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terça-feira, 01 dezembro 2020 08:09

Deus está morto!

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Deus está morto! Sim. Fora barbaramente estripado, em Muidumbe, esta mesma manhã que vos falo. Morreu sem hossanas, glorias e nem milagres, morreu apenas! Decapitaram-no com recurso a baionetas, depois esquartejaram-no como uma carne que se pretendia vender a quilos num bazar algures em Ntchinga, na aldeia onde silenciosamente estão estardalhadas as partes do seu corpo.   

 

Antes da brutalidade, os seus carrascos zombaram da sua divindade, chamaram-no de nomes, ridicularizam-no perante o olhar indefeso dos seus fies. Antes de morrer Deus chorou, claro, quem não choraria perante tamanha barbárie. Suplicou pela vida, porém, os bárbaros já farejavam o seu sangue quente como abutres à uma carne podre.

 

O primeiro grito circulou as veredas sinuosas da outrora pacata aldeia de Ntchinga e estacou-se no poente onde abutres de verdade comandam, o segundo fora interrompido por um golpe fatal, que separou a cabeça do resto do corpo, e caiu ali mesmo, como uma bola que falha à baliza adversária, ouviam-se apenas os aplausos dos algozes sedentos de sangue que agora inunda a terra também vermelha.

 

Deus está morto! Sim. Morreu desumanamente como todos que em Cabo Delgado morrem, cheios de medo e abafados de gritos ainda por fazer. Depois de separado do corpo, os abutres sorveram e lambuzaram-se com o encarnado ainda quente do Altíssimo, espetaram a cabeça numa carcaça, as restantes partes do corpo espalharam ao chão, como se estivessem a adubar a paz.

 

Aos gritos, eufóricos, fizeram rufar o mahindra, camuflado com placa de inscrição moçambicana, que lhes transporta, hastearam bandeiras com escritas árabes, no meio da algazarra e poeira a mistura rumaram a outras chacinas, à caça de outros deuses, porque agora, em Cabo Delgado, cada homem que morre, morre com seu Deus e nem há tempo de dizer adeus.

 

Pois é, Deus está morto! Sim. Morreu e vai continuar a morrer em Muidumbe, Nangade, Mocímboa da Praia, Macomia, Mecúfi, Meluco, Metuge, Mueda, Namuno em todo Cabo Delgado, morto e abandonado antes mesos dos três galos, cruxificado nessa guerra sem rosto e sem argumentos que continua esquizofrenicamente a evoluir sob olhar impado dos seus fies.

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