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segunda-feira, 11 fevereiro 2019 13:53

Amade Abubacar é correspondente de “Carta de Moçambique” desde 26 de Novembro de 2018

O jornalista Amade Abubucar, detido desde 5 de Janeiro em Cabo Delgado, não era apenas funcionário do Instituto de Comunicação Social (ICS). Era também correspondente de “Carta” desde a primeira hora. Quando este jornal foi lançado a 22 de Novembro de 2018, a cobertura da insurgência em Cabo Delgado foi definida como uma das suas prioridades editoriais. Para termos informação a partir do terreno era preciso encontramos fontes locais, mas de preferência um jornalista destemido e trabalhador, disposto a confrontar fontes e apurar incansavelmente os factos, se possível buscando as imagens pungentes da tragédia. Alguém com um leque de fontes locais implantadas em Mocímboa da Praia, Nangade, Palma, Meluco e Macomia.

 

Em pouco tempo de procura, foi-nos apresentado Amade Abubacar como a pessoa ideal. Efectivamente, ele começou a escrever para “Carta de Moçambique” a 26 de Novembro. Seu “début” foi com um artigo intitulado “Populares perseguem atacantes de Squaia e capturam 7 jovens”. Desde esse dia, “Carta” passou a ter um jornalista no terreno cobrindo a insurgência. Usando uma prática comum em toda a parte, escolhemos um pseudónimo para assinar seus artigos sobre a matança: Saíde Abibo. Afinal, ele era jornalista da Rádio Nacedje, do ICS.

 

 

 Desde 26 de Novembro até 5 de Janeiro, quando foi detido em Macomia numa circunstância em que captava retratos de populares que chegavam àquela vila, refugiando-se da mortalidade nas aldeias do interior, Amade Abubacar (Saíde Abibo para os leitores de “Carta”) escrevia sempre que soubesse de um ataque. Tinha boas fontes no terreno, entre colegas jornalistas e populares. Com a sua colaboração, “Carta” tornou-se numa das principais fontes de informação sobre a insurgência em Cabo Delgado. Com Abubacar, nosso jornal tentava não apenas reportar os factos com o máximo rigor possível, mas também buscar elementos de análise mais profundos para a compreensão de um fenómeno que, quando eclodiu, foi logo rotulado de “extremismo islâmico” embora no terreno houvesse muito poucas evidências para sustentar essa característica.

 

Nas poucas semanas de trabalho com Amade Abubacar mantivemos um diálogo permanente com o jornalista, mais virado à orientação editorial. Quando ele foi preso, estava a seguir, sob nossa orientação, pistas sobre aspectos sensíveis da insurgência. Em poucas semanas, conseguimos traçar, com a sua ajuda, o perfil dos insurgentes em Cabo Delgado: os grupos de insurgentes são compostos por ex-militares e polícias expulsos do Estado. Este detalhe ficou patente quando no dia 18 de Dezembro do ano passado “Carta” publicou uma reportagem com o título: “Benjamim: um ex-polícia acusado de ser quem treina os insurgentes”. O artigo, com assinatura de Saíde Abibo (Amade Abubacar), precipitou uma invasão à sua casa por indivíduos que de lá retiraram um computador e outro equipamento de trabalho.

 

 

 Amade Abubucar assinou uma reportagem sobre a existência de uma conta no Facebook em nome de Shakira Júnior Lectícia, na qual eram publicitadas as actividades dos insurgentes em vários locais de Cabo Delgado. A conta em causa esteve aberta durante um ano, e só foi eliminada quando “Carta” começou a interagir com as vítimas de Shakira, a 13 de Dezembro de 2018, muitas das quais não tinham conhecimento de que seus rostos estavam a ser usados para fins subversivos. Foi Amade Abubacar quem fez boa parte do trabalho de campo que deu origem a uma peça investigativa sobre o assunto. Seu trabalho na referida reportagem ajudou a investigação da Polícia. Durante a elaboração da reportagem, uma equipa da “Carta” procurou as vítimas de Shakira Júnior Lectícia para junto delas perceber se tinham conhecimento de que alguém usava as suas fotografias no Facebook.

 

O artigo permitiu as “vítimas” de Shakira a denunciarem a maliciosa conta do Facebook, mas também apresentar queixa nas esquadras de Vilanculo e nas cidades da Beira e Pemba. Algumas das vítimas já estavam a ser indiciadas como suspeitas, num processo de investigação policial aberto em Pemba destinado à identificação de quem estaria por detrás da aludida conta na mais popular plataforma das redes sociais. Abubacar aprofundou a investigação da matéria e aventou a hipótese de a conta pertencer a um ex-militar. Nos últimos dias, antes da sua detenção, Amade trabalhava, sob orientação de “Carta de Moçambique”, em várias linhas de investigação, visando desmistificar as origens e as causas da insurgência, e as fontes da sua logística. Um padrão de evidências foi sendo recolhido: os grupos são compostos por ex-militares ou agentes policiais expulsos da PRM; conhecem bem o terreno e dispõem de tácticas de guerrilha bem apuradas.

