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domingo, 17 fevereiro 2019 14:11

As operações em terra

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O mau tempo não tenciona para tão já deixar de beijar este pedaço da costa do Índico, condenado ao abandono e destinado ao esquecimento. A notícia sobre o naufrágio de um Bénéteau francês corre o mundo através de rádios que mereciam espaço nas competições da fórmula-1. E porque em Mitemane os homens também cantam Worroko[i], os rumores acerca do modo de aquisição do barco correm três vezes mais que a velocidade com que Lurdes Mutola amealhou ouro em Sidney.

 

Uns dizem que o Bénéteau francês foi adquirido com dinheiro da capitania de Memba, outros ainda aventam a hipótese do mesmo ter sido resultado de um empréstimo a um daqueles bancos de Nacala-a-Velha. Correm ainda rumores da incapacidade da capitania em pagar tal dívida, alguns sheiks influentes desdobraram-se em campanhas de não pagamento num acto visto por outros sheiks como uma ofensa as regras do Corão que recomenda a tudo fazer para que haja paz e harmonia entre os homens.

 

O agrupamento musical Worroko de Mivicone, compôs uma música que na óptica das autoras denuncia a forma fraudulenta como a dívida de aquisição do Bénéteau foi contraída. Para a sua apresentação foi marcado em Naminambo, um espectáculo. Os mais jovens reagiram positivamente e se fizeram ao local para onde se vão encontrar com agentes da polícia que os impedem de se fazer ao quintal de Mwe Habibo, a casa do espectáculo.

 

O barco ainda flutua por cima das águas da baia de Memba. Enquanto os agentes da polícia costeira, lacustre e fluvial querem que o mesmo atraque ao porto de areia de Mitemane, a população local desdobra-se em rezas, evocando ao altíssimo para que usando da sua omnipotente força, faça aquele barco atravessar o mar e fugir dos seus olhos. Apesar de crenças diferentes, as orações são dirigidas ao mesmo Deus, que terá de ser justo para com uns e injusto para com os outros. Alguns sheiks acreditam que Deus está com a maioria enquanto outros acreditam que os homens do poder são enviados de Deus para governar aos pecadores e tudo que fazem é em função da qualidade do povo que servem, pois quando se trata de um povo de pecados maiores, os homens do poder tratam de condená-lo ao sofrimento e quando se trata de um povo de pecadores menores com tendência para benevolente, proporciona-lhes boa vida com cheiro a fartura.

 

- Continuemos a operação rapazes. Vamos, façam força. Lembrem-se que juramos a bandeira para manter a segurança, ordem e tranquilidade públicas - um comando sem voz se escuta entre os homens fardados.

 

- Às ordens, inspector – quase todo batalhão repete a frase como se de uma oração se tratasse.

 

A confiança em Deus começa a roçar a alma dos agentes da polícia costeira, lacustre e fluvial da baia encarregues de gerir o resgate, mas as vezes com pausas para gerir os naworrokos[ii] que comportam-se como se aos ritos de iniciação não tivessem ido. Os ritos de iniciação ensinam a ser comedido e a guardar segredos tidos como vitais para a sociedade e numa altura em que se evoca perda de valores morais, os mais velhos lamentam que tal facto não esteja a acontecer. “As pessoas agora têm boca grande, falam de tudo um pouco, inclusive do que não sabem” – alertam.

 

No meio de tantas, uma ideia vinca: iniciar uma operação em terra envolvendo funcionário da capitania, do sinédrio da guarda e pessoas próximas a estes que terão tido conhecimento da contração da dívida para aquisição do Bététeau, como forma de apelar aos bons ofícios dos anjos para que o resgate finalmente aconteça.

 

O corpo da Dra Alimina Mussagy, uma cobradora de taxas da capitania que foi reconhecido antes mesmo de chegar ao laboratório do SERNIC[iii] cujo corpo foi encontrado a flutuar entre as águas de Mitemane constituiu mesmo um alerta sobre a possibilidade de outras mortes estarem a caminho, pelo que, a operação deve continuar.

 

- Sargento!

 

- Aqui meu inspector.

 

- Liga o Motorola, pretendo comunicar ao nosso superintendente que está na hora de começar as operações em terra.

 

[i] Worroko – dança tradicional do distrito de Memba praticada exclusivamente por mulheres, cujos instrumentos são dois paus raspados que as bailarinas tocam com recurso as mãos enquanto cantam. As suas letras são geralmente informações ou rumores que correm nos povoados ou na vila. O grupo mais famoso de Memba é o Worroko de Mivicone, localizado num povoado também chamado Mivicone, posto administrativo de Memba-sede. Por causa da natureza das letras, surgiu o neologismo naworroko que significa fofoqueiro. 

 

[ii] Naworroko é um neologismo macua-nahara que significa fofoqueiro.

 

[iii] SERNIC – Serviço Nacional de Investigação Criminal

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