Director: Marcelo Mosse

Maputo -

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BCI
sábado, 19 junho 2021 06:23

Carta Aberta a Sua Excelência a Ministra da Justiça da República de Moçambique

No dia 15 de Junho de 2021, o Centro de Integridade Pública (CIP) realizou uma Conferência  de Imprensa onde divulgou os resultados de uma pesquisa denominada “Exploração sexual  de reclusas na cadeia de N´davela”. Desse estudo, que teve a duração de seis meses, foram  destacados os seguintes aspectos: 

 

  1. Algumas reclusas de Estabelecimento Penitenciário para mulheres de Maputo (Cadeia de  N´davela) são sujeitas a exploração sexual; 
  2. A exploração sexual configura uma estrutura articulada que envolve guardas prisionais  e que está organizada desde a identificação das mulheres e raparigas que poderão ser  sujeitas a violação sexual, a transporte das reclusas, ao recrutamento de clientes e à  existência de uma casa sinalizada onde se pratica a exploração sexual; 
  3. Que havia um largo conhecimento da prática do crime, dado que é grande a distância  entre as celas e a porta de saída, sendo a vigilância apertada. 
  4. Que a recusa demonstrada por algumas das mulheres em se conformar com a violação  teve como resultado o espancamento e como consequência a “conformação” com a  exploração sexual; 
  5. Que as reclusas não denunciaram a situação de que eram vítimas por medo de represálias  e porque numa situação de confronto e citamos algumas das suas frases “ninguém iria  escutar as vozes de mulheres que cometeram crimes”. 

 

A Senhora Ministra cujo sector é responsável pelas prisões decidiu organizar uma visita à cadeia  no dia imediatamente a seguir à conferência de imprensa. 

 

A comunicação da visita de Vossa Excelência à cadeia de N´davela deixou-nos extremamente  preocupadas e indignados porque como é do conhecimento de todos, as reclusas na situação de  cumprimento de uma pena não iriam denunciar os seus algozes expondo-se a formas de violência  que não são sequer imagináveis.  

 

Uma visita após uma denuncia fundamentada de uma prática que configura a existência de uma  rede de criminosos na instituição de que Vossa Excelência é a máxima responsável só pode ter  como motivação o silenciamento da exploração sexual das reclusas, satisfazendo, de igual modo,  as vozes que de imediato se levantaram contra o crime organizado numa instituição prisional. 

 

O Ministério da Justiça tem os meios para averiguar, no recato que o desmantelamento de uma  rede de criminosos carece, as denúncias que a pesquisa largamente expõe, sob pena de não obter  nenhuma comprovação, tal como prevemos e o tempo o confirmará.  

 

A agravar a situação os jornalistas convidados a entrevistar as reclusas, foram retirados da sala,  porque os guardas prisionais promoveram um encontro, à porta fechada, com as presas, tendo,  nessa altura, os jornalistas presentes decidido abandonar o recinto, dado que esta situação foi  percebida como um acto intimidatório.

 

Senhora Ministra  

 

Excelência 

 

Nós, organizações da sociedade civil, estamos diariamente a receber denúncias da violação de  direitos humanos das mulheres. Temo-nos organizado para levar à barra da justiça os criminosos.  Infelizmente quando o alvo das nossas denúncias são pessoas com poder ou instituições como é  o caso da Escola Prática da Polícia em Matalana, a justiça substitui-se por operações cosméticas  de propaganda e “faz de conta” sem que sejam repostos os direitos das ofendidas. 

 

Senhora Ministra  

 

Excelência  

 

Não nos compete a nós julgar as suas metodologias de trabalho como governante. Contudo,  gostaríamos de lhe chamar atenção que não estamos convencidas que o desmantelamento de uma  rede criminosa se faça através do anúncio prévio das estratégias que o Estado irá pôr em prática,  alertando os bandidos e pondo em risco a vida e os direitos das reclusas e dos investigadores.  

 

O Centro de Integridade Pública é uma organização da sociedade civil que tem comprovado  ao longo de muitos anos a seriedade e a profundidade que coloca nas suas pesquisas. Estamos  convictas que o estudo produziu evidências suficientes sobre a existência de uma rede que  permanente e sistematicamente viola direitos humanos das mulheres reclusas. Exigimos  assim, responsabilização aos mandantes e executores do crime hediondo e a proteção da(o)s denunciantes e pesquisadores ao abrigo da lei de proteção das vítimas, denunciantes e  testemunhas (lei 15/2012 de 14 de Agosto). Estaremos alertas sobre quaisquer represálias que  se exerçam sobre as reclusas, a(o)s denunciantes, ao CIP e seus investigadores e agiremos em  conformidade.  

 

Estamos de acordo com o CIP quando propõem que a Comissão de Inquérito deve ser independente  e ter “plenos poderes, para agir sem qualquer tipo de pressão/interferência”. 

 

Como dirigente de um sector tão importante como é a justiça e, também como mulher e ser  humano, esperávamos mais da si, Excelência. 

 

Permita-nos finalizar parafraseando Vlado Herzog:  

 

“Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos contra as atrocidades praticadas contra  outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados” . 

 

Maputo, 18 de Junho de 2021 

 

A Coordenação da Comissão Instaladora 

 

Maria José Arthur

Sir Motors

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