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quarta-feira, 18 março 2020 12:55

Carta Aberta ao Senhor COVID-19

Escrito por

P(r)ezado Vidinho,

 

Antes demais as minhas sinceras desculpas pela intimidade e ousadia em aproximá-lo. Embora não me conheças, eu, infelizmente,  conheço-te. Tenho acompanhado as tuas peripécias mortíferas pelo mundo fora. Aqui fala Moçambique. Um dos países que ainda não localizaste. Acredito que não seja nenhuma avaria do seu aparelho de localização ou que eu não conste no seu  mapa. Ou ainda,  porque ando em quarentena – nos anexos da humanidade -  desde o meu nascimento. Estou consciente que andas pelo pátio do quintal.  E sei de que tarde ou cedo estarei na tua tela. Aliás, quem sabe, enquanto escrevo estas linhas, a porta bata e me abatas. Mas antes, oiça o que tenho para dizer-te,  seu patife! (não me leva a mal)

 

Olha Vidinho,

 

Espero que aterres em missão de paz. Uma missão não igual à anteriores que já desfrutei no passado. Desta vez, que seja mesmo de paz, efectiva e definitiva. Tenho esperança que assim seja, pois das tuas andanças pelo mundo deu para notar que não lhe falta  seriedade – embora fulminosa – em trabalho. Ainda espero que não confundas um país hospitaleiro com um país  hospedeiro. Sobretudo, que não uses e abuses da minha hospitalidade – como tantos o fizeram e o fazem - para hostilizar-me e, no final,  deixar-me mais hospitalizado do que me encontro desde a tenra idade. 

 

Vidinho,

 

A tosse, as febres, as dores musculares e de cabeça que anunciam a tua chegada  não me são estranhas. Elas são minhas companheiras há mais de 40 anos.  Destes sintomas, temo que a tosse, curiosamente  a mesma tosse do  SOS da minha sobrevivência, que de tão audível e com stereo, denuncie o meu endereço, um local que o mundo relegara-me e com alguma responsabilidade minha pelo meio e desde o início.

 

Vidinho,

 

De tanto hospitalizado, desenvolvi alguma resiliência ao conselho alheio e ao que se passa fora dos meus aposentos. Tenho uma forte e repelente tendência em não  perceber os perigos que me rodeiam e  assim agir com antecedência. Talvez padeça do Síndroma de Estocolmo: amo os que me sugam e detonam.

 

Vidinho,

 

A minha vidinha, nestes quarenta e poucos anos de quarentena, depende do pessoal do pátio e da casa grande. Boa parte dos últimos, não gostaram de certas coisitas que fiz quando deixaram-me sair para  uns raios de sol no pátio. Desde então, de joelho, passei a viver deitado. Agora, e a partir dos quadradinhos do leito hospitalar, apenas vejo uma linha longínqua da esperança dos números do norte. Até lá, e nestas condições – e por minha grande culpa - não tenho peito para  enfrentá-lo, logo que bateres a minha porta.  Pior agora, em que  o pátio e a casa grande não vão bem por conta da sua visita. Imagina a mesma visita a quem depende deles? Não venhas, “Please”!

 

P(r)ezado Vidinho

 

A terminar - adoentado e  deitado nesta vasta cama do índico - encarecidamente, aqui e em todo o lado:  “Peço Distras!”. Caso contrário, espero que da tua visita não tenham que inscrever na minha lápide: “Moçambique (1975-2020). Deletado por COVID-19”

 

Pioras para ti, seu patife!

 

com sinceridade

 

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