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quarta-feira, 25 janeiro 2023 08:26

Síndrome de Estocolmo e suas “vítimas políticas” em Moçambique

Escrito por

Tsandzane min

De forma simplista, podemos considerar que a Síndrome de Estocolmo é um mecanismo de reacção a uma situação cativa ou abusiva a que determinadas pessoas são submetidas. E estas, por consequência, desenvolvem sentimentos positivos em relação aos violadores, ao longo do tempo. Esta condição se aplica às situações que incluem o abuso de crianças, abuso de relações conjugais ou, ainda, o tráfico sexual.

 

Tecnicamente, no mundo da Medicina e Psicologia, a Síndrome de Estocolmo é entendida enquanto uma resposta psicológica, que ocorre quando sequestrados, reféns ou vítimas de abuso se ligam psicologicamente aos seus raptores. Em outras palavras, tal situação ganha força quando, após contínuas sequências de sofrimento, a vítima incarna, na sua mente, aquela sensação como normal e passa a conviver, de forma natural, com o opressor; ou é atingida por um esquecimento temporário que lhe faz ver o seu ‘canalha’ como um indivíduo que apenas pratica o bem.

 

A designação da Síndrome deriva de um assalto a um Banco em Estocolmo, capital da Suécia. Em Agosto de 1973, quatro funcionários do Sveriges Kreditbank foram mantidos como reféns no cofre do Banco durante seis dias. No decorrer deste período, desenvolveu-se uma ligação aparentemente incongruente entre os sequestrados e sequestradores. Um refém, durante uma chamada telefónica com o então Primeiro-Ministro Sueco, Olof Palme, declarou que confiava plenamente nos seus raptores, mas temia morrer num ataque da polícia ao edifício. Ou seja, conforme o procedimento deste refém, entende-se que o instinto de sobrevivência está no cerne da Síndrome de Estocolmo, visto que as vítimas vivem em dependência forçada e interpretam actos raros ou pequenos actos de bondade em meio às condições horríveis como um bom tratamento.

 

Se quisermos aplicar o introito acima para o caso de Moçambique, precisamos retomar ao debate efervescente que tem sido caracterizado por um distribuir gratuito de simpatias que o então Presidente da República, Armando Guebuza, tem estado a conquistar em cada aparição pública. Aliás, engana-se quem tenha concluído que tal teve o início apenas na celebração dos seus 80 anos de idade. Com alguma atenção, se o número de apoiantes representa um critério de medição de popularidade, basta uma visita rápida à sua página no Facebook para constatar a forma como se tem criado uma narrativa positiva relativa ao antigo governante.

 

Ora, trouxemos a proposta de Síndrome de Estocolmo Política para espelhar o que, no nosso ponto de vista, é a máxima dominante de toda esta situação. Sucede que, de um provável mal-amado no fim do seu mandato (*2015), o Presidente Guebuza parece ter espantado, com mestria, os seus ‘fantasmas’, visando ser o actual ‘bem-amado’ de vários moçambicanos. Para nós, isto revela que estamos diante da presença de uma Síndrome de Estocolmo Política, se considerarmos que o mesmo Presidente é co-responsável directo pelo que o País conhece, desde que este saiu da Presidência.

 

Mesmo que o País não tenha a cultura ou capacidade de realização de pesquisas de opinião de fim-de-mandato, assumimos a ousadia afirmando que o Presidente Guebuza não é, certamente, quem tenha tido bons níveis de aprovação popular quando deixara o poder. O nosso entendimento baseia-se no facto segundo o qual o contínuo martírio social na actual governação, caracterizado por uma aguda mendicidade colectiva na qual os moçambicanos estão expostos, faz com que estes prefiram o que em linguagem popular se considera “menos pior”. Ou seja, o pior a ser equiparado ao péssimo. Dito de outra forma, ambos, antigo e actual Presidente, são os ‘arquitectos’ máximos do desencanto que Moçambique tem vivido nos últimos 18 anos (desde o primeiro mandato de Guebuza até aos dias actuais).

 

Ademais, sem querer menosprezar as suas obras e valiosas acções no passado, para nós, o actual (des)caminho de Moçambique tem uma dose directa proveniente da governação deste Presidente, que tem sido colocado, ultimamente, como o ‘El-Salvador’ da Pátria. Por isso, tentar esquecer, mesmo que de forma incauta, os ‘pecados’ (passados, mas bem presentes na vida dos moçambicanos) do Presidente Guebuza faz parte de um teatro de massas abocanhadas pelas aparentes desavenças dos membros de elite do partido Frelimo. No nosso entender, estamos diante de um cenário que parte de uma elaboração dos media, algo explicado no que, em tempos, Adorno & Horkheim (1984) chamaram de “Indústria Cultural”, ou o que autores como McCombs & Shaw (1972) anteriormente designaram de “Definição de Agenda”.

 

Por conseguinte, não podemos refutar a desgovernação que temos perante o actual Executivo, espelhada pela falta de um horizonte para onde Moçambique segue ou deveria seguir. Contudo, tal não nos pode criar um estado amnésico igual ao que tem imperado neste País desde 1994, ano das eleições fundadoras, todas elas dominadas pelo mesmo partido político. Em outras palavras, o nosso problema não é tentar ‘salvar’ um Presidente que tanto mal causou aos moçambicanos ou insistir que o actual Presidente enverede por um fictício terceiro mandato. É, pelo contrário, uma Refundação dos alicerces que estruturam a nossa forma de governação. Ou seja, precisamos de um tratamento para cuidar da nossa Síndrome. Enquanto tal não suceder, o entretenimento político do que temos visto com a aparente ‘crise das comadres’ continuará a desviar-nos a atenção face ao real (des)caminho governativo que vivemos como País.

 

Num outro cenário, algumas vozes tendem a considerar a actual situação que se vive em Moçambique no que podemos designar “crise intra-partidária”. Podendo-se aceitar tal hipótese, teríamos dificuldades em enquadrar uma realidade que coloca actores do mesmo partido a falarem de forma dessincronizada. Mesmo que se admita a influência do ambiente eleitoral já iniciado, pensamos que não estamos perante uma crise do tipo partidário clássico, mas, provavelmente, um entretenimento discursivo e mediático, tal como se assiste entre os confrades partidários Cyril Ramaphosa e Jacob Zuma, na vizinha África do Sul.

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