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quinta-feira, 17 outubro 2024 09:57

Como granizo de morte

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Em Moçambique não se tem falado, ultimamente, de beleza, fala-se pouco. Até nos próprios quadros de arte, o belo é retratado pelas feridas. Não há alegria, nem esperança na juventude. E assim, com este anoitecer violento, avulta um verso da Elis Regina, que se ouve nas ruas e que diz assim: eles venceram e o sinal está fechado para nós, que somos jovens!

 

Há um medo que paira nas avenidas, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. As ameaças são aspergidas todos os dias pelo rosnar dos cães. A terra treme. Mas estes tempos jamais foram vistos antes, vivemos no fio da navalha. As cascatas deixaram de despejar água cá para baixo. As albufeiras estão baixando de nível, então pode ser que haja o risco de pararem as turbinas da luz que vai enfraquecendo dentro de nós. Pois, se os rios secam, seca o país também. E os rios somos todos nós.

 

Pedro Langa já dizia: esta bela árvore já não tem folhas, caíram/o que significa que aqui em casa reina o pranto.

 

Há latidos profundos em todo o lado, então somos iguais aos cães, talvez piores que os cães, é assim como somos tratados! Mas o que é isto? É preciso repetir que a morte agora é fabricada. É servida em garrafinhas com rótulos dos demónios, como por exemplo “dinamite”. Na verdade há um rastilho aceso no nosso chão inteiro, e não poderemos nos esconder nas grutas. Que serão estilhaçadas.

 

Já não se fala de beleza nos whatsap e no facebook e noutras plataformas digitais. Passamos a vida total a escarnecermo-nos uns aos outros. A despejar todo o nosso fel por cima de nós mesmos. Tudo que se escreve agora nesses sítios tem tendência de nos conduzir à caminhos íngremes, ao pricipício. As coisas lindas que se lêem e se vem nos whatsap e nos facebook, são as mulheres, que também estão vituperadas. Não têm receio de nos mostrarem a parte mais macia do seu corpo. E isso é sinónimo de desespero na juventude. Frustração.

 

O belo atrai o belo, mas em Moçambique o belo feneceu. Nos subúrbios das cidades é que se nota com maior ênfase o privilégio de ser cão, e nem é necessário o uso da lupa para que toda a nossa nudez se torne clara. Aliás, o músico moçambicano já cantava: vada voxe (comem sozinhos). E se comem sozinhos, então não nos resta mais nada senão ser cão,  e andarmos por aí, na gandaia, revirando as latas dos ricos, até que todo o castigo e sofrimento termine. Não sabemos como, se de forma trágica, ou de outra forma.

 

A noite já vai longa demais, e não se vislumbra a aurora. Diz-se que não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas é preciso mudar esse paradigma, pelo paradigma da juventude. “Vamos madrugar muito, para que o sol nasça mais depressa”. Não precisamos de armas de fogo. A nossa pólvora são as mãos nuas que se abrem e se apertam a outras mãos. As nossas balas são as canções que vamos cantar de dia e de noite até que amanheça. Vamos dançar também, no palco dos becos e das ruas e da avenidas, com as matchatchulani (bailarinas chopes) à frente, esvoaçando as saiotas. São estas as nossas armas. Entregaremos, sem medo, o peito às verdadeiras balas que já começaram a chover como granizo de morte.

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