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quinta-feira, 05 agosto 2021 09:32

A Ressurreição de “A Arte de Escrever”

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Enquanto o Jota cogitava na situação do Chinês, que não descontinuava de fotografar a nossa vasta floresta, que há tempos reclama de violação e desflorestamento, ao longo das margens da extensa e abandonada Ene Um, ao mesmo tempo que em sua mente circulavam memórias de ocasiões que, em vida, havia partilhado com a sua amada tia Marciana, Manuelinho interpelou:

 

— Sobrinho, sabes que podes escrever sobre este assunto? — Referindo-se às fotografias do Chinês, com olhos arregalados espalhando-se entre os cantos daquele autocarro desprovido de modernidade. De imediato, os seus ouvidos hospedaram uma resposta vinda do Jota:

 

— Tio, escrever é um bom exercício para a nossa memória. Aliás, a escrita permite que nós preservemos não somente as nossas memórias, factos do dia-a-dia, mas também a própria história e os factos marcantes e não marcantes que se despejam nas páginas da vida.

 

— Falando nisso, sobrinho, já ouviu falar da obra “A Arte de Escrever”? — Inquiriu Manuelinho.

 

— Sim, tio. É “Arte de Escrever Bem”, nem? Eu até tenho este livro publicado em uma das minhas redes, a academia.edu.[i] É um manual meramente jornalístico que ensina a escrever bem. — Respondeu o jovem Jornalista-Estagiário e devolveu a sua voz ao abrigo do silêncio.

 

— Não é “Arte de Escrever Bem”, de autoria de Dad Squarisi e Aríete Salvador. Refiro-me à obra “A Arte de Escrever”, simplesmente, sem incluir o “BEM”, substantivo que evidencia um conjunto de qualidades positivas. É de autoria de Arthur Schopenhauer. Conheces, meu bom sobrinho?

 

— Se não é a mesma, então, não me lembro, tio. Podes falar-me um pouco sobre essa obra? Afinal, nunca devemos parar de aprender nesta vida. Os que param de aprender, igualmente, param de crescer. Isso funciona em todas as áreas da nossa vida. Quem não aprende, permanece estagnado e estático no tempo. — Afirmou o Jota, para depois acrescentar:

 

— É verdade, escrever é mesmo uma arte. E há quem realmente é um bom artista nesta área, como Mia Couto. Saber pegar nas 26 solteiras do nosso abecedário e, a partir delas, montar um bom guisado de frases, períodos e parágrafos, como Jacó, filho de Isaque e neto de Abraão, que se traduz em textos, relatórios, monografias ou mesmo livros, é, de facto, uma admirável arte. No entanto, como acontece em qualquer área de actuação, há quem escreve artisticamente mal.

 

— Confirmo, sobrinho. Mesmo na música, isso acontece. Às vezes, como Produtor Musical, eu sofro com Cantores e Músicos que vem gravar as suas músicas, mas a melodia não se encaixa na letra e vice-versa. Noutras ocasiões, sou obrigado a reescrever as músicas! Enfim, nem quero me lembrar disso! — Referiu Manuelinho. Em seguida, acrescentou:

 

— Voltando ao nosso assunto, Arthur fala muito bem deste assunto, aos mínimos detalhes. Eu penso que seria uma boa opção de leitura para ti ou qualquer amante das letras. — Declarou Manuelinho, numa tentativa de se esquecer das lágrimas que acabara de entornar e dos choros das suas irmãs, primas, tias e demais familiares que, num futuro bem próximo, teria de acomodar. Na sua cultura, os homens não choram para fora, molhando camisas e casacos. Pelo contrário, eles fazem escorregar as suas lágrimas para dentro. Naquele contexto, ele seria um dos casos notáveis, similares às quebra-cabeças da Multiplicação do Ensino Secundário.

 

— Então, tio, qual é a tónica desta lendária obra do renomado Arthur?

 

— Arthur Schopenhauer é um Filósofo e Professor Universitário Alemão, que nasceu no oitavo ano da nona década do século dezoito, depois de Cristo, e morreu no último ano da sexta década do século seguinte. Parte dos seus pensamentos tem base nas ideias de Immanuel Kant, renovável Pensador e Filósofo da era moderna. Arthur passou quase toda a sua vida a ensinar!

