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terça-feira, 18 dezembro 2018 08:21

Não estamos aqui para fazer número: o “Manifesto” do Jovem Advogado

Escrito por

B. Matchole Cossa*

Algumas vozes se levantaram após as últimas sessões da Assembleia Geral (AG) da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), questionando a utilidade, comprometimento e valor do jovem Advogado.
Ora, não podia discordar mais de tais posicionamentos e imputações de inutilidade, falta de visão de futuro e de comprometimento com a causa da OAM, porque o jovem Advogado, ainda que desprovido da experiência prática dos mais antigos, tem predicados e tem demonstrado comprometimento com a causa da OAM que torna desleal e injusta qualquer imputação em contrário, vinda de quem quer que seja, ainda que de um Bastonário, em exercício ou não.

São vozes que, espantosamente, já assumiram funções relevantes na OAM viabilizadas pelos jovens de então... até porque silogisticamente, estes mesmo já foram jovens de então, sendo por isso incompreensível a imputação que fazem à chamada JOVEM ADVOCACIA.

 

Toda esta celeuma advém da votação na última AG de alterações aos Estatutos da OAM que continham uma proposta de liberalizar a entrada de estrangeiros na Advocacia nacional como trabalhadores subordinados, sem que estejam sujeitos à disciplina da OAM (art.º 54 da proposta). A Comissão de revisão dos Estatutos propôs uma redacção que a Assembleia Geral considerou não apropriada e por isso votou CONTRA a sua implementação. A votação foi expressiva 90 e tal votos CONTRA e 3 votos a favor. Maior recado não podia haver. NÃOS QUEREMOS. A AG é soberana e decidiu: NÃO! Tenhamos nós as melhores intenções, tenhamos nós a melhor experiência internacional, tenhamos nós os melhores argumentos, a AG disse NÃO e esta posição deve ser respeitada.


A Jovem Advocacia, como a avassaladora maioria da classe jovem trabalhadora deste país, debate-se com problemas de acesso a oportunidades no mercado, sendo por isso coerente que vote em sentido proteccionista dessas suas oportunidades. Isto é terra-a-terra.

Há duas grandes linhas de força entre os defensores do NÃO que importa aqui realçar para a devida atenção dos leitores que não participaram da AG e que não perceberam o sentido do voto:

1. A Votação era sobre uma redacção e não sobre um princípio. Poucos têm dúvidas de que precisamos aumentar nossas competências, sendo certo que a divergência é sobre o método de chegar lá. Até porque mesmo no quadro legal e normativo actual, o Advogado estrangeiro pode exercer em Moçambique de acordo com as regras estabelecidas no Regulamento que lhe é próprio, sendo por isso falso que a votação tenha sido contra o exercício da advocacia por estrangeiros.

 

2. O sentido de voto foi fortemente influenciado pela inexistência de uma regra de reciprocidade clara e actuante, no sentido de que estamos a fazer da nossa praça um simples Porto Seguro de toda a advocacia estrangeira, sem que no sentido inverso corresponda uma possibilidade similar para o Advogado moçambicano nas praças de origem destes que para cá venham.

Nos países por mim conhecidos e estudados para efeitos de comparação (Africa do Sul, EUA, Brasil, Angola, Portugal, Reino Unido, Itália, Espanha) estrangeiros não podem exercer a Advocacia livremente. Porque é que nós faríamos diferente? O mesmo se pode dizer das economias que cresceram nos últimos 20 ou 30 anos, os BRICS (do Brasil e Africa do Sul falei já acima), mas olhando para a Rússia, India e China e até para os Tigres da Ásia, todos têm regras claras e restritivas para o exercício da Advocacia por estrangeiros, pelo que se conclui que o argumento de aumentar a competitividade do país não pode colher.

 

Todos estes países, com maior ou menos amplitude, têm regras claras sobre o exercício da Advocacia por estrangeiros, sendo algumas:

(a) Uns exigem que o candidato tenha feito a formação no país enquanto que outros que o seu certificado internacional seja reconhecido no país;
(b) Uns exigem mais anos de exercício no país de proveniência que outros;
(c) Uns limitam os actos dos Advogados estrangeiros apenas à aconselhamento em matéria de direito internacional e da sua jurisdição de proveniência, quando outros depois da aceitação não limitam os actos,
(d) Uns permitem que actuem apenas em áreas específicas (geralmente direito de negócios), vedando, por exemplo, que pleiteiem na jurisdição criminal, outros não o fazem,
E a lista podia estender-se, mas o básico é que todos têm regras claras e concretas para o exercício da advocacia por estrangeiros, quando nós essencialmente pretendíamos criar um mercado aberto e para estes um tanto ou quanto desregulamentado. Não havia reserva alguma na norma apresentada que permitisse interpretar ou inferir qualquer espécie de limite.

