Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
segunda-feira, 20 abril 2020 15:07

DIÁRIO DE UM CONFINAMENTO NO CHILE: “os meus dias de “escuridão”

Escrito por

Escrevo este diário a partir do centro de confinamento para controle de coronavírus na cidade de Santiago do Chile, onde me encontro confinado desde o dia 9 de abril. A sentença foi de 14 dias de escuridão, sem a luz do dia e sob uma forte vigilância das autoridades locais. Por pouco, caia em depressão.


Dia 1


“Uma saída difícil do Brasil que me levou ao confinamento”


A minha história começa na cidade de São Paulo, onde estava a realizar um intercâmbio internacional de estudos ambientais, que infelizmente foi cancelado. Foram 5 dias de ida ao aeroporto sem poder viajar, na maioria dos dias pelo cancelamento do voo, informação que apenas tinha acesso no local. Entre vários motivos, devia regressar ao Chile por se tratar do meu país de residência e por ter obrigações acadêmicas ainda por cumprir.


No dia 9 de abril, finalmente consegui viajar e para o meu espanto se tratava de um “voo humanitário” de regresso dos nacionais e residentes no Chile. Éramos em média 20 passageiros, e mais tarde fiquei sabendo que alguns tinham testado positivo para Covid-19. Chegado ao aeroporto, fui surpreendido com a informação sobre o confinamento, que deveria permanecer num “hotel” durante 14 dias antes de retornar a minha casa. Segundo explicaram, o facto de ter passado por um país de risco tornava-me, automaticamente, um caso suspeito. Pelo que, deveria ser confinado durante 14 dias (renováveis) num estabelecimento vigiado pelas autoridades governamentais. A minha temperatura foi de 36.7, mas mesmo assim, deveria seguir o protocolo.


Fiquei assustado, não sabia em que condições passaria os próximos 14 dias, mas a ideia do hotel acalmava-me, pois, imagina um local a (mil) maravilhas - pensamento desmentido pela realidade.


Cheguei ao local, eram 22h, o carro deixou-me na porta do hotel. Já estavam à minha espera e conduziram-me ao quarto. O meu quarto era pintado de branco e tinha janelas com cortinas presas (que não me davam acesso ao exterior). Sobre o hotel, não sei nada de concreto, não conheço a cor, o tipo de infraestrutura e nada, apenas sei que nas manhãs sentia um cheiro de comprimidos - algo que me fazia levantar várias questões.


Dia 2:


“Chorei, quando recebi a minha primeira refeição”


Eram 7h45, quando bateram à porta (sinal de aviso da hora de refeição), abri a porta do quarto e vi uma bandeja jogada no chão, com pedacinho de pão e água quente. Entendi, ja que se trava de pequeno-almoço, mas a história piorou na hora do almoço: quando eram 12h, o sinal da porta voltou a despertar-me, estava lá a minha bandeja, abria-a e o meu corpo não conseguiu segurar as lágrimas, era uma mistura estranha que parecia sopa, feijão, verdura e um mar de água. Naquele momento, entendi que estava numa prisão e não num hotel.


Dia 3:


“As notícias de Moçambique, deixavam-me mais triste”


Acompanhava diariamente as notícias de Moçambique, casos aumentando a cada dia e mais relaxamento das medidas tomadas pelo presidente Nyusi. Fiquei confuso, não entendi como numa altura que o país registava maiores números, se relaxa medidas de grande importância como a lotação nos transportes públicos. Não entendia como doentes de coronavírus continuavam em cuidado domiciliário. Ficava mais confuso quando recebia depoimentos de pessoas em quarentena obrigatória dizendo que nunca foram ligados pelas autoridades de saúde. Perguntava-me, como isso é possível? Eu, mesmo sem apresentar sintomas fui submetido ao confinamento, recebo ligações periódicas para o controlo do meu estado de saúde. 


Dia 4:

“O cheiro de comprimidos que não me deixava em paz”


O cheiro de comprimidos piorava a cada dia, não o suportava e decidi abrir a minha porta para avaliar a sua origem “a história da curiosidade que matou o gato”. Em menos de 1 minuto se aproximou um funcionário e disse “volta ao quarto, abra esta porta apenas quando for para levantar a comida”. Humildemente retornei ao quarto e a sensação de estar preso piorava. Já no quarto, recebi um alerta por telefone“ a saída do quarto pode custar-te uma multa”. A partir deste dia, aprendi a conviver com a minha curiosidade, mas não me saía da cabeça que algo de errado estava acontecer.

 

Dia 5:

 

“A história de cobaia e o medo por ser negro”

 

(Próximo capítulo)

Sir Motors

Ler 3401 vezes