Há Matalane no quintal
Há Matalane no hospital
Há Matalane na escola
Há Matalane no ministério
Há Matalane no hospício
Matalane não é geografia
Matalane é uma filosofia
Matalane é uma forma de estar
Matalane é um estilo de vida
Matalane é resumir a vida numa simples f*da.
Matalane não é machismo
Matalane nem é feminismo
Matalane é simplesmente sexismo
Matalane é o pênis campeão
Matalane é a ejaculação
Matalane está nas nossas cabeças
... Ocas
Matalane está nos 'laives'
Matalane está no engolir sapos
Matalane está nos cargos
Vamos destruir os Matalanes que residem em nós. Os Matalanes não morrem com armas. Os Matalanes morrem com o resgatar da ética e dos valores morais.
Os Matalanes vão morrer no dia em que exonerarmos o senhor Pênis da função de assistente de Recursos Humanos. No dia em que este senhor parar de fazer relatórios de avaliação de desempenho das nossas colegas. No dia em que a dona Vagina parar de procurar emprego por nós. No dia em que descobrirmos que entrevista de emprego e Gillette não têm nada a ver.
Os Matalanes vão morrer no dia em que a meritocracia sobrepôr-se à sexocracia. No dia em que o tamanho do cérebro for mais importante que o tamanho da bunda. No dia em que ninguém terá que engolir sapos de ninguém para ser alguém.
Matalane é a sociedade. Matalane somos nós. O antigo governador de Nampula 'matalanizou' a sua secretária e nada aconteceu. Um ilustre camarada perdeu a sua esposa 'matalanizada' no congresso de Pemba e o partido avançou. Em Quelimane, um padre 'matalanizou' uma acólita, o marido encontrou e o juíz ilibou.
O mais importante é saber: quem de nós - na posição de instrutor - faria diferente? Quando é que vamos parar de nos aproveitar dos mais fracos?
- Co'licença!
Depois de esgotadas as três prorrogações previstas na Constituição, o debate em torno da possibilidade ou não da decretação de um novo Estado de Emergência (EE) fez-me lembrar, e em tempos do presidente Chissano, o debate sobre a segunda reeleição. Decorre que estava escrito, na anterior Constituição, que um presidente podia ser sucessivamente reeleito duas vezes o que outorgava ao presidente Chissano o suporte constitucional para concorrer nas eleições de 2004. Lembrar de que ele fora eleito em 1994 e reeleito em 1999. O debate foi dado por encerrado quando Marcelino dos Santos, falecido membro-fundador da FRELIMO e presidente do Parlamento que aprovara a Constituição em referência, veio a terreiro afirmar que houve um “lapso de redacção”, pois a ideia era a de um limite de dois mandatos. Suponho que o tal lapso tenha derivado da certeza de que Chissano, então presidente em exercício, concorreria às eleições de 1994, as primeiras multipartidárias, e tal induzido ao entendimento de que seria uma candidatura à própria reeleição. Nesse sentido, em 1994, seria a primeira reeleição e, em 1999, a segunda reeleição.
À luz do intróito, e uma vez decretado um novo EE, presumo de que se tenha aberto a possibilidade – sem alterar a Constituição -, para uma nova eleição de um Presidente da República (PR) que já tenha esgotado o limite constitucional de uma reeleição. Sobrevém que do mesmo jeito que fora possível decretar um novo EE, apenas e prorrogado por 3 vezes, é possível que um PR em exercício (e já reeleito uma vez) volte “legal e sucessivamente” à presidência. Para o efeito, tal como com o fim da última prorrogação do EE, baste que o país observe a transição denominada de “Estado de Dúvida/Espera. Este momento poderá acontecer, por exemplo, antes do pleito eleitoral seguinte desde que o PR em exercício, e sucessivamente, apresente a sua demissão e submeta a sua candidatura à nova eleição, decorrendo assim, entre o acto de demissão e o de tomada de posse do novo/mesmo PR, o tal período de transição. São ideias (risos).