 

 

Desde que Amade Abubacar foi detido, as autoridades tentam impor a narrativa segunda a qual ele não estava ao serviço do jornalismo, unicamente porque não tinha sido escalado pelo ICS para fotografar os refugiados que chegavam à Macomia naquele dia 5 de Janeiro; e que não trabalhava para nenhum outro órgão. Como provamos agora nesta matéria, onde incluímos “screen shots” de conversas que fomos travando com ele (incluindo no dia em que foi detido) Amade Abubucar era correspondente de “Carta de Moçambique”. Com a sua detenção, a cobertura da insurgência em Cabo Delgado ficou órfã. Ele era o jornalista que mais lutava para mostrar ao mundo o sofrimento das gentes locais e a incapacidade das Forças de Defesa e Segurança em pôr cobro à chacina.

 

Reportagens de maior destaque

 

 Para reforçar a prova de que Amade Abubacar era correspondente de “Carta de Moçambique”, alistamos os títulos mais ilustrativos do seu trabalho na “Carta”, desde o dia 26 de Novembro até 4 de Janeiro:

 

“Populares perseguem atacantes de Squia, em Nangade e capturam 7 jovens” (26 de Novembro de 2018);

 

“Palma: Vila segura mas tensa” (4 de Dezembro de 2018); 

 

Detalhes sobre os mais recentes ataques em Cabo Delgado” (4 de Dezembro de 2018);

 

 “Populares decapitam dois insurgentes e exibem um braço humano” (6 de Dezembro de 2018); 

 

 “Mustafa Suale: um alegado rosto da insurgência” (10 de Dezembro de 2018);

 

 “Insurgentes atacam em Cogolo” (10 de Dezembro de 2018); 

 

 "Ataque a 10kms do centro de Palma” (12 de Dezembro de 2018);

 

 “Alegados insurgentes capturados ontem em Palma” (13 de Dezembro de 2018);

 

 “Carta investigou: o misterioso Shakira Lectícia e de como ele usou o Facebook para exaltar a insurgência no norte de Moçambique” (13 de Dezembro de 2018);

 

 “Centenas de deslocados a caminho de Palma” (14 de Dezembro de 2018);

 

 “Shakira Lectícia e os seus amigos do Facebook: Conspiração ou diversão?” (14 de Dezembro de 2018);

 

 “Mais um ataque em Cabo Delgado” (17 de Dezembro de 2018); 

 

 “O retrato de Benjamim, um ex-polícia acusado de treinar insurgentes em Cabo Delgado” (18 de Dezembro de 2018);

 

 “Como se vive em Mucojo e Quiterajo desde o início dos ataques em Cabo Delgado?” (19 de Dezembro de 2018); 

 

 “Dois mortos em mais um ataque em Macomia” (20 de Dezembro de 2018); 

 

 “Quem é o famigerado Mabondo?” (21 de Dezembro de 2018);

 

 "Afinal quem financia os insurgentes em Cabo Delgado?” (21 de Dezembro de 2018);

 

 “Insurgentes mataram e incendiaram em Milamba, Macomia, ontem à noite” (21 de Dezembro de 2018);

 

 “Chicomo: mais uma aldeia de Macomia alvo dos insurgentes” (24 de Dezembro de 2018);

 

 “Exército reforça contingente militares em Cabo Delgado” (25 de Dezembro de 2018);

 

 “Lijembe, o decapitador…decapitado” (26 de Dezembro de 2018);

 

 “Os deslocados de Chicomo” (26 de dezembro de 2018);

 

 

 “Esforços do governo gorados em Cabo Delgado” (27 de Dezembro de 2018);

 

 “Militares invadem Macomia” (27 de Dezembro de 2018); 

 

 "Atacada mais uma aldeia ontem: Ingoane” (27 de Dezembro de 2018);

 

 “Insurgentes atacaram ontem a aldeia Pequeué” (31 de Dezembro de 2018);

 

 “Insurgentes decapitam duas pessoas na aldeia Monjane, em Palma” (2 de Janeiro de 2019);

 

“Atacado centro de pesca de Kulansi, em Macomia” (3 de Janeiro de 2019);

 

 “Empresário de Palma desapareceu sem deixar rasto há mais de um ano” (4 de Janeiro de 2019). 

 

 No dia 5 de Janeiro, ele foi detido. Tinha ainda muito trabalho na mesa. “Carta de Moçambique” está disponível para testemunhar a favor de Amade Abubucar. Decidimos relevar esta informação porque só isso ajudará na sua defesa. Já não importam as eventuais consequências desta revelação para o seu vínculo com o Instituto de Comunicação Social. Importa agora que seja provado que ele colaborava com outras plataformas de jornalismo e “Carta” era uma delas. A comprovação dessa colaboração será essencial para sua defesa em Tribunal. (Marcelo Mosse e Omardine Omar)

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