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domingo, 03 dezembro 2023 21:21

O Gajo do Cachimbo

Escrito por

Gustavo Mabebe fora durante longos anos um verdadeiro metropolitano, moldou o seu carácter graças ao meio em que vivia; a cidade de Maputo dera-lhe oportunidades ímpares de lidar com a grande nata intelectual do seu país, desde filósofos, sociólogos, músicos, escritores, cineastas entre outros.

 

As conversas de café e restaurantes permitia-lhe alicerçar o seu intelecto, era um ouvinte paciente, até mesmo um escutador de silêncios, sempre que as cavaqueiras pausavam.

 

O bairro onde vivia permitia-lhe fazer caminhadas solenes, desapressado e descobrir um novo café, reencontrar um amigo e fazer novas amizades, havia uma intimidade profunda entre ele e a cidade.

 

Dos seus conhecidos aprendeu a apreciar o agradável aroma emanado pelos fumadores de cachimbo, essa apreciação tornou-se logo uma paixão, e mais tarde ele tornara-se também um fumador, gostava de  acomodar-se num canto de um café ou restaurante e desfrutar do poder que o cachimbo tem de levar alguém a abstrair-se completamente da realidade material do mundo e viajar além galáxias e experimentar uma sensação onírica ímpar.

 

Por conta dos malabarismos sociais, abriu-se uma janela e ele teve que se mudar para um bairro suburbano a mais de vinte e cinco quilómetros do centro da cidade.

 

O processo de adaptação foi deveras penoso, apartado dos seus lugares habituais, Mabebe  deambulava pela ruelas irregulares de areal do bairro e deparava-se com imponentes moradias de alvenaria que se revezavam com casas de cimento inacabadas, cruzava com meninos andrajosos que levantavam poeira nas suas corridas desenfreadas a caminho de uma missão comandada por um mais velho da casa, empurradores de “txovas” aceleravam os seus veículos carregados de mercadoria, o processo de assimilação terminava quando já estafado voltava para casa.

 

O cântico vespertino e matutino dos pássaros estacionados nos galhos das árvores era um dos únicos elementos compensadores da sua realidade suburbana, para além do silêncio que abraçava o bairro no final da tarde e princípio da noite.

 

Um saudosismo passeava pela sua mente, lembrava-se dos lugares da cidade, as conversas com os seus iluminados amigos.

 

Das suas diligências inquiridoras pelo bairro por vezes descobria uma barraca, acomodava-se, tomava uma cerveja, dava umas cachimbadas, sempre só, aliás com ele mesmo e as suas memórias. Por vezes um fulano descontraído aproximava-se e metia conversa, ele geria o papo em volta do assunto avançado pelo seu interlocutor, sem impor o seu ponto de vista.

 

A barraca “Lurdes” havia inaugurado recentemente a sua majestosa esplanada, decorada com toques rústicos; o bairro parou contaminado pelo ambiente festivo, um renomado músico que viu a sua fama emporcalhada por um escândalo ofereceu os seus dotes artísticos para animar os clientes que se fizeram presentes.

 

Depois da inauguração, a esplanada era o lugar mais aprazível de estar-se, quer para tomar uma bebida ou para degustar de um bom acepipe, aliás era o único lugar perto de sua casa onde podia desfrutar de uma boa chávena de café.

 

Numa sexta-feira soalheira, pelo final da tarde, Gustavo decidiu ir tomar uma bebida na barraca “Lurdes”

 

Chegou e foi prontamente atendido, quando se sentiu refrescado, levou a boquilha do cachimbo para a boca, segurou com a mão esquerda a base, introduziu tabaco no fornilho e com a mão direita manuseou o isqueiro fazendo rolar a roda dentada e de seguida pressionou o disparador, a faísca  atingiu o gás contido no tambor, depois de alguma insistência o tabaco ardeu e foi crepitando no interior do fornilho.

 

O fumo do tabaco viajava pelo corpo cavo do cachimbo e entrava boca adentro do fumador, este expelia o fumo que se evolava esplanada afora impregnando o ambiente com o seu aroma.

 

A combinação entre o fumar e tomar uma bebida num lugar agradável levava-lhe a uma completa descontração.

 

Quatro marmanjos ocupavam uma mesa, um deles monopolizava a conversa escutada atentamente pelos demais. Quando o fumo aromático os atingiu-os, fez-se um silêncio repentino, ficaram meio extasiados, como que hipnotizados.

 

Quando o efeito se dissipou, o jovem falador fez uma investida ao encontro de Mabebe, interrompendo o desfrute e tranquilidade deste.

 

- O que o senhor esta a fumar? – questionou incisivo.

 

- Boa tarde! – disse calmamente Gustavo. – posso saber quem pergunta?

 

O homenzinho pôs a mão no bolso e tirou a sua carteira, e exibiu o seu distintivo.

 

“João Cassanga, sargento principal” leu Gustavo.

 

- Fumo, “captain black royal” – afirmou seguro Mabebe.

 

- Parece-me uma variedade de suruma. – afirmou irreverente o bufinho.

 

- Pode crer que não é! – disse Gustavo. Para de seguida dar um trago na sua bebida e voltar a dar uma cachimbada.

 

O acto executado por Gustavo constitui uma afronta para o bufinho.

 

Uma pequena turba ia dando atenção ao debate, a medida que a assistência aumentava, o tom de voz do sargento principal subia, interferindo já com a música tocada no interior.

 

Quando os seus argumentos esgotaram, ele afastou-se o suficiente para não ser ouvido, pegou no telemóvel e fez uma chamada.

 

Instantes depois os clientes da barraca ouviram um som estridente coibindo a música que ouviam, a discussão entre Gustavo e o polícia havia cessado há pouco mais de 15 minutos.

 

A medida que o tempo passava, o som aproximava-se, até descobrirem o carro da polícia que para além da sirene, o pirilampo riscava o céu azul do fim de tarde.

 

Agentes armados até aos cabelos saltaram da carroçaria empunhando os seus fuzis, o chefe interagiu prontamente com João, este por sua vez apontou para Gustavo e dois polícias marcharam na sua direcção.

 

A música havia parado, as atenções estavam voltadas para a acção protagonizada pela polícia que escoltava o gajo do cachimbo.

 

Uma viatura parou bruscamente defronte da entrada principal da tasca. O condutor pulou do seu acento e abriu a porta traseira, o seu ocupante apeou-se, tirou da sua bolsa o seu cachimbo e acendeu-o, deu duas cachimbadas e só então iniciou a caminhada em direcção ao interior.

 

O grupo de polícias que escoltava Gustavo seguiam na vanguarda e logo no seu encalço vinha o chefe operativo acompanhado de João.

 

Quando o chefe da polícia divisou o cavalheiro que acabava de chegar, este sempre de cachimbo na boca, interrompeu a sua marcha, firmou os pés no solo, sacudiu uma ruidosa continência.

 

- Quem é ? – perguntou João.

 

- Não conheces, é novo comandante distrital da polícia. – respondeu o seu colega.

 

Quando o chefe da polícia alcançou o carro patrulha, os seus colegas pediam que Gustava subisse.

 

- Deixem o ir. – comandou o chefe.

 

O agente a paisana encolheu o seu orgulho entre as pernas e decidiu ir-se embora, enquanto isso Gustavo regressou a esplanada pediu outra bebida, reacendeu o seu cachimbo e deu largas baforadas enquanto desfrutava do ambiente.

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