Quem somos nós?
Somos o povo. O povo deste país baptizado de Pérola do Índico.
Um povo forte, resiliente, porém cansado e talvez agastado com algumas (na verdade, muitas coisas) que não caberão neste manifesto. Somos o povo deste Moçambique que nos foi dado como pátria, e posteriormente nos ensinaram a amá-la.
A nossa formação política é a moçambicanidade que sente todos os dias, de sol a sol, a falta de comida, transporte, medicamentos, livros, escolas, segurança, até começa a faltar algum respeito e dignidade.
É nosso desejo enquanto povo, que o nosso manifesto chegue às mãos daqueles que detém poder e que irão governar o nosso país. No início, chegamos a pensar e a acreditar que o poder reside em nós, mas o tempo tem se encarregado de mostrar que houve uma mudança de direcção, e que, a demissão do povo outrora anunciada, é uma realidade factual. Se não houve total mudança, parece estar em curso e, a passos galopantes.
Pode parecer, à primeira vista, um manifesto romântico, e talvez o seja. Queremos neste curto documento influenciar os políticos do nosso belo e vasto país e aos homens de boa vontade. Fazemos por amor a causa nacional e puro patriotismo; porque temos ainda aquela réstia de esperança; porque vivem e ecoam em nós os ensinamentos do nosso Marechal Samora Moisés Machel.
Na carta apelidada de Carta ao Pai Natal que religiosamente publico no mês de Dezembro, tento lançar um olhar sobre a nossa sociedade, nossa vida política, nossa governação, nossos pecados e nossos legados. E quanto mais cartas escrevo, mais vontade de continuar a minha radiografia social e política. Socorri-me de algumas cartas já publicadas, para emprestar alguns pontos ao nosso manifesto.
Uso aqui, o termo “nosso” ainda que, sem permissão dos cerca de 33 milhões de Moçambicanos que vivem um dia-a-dia caracterizado por lutas frenéticas para vencer a pobreza extrema e carência dos bens mais básicos para uma vida condigna; bens inerentes ao que chamamos de dignidade humana e bem-estar social. Entendo que cada um deles (dos moçambicanos) irá se rever no que aqui apresentamos.
A pobreza ainda grassa o nosso país e são aos milhões os moçambicanos privados do básico e do mínimo nível calórico e proteico necessário para que haja um funcionamento normal e vital – (actualmente consta que cerca de 3,3 M de moçambicanos estão em crise de escassez alimentar e deficiência nutricional). Milhões de moçambicanos que não tem acesso a água potável e ao saneamento seguro; enfim, são mesmo aos milhões que não tem educação formal, serviços básicos de saúde, transporte e muito mais.
O nosso manifesto não é e nem deve ser confundido com um peditório. Não achamos que devemos pedir, o que deveria ser nosso por direito.
É um grito dos menos favorecidos; um grito por mais segurança, mais justiça social, mais redistribuição equitativa da riqueza, e um grito por mais respeito pela pessoa humana.
O período que o país vive, é marcado por uma efervescência política e social típica de época eleitoral – talvez o período mais áureo depois das primeiras eleições que experimentamos enquanto país ensaísta do modelo democrático – falo das eleições de 1994.
A efervescência política é, também, caracterizada pelas movimentações partidárias e dos seus candidatos, seja em ações, seja em intervenções e aparições públicas – e o denominador comum é a conquista do eleitorado e do seu valioso voto. A persuasão e a caça ao voto alias dominam os holofotes e a agenda actual.
Nesta época somos todos povo, entendemos os problemas do povo, vivemos como o povo, compadecemo-nos com o sofrimento do povo, e fingimos entender o que o povo pede.
Mas e depois?
Terminada a azafama, contados os votos e publicados os resultados finais, vivemos mais do mesmo: tomada de posse, formação do governo, distribuição de posições e a corrida desenfreada ao tacho, que parece não ser pouco. Em muito pouco tempo, esquecem-se que pretenderam e quiseram ser povo de ocasião; as andanças e passeatas com povo, são feitas de forma diferente, com cordões militares e escoltas intermináveis. Porque o povo que conferiu poder aos dirigentes, é, já nocivo e pode ser uma ameaça à integridade dos políticos, é imperioso proteger-se dele em nome da segurança, do protocolo e de toda culpa que carregam enquanto gestores da coisa pública. Poderia acrescentar que há medo de aproximação do povo, um medo causado pelo peso na consciência devido a má gestão da coisa pública, corrupção, nepotismo, clientelismo e putrefação da máquina estatal.
Neste vaivém todo, nós “o povo”, com ou sem filiação político-partidária, experimentamos ciclicamente, promessas cuja materialização quase sempre se esbarra numa realidade cada vez mais asfixiante – como algumas vitórias de certos pleitos.
Por um lado, o desejo de ver mudanças na vida da sociedade, aliado a esperança e a fé quase inabalável de fazer desenvolver Moçambique, e por outro, a ideia e desejo de ver alguma alternância governativa, fazem com que se deposite o maior recurso enquanto eleitores (o voto) neste ou naquele candidato. E porque não há almoços grátis, os shows, marchas de campanha, almoços e jantares beneficentes, camisetes, bonés, capulanas, etc., têm um preço: cinco ou mais anos de (des) governo, de neocolonialismo nacional, de exploração do homem pelo homem, de empobrecimento programado e progressivo da sociedade, com a degradação do sistema de educação e destruição do sistema de saúde.
Assim caminharemos rumo a celebração dos cinquenta anos da nossa mítica noite na Machava – o 25 de Junho de 1975.
O nosso manifesto é político, social, económico e acima de tudo humanístico. É de simples compreensão, alcance e materialização. Não obedece a uma estrutura metodológica convencional e não apresenta pontos formais e estilísticos que os partidos políticos concebem depois de longas reuniões de discussão e deliberação. O nosso manifesto não apresenta páginas bonitas, mas espera que se possa traduzir em páginas bonitas para o presente e futuro do nosso país.
Começamos por pedir mais empatia com povo – somos 33 milhões hoje, e amanhã seremos muito mais. Se os modelos governativos, as políticas públicas, leis e instrumentos de governação não levarem em consideração as demandas e as reais necessidades do povo, seremos uma eterna promessa enquanto país. Seremos uma página nos anais da história; um país lembrado como um exemplo perfeito da maldição de recursos, da má governação e da fraca ou inexistente vontade política. Talvez até a literatura futura irá catalogar-nos como um exemplo de despesismo e de produção de novos ricos num contexto extremamente pobre.
O nosso manifesto não pede promessas nem compromissos vazios; pede verdade e responsabilidade; pede que se pense no povo antes de tudo e que se leve o povo para o centro da reflexão. O nosso manifesto diz e acredita que, todos juntos podemos construir um Moçambique forte, próspero e seguro – Um Moçambique em que os seus filhos não sejam forçados a migrar por desgosto e por descontentamento causado pela ausência de oportunidades e pelas más condições criadas ao longo de décadas, por uma governação que tarda em acertar o relógio; Um Moçambique em que àqueles que optem por ficar, não fiquem por falta de alternativas, mas por um desejo de ser mais um braço entre os milhões e uma só força que nos vai ajudar a vencer todas as adversidades.
Não deixemos Moçambique transformado em um meme, numa caricatura e numa sátira.
Por: Hélio Guiliche (Filósofo)