Voltando ao debate sobre a segunda reeleição, referir que o entendimento de Marcelino dos Santos de que tal possibilidade constitucional – a da segunda reeleição – fora de facto “lapso de redacção” foi atendida e até o potencial beneficiário, Joaquim Chissano, veio à público, na altura, afirmar que não concorreria à segunda reeleição. Agora, no quadro da Constituição em vigor e para o futuro eleitoral, e não necessariamente para as próximas eleições, coloco à mesa do debate o tema sobre as possibilidades de elegibilidade de quem já tenha sido reeleito - a única reeleição prevista constitucionalmente -, e queira concorrer no pleito seguinte. Quid Juris?
Por enquanto, e tal como foi possível decretar um novo EE, avanço a hipótese de um “colapso de redacção e/ou de interpretação” caso proceda a ideia de quem tenha esgotado o limite constitucional da reeleição possa concorrer na eleição seguinte. Já oiço explicações do tipo: “A Constituição em vigor apenas limita para uma vez a reeleição e duas vezes consecutivas a eleição o que não é o mesmo que ser eleito, reeleito e em seguida eleito”. É tanta criatividade que não me admira, em tempos de prevenção da pandemia da Covid-19, que a Lei-mãe, tal rigor materno, esteja a seguir estritamente o “Fica em Casa”.
*Versão actualizada (11.08.2020)
O conceito de Saúde
Saúde é o bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Qualquer estratégia de acção em saúde publica não se pode, em tempo de pandemia ou não, restringir a qualquer uma componente isoladamente sob pena de se estar a cometer um erro de elevado impacto. Controvérsias à parte, a actual epidemia do coronavírus coloca uma pressão sobre os órgãos de decisão que excede os limites da normalidade. Entre os perigos da contaminação generalizada e os efeitos nefastos das medidas que se tomem está o grande desafio das autoridades públicas. Um desafio que será tanto mais vitorioso quanto mais se tiver em atenção o conceito de Saúde no seu todo. Em termos objectivos, trata se de tomar medidas que mitiguem ao máximo possível a doença mas preservem a saúde no seu todo.
Apanhados no desconhecido e levados por um pânico à escala global, vimo-nos na contingência de medidas radicais de contenção do vírus que a quase todos pareceram inevitáveis. Fecho de fronteiras, encerramento de escolas, igrejas, ginásios, bares e casas de espectáculos, trabalho rotativo e proibição de ajuntamento. Por outro lado, iniciou se uma intensa campanha de “ficar em casa”, lavar as mãos, usar máscara e manter o distanciamento social. Todas estas medidas, inicialmente previstas no nosso imaginário por serem de curta duração, foram acompanhadas de um avassalador bombardeamento de informações que variaram entre as que anunciavam o perigo, a catástrofe e até mesmo o apocalipse. Os meses correram e o anunciado, pelo menos ainda, não aconteceu em Moçambique. O País tem flutuações semanais no número de infecções detectadas, e poucos casos hospitalares. Os dados dos estudos serológicos em Nampula e Pemba sugerem a existência de um elevado número de pessoas que já tiveram contacto com o vírus mas muito poucos a requerem cuidados hospitalares. Um cenário que surpreende e cujas causas são por enquanto do domínio das hipóteses e especulações.
Alguns enunciados que vaticinaram uma baixa taxa de complicações clínicas apostavam em vários tipos de explicações lógico-cientificas, nomeadamente em indicadores que relativamente aos países com taxas de morbilidade e mortalidade elevada nos colocavam em vantagem. Entre outros destacam-se a baixa média etária, a menor densidade populacional, a alimentação natural, os resultados indirectos de uma medicina preventiva histórica e o facto de os nossos mais velhos serem poucos e, na ausência de cuidados médicos avançados, se constituírem por uma população de sobreviventes, e por isso mais resistentes. Mais do que arriscar explicações sobre a relativa baixa taxa de doença (não de infecções porque essas já são elevadas), importa reflectir sobre o efeito das medidas num contexto de um conceito abrangente de Saúde, ou seja, no bem-estar físico, mental e social além da ausência de doença.