A isso eu acrescento um terceiro ponto, pessoal, que se resume na inexistência de regras claras sobre a avaliação das competências de quem queira vir e a possibilidade de distinguir quem venha para acrescentar valor e quem seja mera “fauna acompanhante”, com o perdão da expressão!

 

DAS REACÇÕES À VOTAÇÃO
“Amicus Plato Sed Magi Amicus Veritas” - Sou Amigo de Platão, mas sou mais amigo da Verdade

Após a AG, um dos grandes defensores e entusiastas da posição da liberalização da prática da advocacia por estrangeiros, Tomás Timbane, meu amigo, influenciador e fonte de inspiração (ele sabe), fez um post no qual rotulava injustamente, no meu ponto de vista, a jovem Advocacia, entre outras coisas, de inútil, não comprometida com a causa da Ordem e, em resumo de emocionados (votamos pela emoção e não pela razão)!
Ora, eu não podia discordar mais com esta posição. Desde logo porque assumir que quem votou contra renunciou ao uso da razão é um opróbrio!


O jovem advogado vive as suas lutas e vota em função das suas aspirações e dificuldades! Não é honesto, justo e nem de bom-tom rotular quem vota contra a sua pretensão.
Passou-se uma imagem de que a jovem advocacia devia apenas viabilizar a pretensão do grande capital! Vejamos a seguinte situação: a norma negada dizia que os escritórios podem ter a seu serviço Advogados estrangeiros como trabalhadores subordinados. Ora, a pergunta que se não quer calar é: que escritório pequeno/médio conseguiria pagar a um expatriado? Está claro que isto é uma norma para os grandes, com cabedal. É isso não foi, a meu ver, devidamente aquilatado pelos defensores do SIM! O jovem advogado sentiu isso, PENSOU isso e NEGOU. A bem do futuro da OAM que somos nós... No limite e numa situação de entrada desenfreada de estrangeiros na nossa Advocacia, chegaremos ao ABSURDO de ter no futuro uma Ordem dominada por interesses estrangeiros e um Bastonário Estrangeiro que decerto defenderá agendas próprias!

Se o debate, do ponto de vista público, continuar, apresentaremos aqui uma proposta de redacção que separará as águas e permitirá ver que o problema não está no princípio (exercício da advocacia por estrangeiros), mas no texto da norma que foi colocada à votação.

 

Por isso,

O MANIFESTO
1. REPUDIAMOS as declarações de quem acha o jovem Advogado um Sub-Advogado, inútil, não pensante e emocionado, e bem assim que se questione o nosso comprometimento com a causa da Advocacia nacional;
2. ENTENDEMOS que as declarações acima mencionadas representam violação grave e pública do dever de correção e urbanidade entre colegas, pugnados nos Estatutos da OAM;
3. EXIGIMOS um pedido formal de desculpas da parte de quem colocou em causa as nossas faculdades mentais, intelectuais e comprometimento com a Ordem;
4. LEMBRAMOS que somos a maioria e terão de aturar-nos, gostem ou não das nossas posições.
5. Mesmo sendo a maioria, NÃO ESTAMOS AQUI APENAS PARA FAZER NÚMERO. Temos ideias e interesses próprios a defender pelo nosso presente e pelo nosso futuro que não alienaremos por nenhuma declaração pública de falta de respeito a esta parte da Classe.

 

NOTAS FINAIS

1. Nos últimos anos, a chamada Jovem Advocacia tem constituído cerca de 80% se não mais da participação nas Assembleias Gerais e já começou a reclamar para si espaço dentro dos órgãos sociais da OAM, logo a alegação de falta de comprometimento não procede!
2. Para o ano haverá eleições e nós VAMOS VOTAR!

 

*O autor é Advogado. O texto foi revisto e ampliado do Post no Facebook de Benny Matchole Khossa.

 

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