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sexta-feira, 14 junho 2019 06:15

Assim não, PODEMOS

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Bem que podíamos, tudo estava ao nosso dispor. Faltava é consubstanciar-se, tal sonho dos jovens, da sociedade civil e até dos Órgãos de Comunicação Social. Todos nós ficámos à espera, ora serenos ora aflitos. A informação, trancada a quatro chaves, tardava. Por isso desse todo rebuliço – o espectáculo de especulação e uma acentuada crise de espectativas. Queríamos só ter a certeza, ver aquilo estampado no rosto das nossas telas, como foi com Nyusi e Momade (os outros pouco interessam).

 

Ficar à espera é de uma tortura louca e inquietante. Nós – homens e mulheres com sede da mudança – antes do anúncio ficámos como ficam aqueles sem motivos para viver: desarrumados, tristonhos, deselegantes, indo e vindo a toa, sem qualquer graça. Esperávamos o propalado jovem filho daquele dedo sempre em riste para as nossas vidas voltarem a tocar nos carris. E não era difícil apenas acordar e no mesmo silêncio e improdutividade dormirmos. Sabíamos que o dia iria chegar. O dia em que os nossos ânimos iam se elevar e, engajados, cada um faria a sua máquina produtiva desenvolver o país. Os mais optimistas, sempre existem, já estavam adiantados na celebração, vaticinando um 15 de Outubro impróprio para os que temem a Nova Era: um novo cartão e uma nova Sede (não ali na Coop). Já se preparavam, inclusive, para ter as novas camisetas, bandeiras e o próximo passo era procurar o Mahel para algumas aulas de canto de forma que o hino fosse entoado como se bem merece. Os mais optimistas ainda já tinham iniciado contactos com gráficas e outros provedores de serviços para uma campanha impecável e já tinham contactado jovens gestores e economistas, dos melhores, para calcularem o preço da vitória.

 

Tudo isso, de dia para noite, reduziu-se à cinza. O sonho de alcançarmos a nossa independência juvenil, com políticas contemporâneas, o respeito às leis e a estabilidade militar e económica tornou-se um aborto espontâneo. Fracassamos antes mesmo de sair a rua, imbuídos de certeza e firmeza, clareza e leveza, destreza e crença de que o futuro seria a cópia dos nossos sonhos. Mais do que cânticos, camisetas e folhetos o que nos interessava partilhar com os moçambicanos era a consciência do “basta”, do “jamais será o mesmo”, do “agora é que vamos vencer” e do que “o futuro é agora”.

 

Quando vi aquele outro jovem, pálido e sem expressão; com o casaco a lhe rastejar e não ele andar; com um ar doentio e sem espalhar nenhuma determinação não me fiz de rogado, tive a certeza, estava claro como as águas cristalinas: assim não PODEMOS.

 

Como PODEMOS? Com um jovem frustrado enquanto músico e apontado dedos por qualquer um, quem queira, acusando-o de mesquinhices e “domestiquices”. Claro que aquele foi o tiro ao nosso próprio pé. É claro que não PODEMOS.

 

Com o outro pouco se sabe do que houve, nem pretendo especular. Mas que foi de uma traição digna das telas de Hollywood isso foi. Se fosse um filme, na certa mereceríamos um Óscar na categoria do inusitado ou do inesperado. Imagino então na cerimónia, lá na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, o mestre de cerimónias gritando: “o melhor filme inesperado é o PODEMOS e o prémio vai para Dinho XS”, e com um ar humorístico – característico daquelas apresentações – “aliás, Hélder Mendonça”.

 

E (continuo) imaginando, na primeira fila, Samito de mãos dadas com a Graça sem aplaudir aquela vergonha. Nós também. Nós não aplaudiríamos, como não aplaudimos naquele dia ali no Conselho Constitucional.

 

Até queríamos, mas não pudemos… porque assim não, PODEMOS!

Elcídio Bila

Sir Motors

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