 

— Sério? Ele era seguidor do autor das Críticas, ou seja, a “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” e “Crítica do Juízo” ou, numa tradução mais próxima à obra original alemã, “Crítica da Faculdade do Juízo”? Então, vejo que a obra dele deve ser muito rica e possui ideias que podem ajudar a qualquer um que pretende escrever ou mesmo que escreva. Pois, não, tio? — Indagou o Jota, tentando puxar a conversa, a fim de ressuscitar a “” de Arthur.

 

— Ahaannn… Acertaste em cheio, meu filho! Por isso, Schopenhauer era um grande crítico dos Escritores da sua época. Nesta obra, A Arte de Escrever, ele critica o estilo dos Escritores, as preferências dos leitores, as recomendações dos críticos, bem como o pensamento dos Filósofos, e propõe uma nova dinâmica de fazer Literatura e Filosofia. Ele, identicamente, rebatia a forma como os seus contemporâneos reflectiam, liam, escreviam e usavam a língua para descrever as variadas realidades daquela época. — Assegurou Manuelinho, esbanjando ciência.

 

— Wooow… É muita coisa, tio. Se vivesse nos nossos dias e tivesse uma conta no Facebook, certamente, Arthur teria muito que dizer, principalmente, sobre os nossos estudantes universitários e afamados analistas televisivos, que trasbordam nas nossas telinhas mágicas e nas redes sociais. — Afirmou Jota, requerendo, informalmente, mais comentários da parte do tio.

 

— Hummmm… Sendo sincero, sobrinho, com base no que ele descreve em “A Arte de Escrever”, não estaria conformado com a nossa realidade. Arthur espantar-se-ia com a quantidade de estudantes e analistas, de todos os tipos e todas as idades, que se orgulham em ter apenas a informação, mas não a instrução, cuja honra se baseia no facto de terem informações sobre tudo, todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e conjunto de todos livros. Não lhes ocorre que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, se não for bem utilizada. — Sublinhou o jovem que perdeu o volumoso jackpot contractual para se tornar Presidente do Município de Quelimane.

 

— Isso é muito profundo, tio. Este pensamento é mesmo actual. Dá para ver que Arthur era um grande homem. — Disse Jota — Estendendo a sua mão direita sobre a cabeça e acrescentou:

 

— E sobre a escrita, o que ele diz em “A Arte de Escrever”? Eu creio que Arthur disse algo digno de registar em nossas memórias. Vou até abrir as páginas do meu cérebro e com a caneta dos meus neurónios caligrafar estas informações para a minha melhor instrução como Jornalista.

 

O mais belo pensamento corre o perigo de ser irremediavelmente esquecido, quando não é escrito. — Disse uma voz saudavelmente feminina, bem afinada e decorada de leite e mel frescos, que atravessou os nossos ouvidos. — “Assim como a amada pode nos abandonar, se não nos casamos com ela.” — Acrescentou Manuelinho, ao mesmo tempo que, influenciado pela frase que acabara de libertar, contornava a sua quase debilitada visão em direcção aos olhos castanhos, pintados de entusiasmo, daquela jovem e passageira de visíveis qualidades.

 

O saber é o princípio e a fonte para se escrever bem. — Adicionou aquela jovem.

 

— Olá, moça. Tudo bem? Chamo-me Manuel. — Disse Manuelinho, tentando mostrar que não era uma criancinha sem noção das coisas. — E acrescentou: — Também já leste o livro de que nos referimos? — Questionou, enquanto movimentava a língua sobre os seus lábios.

 

— Olá, Manuel. O meu nome é Shantel. — Referiu a jovem passageira e manteve-se em silêncio.

 

— Opha… Até que os nossos nomes rimam. Ambos terminam em “el”. Será isso uma mera coincidência ou um plano sobrenatural? — Assumiu, todo esperançoso, o Manuelinho.

 

— Tio, ainda em “A Arte de Escrever”, o que disse Arthur sobre os Escritores? — Interpelou Jota.

 

— Jota, meu filho… — Soltando alguns sorrisos, como quem quisera enviar uma mensagem encriptada. — Para Arthur, há dois tipos de Escritores: aqueles que escrevem em função do assunto e os que escrevem por escrever. Os primeiros tiveram pensamentos, ou fizeram experiências, que lhes parecem dignos de ser comunicados; os outros precisam de dinheiro e, por isso, escrevem. Escrevem somente por causa do dinheiro. Infelizmente, esses são bastantes!

