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segunda-feira, 29 julho 2019 14:21

Moçambique: uma empreitada ou uma autoconstrução? Urge uma auditoria

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É expectável que uma obra tenha ou comece por um projecto de arquitectura de acordo com os termos de referência do promotor e que cumpra as fases posteriores (projectos complementares - estabilidade, hidráulica- electricidade - e o projecto executivo), incluindo a contratação de um fiscal e do empreiteiro. A obra - depois de aprovada pelas autoridades competentes - inicia e desenrola em ritmo ditado pelas condições existentes (financeiras, materiais, tecnológicas e humanas). É suposto que assim aconteça com o processo de construção das nações. Contudo, nem sempre uma obra é feita de acordo com os ditames dos manuais. E o caso de Moçambique? 


“O país é uma obra que nasceu de um projecto concebido - em 1962 - por Eduardo Mondlane (e outros), o primeiro Presidente da FRELIMO, cujo desiderato era a liberdade, a prosperidade e a união de todos (unidade nacional) num imponente edifício que se chama Moçambique. Por razões conhecidas o arquitecto do projecto, Eduardo Mondlane, não esteve na data do seu lançamento (7 de Setembro de 1974, Acordos de Lusaka) e na data do início da obra (25 de Junho de 1975, Independência Nacional). 


Hoje, volvidos 44 anos de avanços e recuos no processo de construção, existe a forte percepção de que a obra que se esperava uma empreitada (de acordo com os manuais) descambou para uma típica autoconstrução (fora dos manuais) à boa maneira da pérola do índico. Nada confirmado, mas para o indispensável esclarecimento uma auditoria preliminar foi encomendada em resposta à seguinte questão: até que ponto foram observados todos os procedimentos e empregues os recursos adequados para uma construção sólida e duradoura de Moçambique? 


O objectivo central da auditoria passa por obter a opinião profissional e independente da análise dos dados do projecto e dos da sua execução de modo a reflectir o estado da obra e o respectivo risco a 31 de Dezembro de 2019. Prevê-se que do trabalho saia um relatório e a competente carta de recomendações. Estes documentos serão publicados no próximo ano por ocasião dos 45 anos da independência do país. Em 2023/24 será feita uma auditoria completa (final) cujos resultados serão publicados no contexto das bodas de ouro da independência nacional (2025). Uma auditoria forense - havendo razões - será equacionada nos termos a serem acordados.” 


Estava a transcrever parte de um documento elaborado pelo conceituado e multidisciplinar turbo-consultor Doutor Fofa. Por coincidência um amigo e o garganta-funda (informador secreto) de alguns dos textos publicados e de certeza de outros que advirão. O nome FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) foi-lhe atribuído nas andanças das consultorias e de intervenções em conferências e na media, pois sempre que ele inicie ou termine uma análise recorre ao já famoso “nos termos da abordagem FOFA”. Esta frase passou a ser a sua marca. A marca do Doutor Fofa: uma figura eminente e incontornável dos meandros da luta pelo (sub)desenvolvimento sustentável do país. 


Coube a este turbo-consultor a empreitada de levar acabo a auditoria. Para tal cobrou (e foi aceite) 10% do Orçamento do Estado (OE) do ano em exercício. Uma pimba de massa como se diz na gíria popular. Na prática um outro ministério. Os argumentos de que o Estado não busca o lucro mas o interesse público e de que um consultor que se preze carece do adequado conforto para estar imune a outras percentagens foram demolidores e favoráveis para a decisão tomada. 


Para o pagamento da auditoria foi decidido que a fonte do dinheiro seria directamente do bolso dos moçambicanos. O valor por cidadão, o mecanismo para a sua colecta e a gestão do fundo seriam estudados, apresentados e operacionalizados a tempo do fecho da auditoria no presente ano e prorrogável por mais três meses. Para “um documento soberano, dinheiro soberano” foi a frase de ordem que abriu, dominou e encerrou o debate do “Consórcio Governo-Sociedade Civil” (ainda sem nome), encarregue para gerir o processo da auditoria. Porventura, o início de outros e novos tempos. 


Pela primeira vez, em três décadas e poucos anos de carreira de consultadoria, o Doutor Fofa seria pago pelo dinheiro do povo moçambicano. Todavia, o encaixe financeiro e o seu semblante não se encaixotavam com o gostinho da satisfação. Algo do tipo “o que o novo patrão implica como responsabilidade?” passava pela sua cabeça. Uma expressão adaptada da emblemática “o que a liberdade comporta como responsabilidade” - dita (por um afro-americano) a respeito e na altura da aprovação da lei que proibia a escravatura na América - que Severino Ngoenha, filósofo moçambicano, tem-se socorrido em outros contextos e sempre que necessário.  


Uma outra e possível razão (de contenção da satisfação) fosse - supostamente - o facto do Doutor Fofa achar que é o 13º da lista dos cidadãos a serem abatidos no âmbito da “Revolta dos Beneficiários”. Para mais informação desta sublevação - a revolta do eterno grupo-alvo do combate contra a pobreza cuja arena são as unidades hoteleiras - o leitor terá que ler o texto https://cartamz.com/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/2163-a-revolta-dos-beneficiarios do mesmo nome. Para quem leu o Doutor Fofa é o amigo que passou a ter medo de assinar a lista de presenças de batalhas de combate a pobreza. 


Para o início do trabalho de auditoria o consultor sugeriu e como parte da metodologia – inclusiva e participativa – um processo de auscultação aos donos da obra (o cidadão/povo). Deste exercício o Doutor Fofa espera recolher contribuições sobre o objecto em pauta. Os dados serão a posterior sistematizados de acordo com a análise FOFA ou SWOT, na língua inglesa, quando se pretende marcar a diferença. 


E sem marcar diferença termino o texto ciente de que cada moçambicano está em condições de conduzir a sua própria auditoria/avaliação e emitir uma opinião independente quanto ao facto da “obra Moçambique” ser uma empreitada ou autoconstrução bem como em relação ao estado e risco da mesma a 31 de Dezembro de 2019. Mãos ao cérebro. Saravá! 


PS (i): uma obra do estimado leitor (acabada ou em construção) pode servir de ponto de partida para a sua opinião. Aliás, acredito que este final de semana (ou um outro recente) tenha por lá passado com um sobrinho - recém-graduado em área afim - para a devida apreciação (técnica). Aposto que o sensato sobrinho não emitiu a real opinião por culpa do abarrotado “coleman”, penosamente castigado de tanto ser usado como anexo enquanto é o conteúdo principal das visitas à obra. Ademais, caso o sobrinho não tenha pedido o contacto do mestre/pedreiro ou tenha questionado com desdém “quem fez/está a fazer?” aconselho ao “mano” que fique preocupado quanto ao estado e risco da sua obra.  


PS (ii): seria recomendável que o fim de um mandato fosse acompanhado por um relatório de auditoria/avaliação independente da governação e a respectiva carta de recomendações. Estes documentos seriam uma ferramenta útil de (a) avaliação do desempenho e adequação ao contexto dos principais órgãos do estado, (b) estruturação do governo e (c) eleição/indicação de titulares de acordo com o perfil do e para o cargo. Para começar o acesso aos termos de referência seria importante. Ou melhor, a consulta pública deveria sempre iniciar pelos termos de referência do trabalho a ser executado. Não foi assim com o Doutor Fofa, mas fica a proposta para ser equacionada no futuro.

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