Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
terça-feira, 22 março 2022 10:57

Para quando a aprovação de um regime jurídico específico sobre a participação pública no processo de tomada de decisão em Moçambique?

Escrito por

A participação pública está consagrada na Constituição da República de Moçambique (CRM), nos principais instrumentos internacionais de direitos humanos de que Moçambique é parte e, ainda, de forma dispersa em diversa legislação relevante que regula a funcionamento da Administração Pública na sua relação com os particulares. Contudo, a sociedade moçambicana ainda se debate profundamente com obstáculos sérios ao acesso a informação e falta de abertura das autoridades para a participação pública no processo de tomada de decisão.

 

Moçambique é um Estado de Direito Democrático baseado no respeito e na garantia dos direitos humanos e liberdades fundamentais, tendo em conta a participação do cidadão no processo de tomada de decisão à luz da natureza democrática da estrutura funcional do Estado. Aliás, os objectivos fundamentais do Estado consagrados no artigo 11 da CRM só podem ser melhor e efectivamente alcançados de forma sustentáveis mediante o respeito pela participação pública e correspondente disponibilização de informação de interesse público.

 

Nesse sentido, a elaboração de políticas públicas e o processo de produção legislativa, sobretudo daquelas matérias que impactam directamente sobre os direitos humanos e/ou as condições de vida dos cidadãos, deve ter por base a participação pública que seja transparente, abrangente, sem discriminação e com a maior disponibilização de informação sobre a matéria em questão.

 

Há muito que a sociedade reclama profundamente de fraca ou deficiente participação pública nos processos de tomada de decisão, seja para a adopção de políticas públicas, seja no âmbito da produção legislativa. A sociedade civil tem alertado sobre os problemáticos processos de consultas públicas, a falta de conhecimento da estratégia de comunicação entre os decisores e os cidadãos e falta de informação sobre os reais fundamentos que ditam a elaboração e aprovação de uma determinada política pública ou legislação.

 

Alguns exemplos curiosos mais recentes sobre a problemática da participação pública e deficiente acesso à informação são os seguintes:

 

  • Processo em curso de revisão da Política Nacional de Terras que está sendo deveras contestado pela obscuridade que a caracteriza e por estar a ser feita por uma Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras, cujos critérios de selecção não são transparentes e, sobretudo, por excluir tanto as entidades relevantes sobre as questões de direitos sobre a terra, incluindo os problemas de fundo que tem gerado inúmeros conflitos de terra em Moçambique.  
  • Processo de concessão das Estradas à empresa REVIMO – Rede Viária de Moçambique, S.A, para a instalação de postos de portagens, cujos critérios de fixação das respectivas taxas são desconhecidos, para além de ser caracterizado por deficiente participação pública e não disponibilização de informação relevante de interesse público relativamente ao contrato de concessão em questão e informação detalhada sobre o destino real a ser dado o valor das taxas que são cobradas.
  • Parte significativa das leis aprovadas pela Assembleia da República enferma de deficiente participação pública e de discriminação, ou seja, de exclusão. São leis aprovadas quase que no contexto de secretismo, sobretudo as leis que estabelecem regalias e demais subsídios para os dirigentes, bem como aquelas leis que prejudicam sobremaneira a garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
  • O processo da revisão da lei de imprensa (lei nº18/91, de 10 de Agosto), cuja denominação se pretende Lei da Comunicação Social está sendo demasiado criticado principalmente pelos próprios profissionais da comunicação social e pela sociedade civil que se sentem marginalizados e traídos pelo conteúdo da proposta da Lei da Comunicação Social submetida à Assembleia da República para os devidos efeitos de debate e aprovação.
  • As decisões do Município de Maputo, seja no âmbito da apreensão dos bens dos vendedores de rua com vista a impedir que os mesmos exerçam negócio informal nas artérias da Cidade de Maputo, seja no âmbito da fixação das taxas e multas relativamente ao estacionamento rotativo, seja no contexto da remoção das árvores antigas, incluindo as acácias que caracterizam a Cidade de Maputo, não são acompanhadas de um verdadeiro processo que privilegia a participação pública para legitimar as decisões e garantir a identidade das mesmas com os interesses do povo. Ora, é incoerente aprovar decisões com sérios encargos para o povo, sem que ao mesmo seja dada a oportunidade de participação pública transparente para compreensão das razões e objectivos das decisões tomadas.
  • Recentemente, o Governo decidiu agravar o preço dos combustíveis praticamente sem qualquer debate público ou envolvimento do povo para melhor esclarecer as razões e critérios do agravamento do preço do combustível, bem como o impacto desta decisão no custo de vida dos cidadãos, sobretudo os pobres.
  • A celebração dos contratos no âmbito dos megaprojectos seja de exploração dos recursos naturais, seja de agronegócios são caracterizados por elevado secretismo e falta de participação pública não obstante o impacto dos megaprojectos sobre as condições de vida dos cidadãos, em particular as comunidades directamengte afectadas.

 

É, pois, axiomático que a participação pública é um elemento chave da boa governação e que todos os cidadãos têm direito a participação e acesso à informação relativamente aos processos de tomada de decisão que afectam as suas vidas. Daí a necessidade urgente de um regime jurídico específico sobre a participação pública que estabeleça de forma clara os critérios de transparência, de acesso à informação, das formas de participação pública e importância das contribuições oferecidas, bem como os prazos para o efeito. Um regime jurídico de participação pública que seja claro relativamente ao papel e responsabilidade dos consultores contratados para o efeito de reforma ou elaboração de determinada política pública ou legislação a ser aprovada pela Assembleia da República ou pelo Conselho de Ministros dependendo na natureza ou tipo de actos normativos (Leis, Decreto-leis, Decreto, etc).

 

A participação pública tem a vantagem de melhorar a capacidade e credibilidade do Estado, na medida em que são criadas as condições para os cidadãos poderem expressar suas opiniões e realizar suas demandas, reduzindo os problemas de acesso à informação e de deficiências na prestação dos serviços públicos, bem como na prestação de contas.

 

Portanto, o Estado deve trazer a voz do povo na definição de políticas públicas e na produção legislativa, abrindo caminhos para os cidadãos e grupos da sociedade civil darem a sua a sua opinião e incentivar uma participação mais ampla no processo de tomada de decisão e na alocação de bens e serviços, de tal sorte que os projectos e programas de desenvolvimento terão maior e melhor sustentabilidade.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Sir Motors

Ler 3551 vezes