naturais.
“Na verdade. Essas empresas estão conscientes das más práticas que elas fazem; que há muitas reclamações das comunidades; estão cientes de que a sua presença não seria pacífica para a discussão. Além disso, essas empresas não têm cultura de diálogo. E acho que saem a perder quando não aparecem, porque das discussões havidas tinham muito a apreender. A Vale-Moçambique, por exemplo, recolheu muitas recomendações [pelos representantes das comunidades e da sociedade civil]. Não sabemos se vai implementar na prática, mas pelo menos ficou consciente”, disse Nhancale.
Numa busca rápida na Internet, o jornal constatou que, de facto, aquelas empresas têm no seu historial em Moçambique marcas de conflitos com as comunidades em que operam, devido à falta de transparência e diálogo com as populações locais.
Para reverter o cenário, o PCD da Kuwuka JDA apelou ao Governo, durante a conferência, para tomar medidas perante este tipo de casos. “Mas a resposta do Governo foi: nós também recebemos convite. Ora, nós como accionistas deste estado não esperávamos essa resposta. Gostaríamos de ouvir que o Governo se aproximaria para procurar perceber o que está a acontecer e dialogar com as empresas para colmatar o problema”, afirmou o activista, tendo concluído que a reacção do Governo local pode demonstrar fragilidade dos governos provinciais em relação ao central.
Todavia, “continuo dizendo que o nosso Estado, as nossas instituições de tutela também têm responsabilidades sobre esse tipo de comportamentos. É que não podemos admitir, como Estado soberano, que venham sociedades privadas estrangeiras fazer ao seu bel-prazer. Nós é que estamos a admitir”, conclui o nosso interlocutor. (Evaristo Chilingue)