Não me canso de percorrer o mercado Mafurreira, tenho-o entranhado todos os dias, quase todos os dias nas manhãs, sem procurar, no entanto, nada em especial a não ser a necessidade de rever as mesmas pessoas com as quais lido há anos, e assim, nas saudações que vão acontecendo quase mecanicamente, busco espraecer-me, mais do que querer comprar qualquer coisa. Todavia, vou notando em cada passo, que as minhas amigas deixaram de ser as mesmas vendedeiras dos tempos em que o negócio fluía, perderam o entusiamo.
Já são quase doze horas e muitas delas, a maioria, ainda não “fizeram” cem meticais. Outras nem sequer o mínimo que seria preciso para comprar pão para as crianças que esperam lá em casa, não há negócio. As pessoas passam nos corredores, apreciam os produtos colocados nas bancas, porém não compram, nem sequer perguntam o preço, o que torna o cenário ainda mais desesperador para as negociantes que podem voltar para casa de mãos vazias, e não poucas vezes, com os produtos deteriorados.
É triste querer comprar tomate, cebola e pimento, numa conta que não chega aos cinquenta meticais e ficar a saber que a senhora que me atende não tem troco, “nunca vi esse dinheiro desde que amanheceu”, e eram duzentos meticais que eu trazia. A companheira do lado também, sentada num saco feito esteira com as pernas flectidas e o corpo apoiado no braço, sem qualquer esperança, ainda não vendeu nada, e se vier a fazê-lo será com muita sorte. Então esta situação magoa.
Tivemos tempos em que as coisas floresciam. Havia muita conversa e risos no mercado, entre o movimento do dinheiro que entrava e dos produtos que saíam. O brilho no rosto das mulheres, que nos deixavam sentir o estado vivo da alma, ressurgia em cada gesto e isso era o sinal inequívico da aurora. Era assim, intensamente ao longo de toda a manhã, todos os dias, e aos finais de tarde quando os funcionários voltavam para casa e passavam por alí e enchiam o saco plástico para a alegria da família. Hoje não, o desespero é total, ninguém compra nada, não há “mola de impulsão”.
Os intervalos das onze para o “matabicho-almoço”, outrora passados quase em regabofe, com peixe frito, pedaços de frango, salada e pão, chá quente com limão, e bastante tagarelice para alimentar o coração, passaram a ser frustrantes e dolorosos. Há um silêncio na Mafurreira. As mulheres passam maior parte do tempo a dormir no chão sobre as capulanas sem sonho, ninguém compra nada.
Ainda no mesmo espaço temos as peixeiras que passam o tempo todo espantando as moscas sobre o marisco. “Compra, amigo! Se não tens dinheiro, leva, vais pagar amanhã! Mas essa condescendência toda pode significar que está-se no fim da linha, ou no princípio do fim da linha, e o peixe vai apodrecer, e se calhar nós também.... estamos a apodrecer!