"Estamos a morrer a fome, papá Nyusi", gritou Florinda Gonçalves; uma mulher brava com uma fala revolucionária; lamentou em uma das línguas nacionais, Xichangana. "Nós temos coragem de falar com o governo sobre a caça furtiva", afirmou Florinda.
Indo mais disse "aqui tem muita gente pobre, por isso é insulto para nós falarmos do que estão falar. Elefantes e girafas andam a fazer estragos e a matar pessoas. Pedimos ao papá Nyusi para que nos autorize a caçar animais de pequeno porte, porque aqui não há emprego e nem esperança de dias melhores".
Estávamos no povoado de Mucacaza, localizado a 101 km da vila-sede de Moamba, província de Maputo. Um lugar rodeado de fauna, flora e muita vida. Mucacaza tem 89 famílias equivalentes a 185 habitantes, conforme apuramos das autoridades locais.
Presente naquele local como caçador e contador de histórias de vida, eis que depois de uma longa viagem de carro em terra batida, cheguei a Mucacaza; a população a aguardava-nos ansiosamente para expôr as suas preocupações e fazer chegar a quem de direito. Com uma população jovem ensombrada pela busca de riqueza fácil nas reservas em redor de Mucacaza e na terra do rand.
A juventude e as mulheres, cujas algumas são viúvas, por terem perdido os esposos, irmãos, amigos, filhos e vizinhos na selva atrás dos troféus dos animais como rinoceronte, elefante, leão e leopardo. Hoje com as medidas de conservação da fauna bravia endurecidas, os exímios caçadores de Mucacaza vivem dias tenebrosos e pedem socorro, porque as oportunidades segundo eles não aparecem.
Foi como Fernando Timba, residente de Mucacaza, repisou na mensagem para o papá Nyusi. "As pessoas vivem desenrascando devido à falta de condições. Aqui falta tudo. Vocês ficam satisfeitos quando vossos filhos não trabalham?" Questionou Timba. Acrescentando disse que “em Mucacaza não soubemos sobre os 20%, mesmo com as reservas em redor do povoado, e nas mesmas só trabalham estrangeiros”.
Carlitos Ntimane, um outro residente de Mucacaza disse que o elefante é o animal mais amado e acarinhado do que as pessoas. “Já perdemos muitas pessoas devido aos elefantes e há sete anos que procuramos explicações e socorro, mas ninguém nos apoia e nem nos respondem. Mais de 100 bois já morreram devido ao leão”.
Para os residentes de Mucacaza, as autoridades que velam pela conservação e governamentais só aparecem no povoado e não falam com ninguém e vão se embora. Por isso, para eles, enquanto filhos da pátria amada, precisam que o papá Nyusi, presidente da República de Moçambique, resolva a situação porque a fome não lhes faz raciocinar em prol da conservação ambiental, combate aos casamentos prematuros e muito menos às políticas de desenvolvimento propaladas pelo executivo de Maputo.
Em Mucacaza vive-se em situações de "Deus dará". Num contexto em que a única actividade rentável era e é a busca incessante pelo xibedjane. Mesmo próximo a barragem, o acesso à água é um martírio, aliada a falta de electricidade e os constantes riscos do conflito homem-fauna. Facto este que tem levado maior parte da população a retirar-se para vizinha África do Sul, onde alguns acabam tombando na saga da caça furtiva.
No povoado de Mucacaza, a mudança de consciência de que os tempos são outros e que existem leis que protegem as reservas parece ser um longo desafio, havendo vezes é que os caçadores furtivos são detidos na reserva e as autoridades, por medo de emboscadas da comunidade na transferência, transportam-lhes pelos helicópteros até a Vila.
Em Mucacaza existe uma escola primária completa em que maior parte dos alunos não chega a concluir a 7ª classe, porque devido às necessidades familiares, alguns alunos passam o tempo mudando de local em local em busca de melhores condições e sem seguir os procedimentos normais de transferência ou de mobilidade estudantil; facto este que, para alguns, acaba atingindo idades compreendidas entre 12 a 16 em classes como 3ª, 4ª ou 5ª classe, o que acaba desmotivando os mesmos de prosseguir com os estudos levando-os a enveredar pela caça furtiva ou outras actividades nebulosas.
Texto elaborado no âmbito do trabalho jornalístico realizado em comunidades assoladas pela caça furtiva, nos distritos da zona sul de Moçambique.