 

— Tio, eu penso que muitos se enquadram na segunda categoria, da qual eu não quero integrar. — Desatou o Jornalista-Estagiário. Ele já reviu muitos textos, monografias e livros, por isso, sabia muito bem do que estava a falar. Além disso, ele era um Escritor em formação, que sonhava em ser autor de vários livros!

 

Também se pode dizer que há três tipos de Autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros! — Acrescentou a Shantel, visivelmente confiante, e soltou olhares macios e chamativos ao Jota.

 

— E qual é a base fundamental para escrever? — Perguntou o Jota, procurando colher mais conhecimentos sobre “A Arte de Escrever”. Ele não queria nada além disso.

 

— Escrever como se estivesse a preparar a construção de uma casa. Deve ter a planta do que pretende escrever. Esse é o começo! Não se difere da Arquitectura. É necessário ter o projecto do que você precisa de construir e não apenas começar a cavar, colocar blocos, pedras, areia, cimento, água, varrões, ou qualquer material de construção. É por isso que temos muitas casas malnutridas, e livros também, que desabam diante que qualquer ventinho. — Argumentou Manuelinho, como se estivesse a desabafar.

 

— É verdade, Manuel. Como disse Arthur, poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro, esboçando o projecto e considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma forma como se estivessem a jogar cartas. Nesse jogo, às vezes, segundo uma intuição, ganhamos; às vezes, por mero acaso ou batotice, encontramos cartas certas para ganhar o jogo sem que o nosso adversário ganhe uma rodada sequer, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão das frases desses Escritores. Mas não deveria ser assim. — Salientou a Shantel.

 

Só uma mente de destaque é capaz de nos oferecer algo digno de ser lido. — Mencionou Manuelinho, e acrescentou: — No fundo, o autor engana o leitor sempre que escreve para encher o papel, uma vez que o seu pretexto para escrever é ter algo a comunicar.

 

— São tantas coisas que, quando bem entendidas e aprimoradas, podem ajudar muitos jovens a desenvolver a Arte de Escrever, claro, com a devida qualidade e reverência necessária. — Sublinhou o Jota que, em seguida, demandou: — Segundo Schopenhauer, é possível aprender a escrever a partir dos escritos de outro Escritor, isto é, através da leitura de livros?

 

— É possível, sim, sobrinho. No entanto, ele adverte que nenhuma qualidade literária – como, por exemplo, a capacidade de persuasão, a riqueza de imagens, o dom da comparação, a ousadia, ou a amargura, ou a concisão, ou a graça, ou a leveza da expressão, ou mesmo a sagacidade, os contrastes surpreendentes, a ingenuidade, entre outras – pode ser adquirida pelo simples facto de lermos Escritores que possuem tal qualidade. — E acrescentou:

 

— Entretanto, se a pessoa que deseja escrever, o futuro Escritor, possui estas qualidades in potentia, pode evocá-las, trazê-las à consciência, ver que uso é possível fazer delas, fortalecer a sua inclinação, na disposição para usá-las, julgar o efeito da sua aplicação em exemplos e, assim, aprender a maneira correcta de usá-las; e só, então, é possível ter estas e demais qualidades de escrita desejáveis in actu, ou seja, na prática ou em acção, escrevendo.

 

Essa é a única maneira de a leitura ensinar a escrever, na medida em que ela nos mostra o uso que podemos fazer de nossos próprios dons naturais; portanto, pressupondo sempre a existência destes. Sem eles, não aprendemos coisa alguma pela leitura, a não ser uma forma fria e morta, de modo que não nos tornamos nada mais do que imitadores banais. — Sentenciou a Shantel. E, virando-se para o Jornalista-Estagiário, perguntou: — É isso que queres ser, Jota?

 

— Claro que não! Mas muitos escrevem apenas por escrever! Aliás, antes de escrever, deve-se, também, pensar no leitor. Ninguém deve escrever, simplesmente, para queimar o tempo do leitor. Afinal, é o leitor que não apenas actualiza, mas também, dá vida ao conteúdo do texto. Sem o leitor, o texto morre e não alcança o objectivo pelo qual foi escrito. Eu penso assim, querida Shantel! — Argumentou o sobrinho do Manuelinho.

 

— Até parece que leste “A Arte de Escrever”, Jota. É preciso ser económico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. — Sublinhou Manuelinho, enquanto afastava a cortina e empurrava o vidro do autocarro, onde ele estava sentado, para se escapar dos fortes raios solares que tentavam interromper a fluidez da nossa conversa.

 

— Vejo que este livro, A Arte de Escrever, é mesmo interessante, tio. — Comprovou Jota.

 

— Além de interessante, é uma obra importante e actual. E, como disse Arthur, cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes. Em parte, porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido correctamente quando se conhece o final; em parte porque, na segunda vez, cada passagem é acompanhada com outra disposição e com outro humor, diferentes dos da primeira, de modo que a impressão se altera, como quando um objecto é observado sob uma luz diversa. — Concluiu Manuelinho e aquietou-se no seu assento, cuja almoçada, de tanto trilhar a estrada sem manutenção, estava quase descascada.

 

— Mais do que isso, Arthur fala de aspectos críticos sobre a leitura que, também, são dignos de destaque. Até parece contradição face ao que ele escreve, mas são meras verdades. — Afirmou Shantel — Para depois acrescentar: — Ler significa pensar com uma cabeça alheia, em vez de pensar com a própria. E nada é mais prejudicial ao pensamento próprio do que uma influência muito forte de pensamentos alheios, provenientes da leitura contínua.

 

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos o seu processo mental, do mesmo modo que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a pena os traços que seu Professor fizera a lápis. — Adicionou Manuelinho.

 

Neste intervalo, ouviu-se o barulho do empurrar de um dos vidros do autocarro, no lado de trás. Conseguia-se escutar, igualmente, os sons do volume de um Smartphone que recolhia fotos para a sua quase entulhada galeria. Do lado de fora daquela janela, havia uma enorme quantidade de árvores. Um verde escuro banhado de clorofila! E ali estava, novamente, como se nada estivesse a acontecer, o Chinês, planificadamente mansinho, com o seu Huawei preto, capturando imagens da nossa vasta floresta.

 

Surpreso, após ouvir aquelas declarações, o Jota questionou:

 

— Então, que saída temos neste processo?

 

— Não te preocupes, Jota. Não significa que devamos parar de ler. Simplesmente, quer dizer que devemos ler e pensar ou meditar no que lemos. Se alguém lê continuamente, sem parar para pensar, o que foi lido, não cria raízes e se perde em grande parte. — Cimentou a Shantel.

 

— Além disso, quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. — Arremessou Manuelinho.

 

— Ahaaannn… Agora entendo a colocação de Arthur sobre a situação dos estudantes e estudiosos ou analistas da sua época que, de igual modo, se estende à nossa, ao distinguir a posse de informação da instrução de quem a possui. É por isso que não podemos confundir a compra dos livros com a assimilação do seu conteúdo. — Argumentou o Jornalista-Estagiário!

 

— Exactamente, Jota! — Exclamaram, em uníssono, Manuelinho e Shantel! Enquanto isso, o motorista aumentava a velocidade do autocarro e, assim, seguiam a viagem rumo ao Chiveve, terra de sonhos confiscados, na qual, dois anos mais tarde, IDAI semeou luto generalizado.

 

Naquele intervalo, momentâneo, banhados de fadiga e sono, uma voz masculina interrogou:

 

— Jovens, vejo que vocês guardaram, em vossas memórias, tudo sobre “A Arte de Escrever”. Não apenas ressuscitaram Arthur Schopenhauer, mas também a própria obra.

 

— Não, companheiro! Nós guardamos apenas o essencial para alimentar esta simples conversa. — Declarou Manuelinho e, conclusivamente, acrescentou:

 

Exigir que alguém tivesse guardado tudo aquilo que já leu é o mesmo que exigir que ele ainda carregasse tudo aquilo que já comeu! Entretanto, do mesmo modo que o corpo guarda apenas aquilo que lhe é útil, assim também acontece com a leitura, o cérebro guarda o que nos interessa e é necessário para o nosso bem-estar total, da mesma forma que expulsa o que não precisamos ou não nos é útil guardar ou reservar em nossa memória.

 

[i] https://www.academia.edu/8675024/A_ARTE_DE_ESCREVER_BEM

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