Os factores que afectam o estado de saúde são múltiplos e complexos. Importa, no contexto da pandemia actual, verificar como as medidas tomadas podem conduzir a uma protecção à contaminação por coronavírus sem provocar uma ruptura com o estado geral de Saúde. Para o efeito, seleccionámos alguns dos que são simultaneamente determinantes no estado de saúde e podem ser afectados pelas medidas relativas à contenção da pandemia, nomeadamente, a ansiedade, a actividade física, a nutrição e a utilização dos serviços de saúde. Todos eles, de diversas formas, são directamente dependentes de um quinto factor, o do rendimento familiar. Procuraremos analisar em que medida cada uma das medidas, e no seu conjunto, afectaram os “factores determinantes de saúde”.
Ansiedade
A ansiedade é reconhecida inequivocamente como tendo um elevado impacto na saúde e bem-estar. A prática do culto religioso e a cerimónia em forma de “festa” constituem elementos essenciais dos hábitos culturais. Casamentos, baptizados, festas de aniversário e outros tipos de rituais fazem parte do quotidiano e cumprem um papel de equilíbrio individual e social de elevada importância. Uma boa parte do stress dos cidadãos é também “tratado” no convívio das discotecas, bares e barracas, nos espectáculos, na música dos restaurantes, nos ginásios, clubes desportivos e pratica desportiva informal nas escolas e bairros. O encerramento de todas estas actividades não pode deixar de contribuir para a elevação dos níveis de ansiedade, fonte das mais variadas sensações mal-estar, insónia, hipertensão, dores de cabeça, irritação entre outras. A perseguição policial a crianças e jovens que jogam futebol é aceite pelo pânico criado em torno do COVID19, mas tem efeitos catastróficos na saúde, bem-estar e tem um impacto comprovadamente nefasto no seu desenvolvimento harmonioso.
Particular lugar de realce na elevação da ansiedade está a propagação do medo. Propositado ou não, assiste se um permanente ecoar de notícias que colocam as pessoas em pânico. A utilização de números estatísticos das mais diferentes formas quase que 24 horas por dia para “consciencializar” as pessoas e induzi-las a cumprir as regras elevam os níveis de ansiedade. A imagem da catástrofe tem sido preferencial sobre a sensibilização, justificada habitualmente pela ausência de cumprimento voluntário das medidas. Em síntese, tudo concorre para uma elevada taxa de ansiedade que, porque se torna um estado permanente, tem incidência na nossa sensação de bem-estar e consequentemente agravam a dimensão das doenças crónicas.
Actividade Física e Nutrição
É sabido que inactividade e a má nutrição constituem factores de impacto negativo na saúde em particular nos factores de risco de doença cardiovascular como sejam a obesidade, hipertensão ou diabetes. Num estudo sobre os efeitos do estado de emergência feito em Maputo e Matola ao fim de um mês de estado de emergência, a redução na prática de actividade física era já de 30% e da ingestão de vegetais e frutas de 27 e 11%,respectivamente. Embora não existam dados empíricos é de estimar que o impacto negativo na saúde metabólica ao final de 4 meses seja relevante. Para nos protegermos do coronavírus aumentamos o risco de muitas outras doenças que são potencializadas pela inactividade física e má nutrição. As coisas ficam ainda mais preocupantes quando existem dados já publicados que mostram que a sobrevivência em pessoas internadas nos cuidados intensivos por COVID-19 é várias vezes menor em pessoas obesas que em indivíduos com peso normal. O prolongar das limitações à actividade física e a uma boa nutrição trará consigo, adivinha-se, um resultado pouco favorecedor no capítulo das doenças crónicas não transmissíveis.
Rendimento familiar
No estudo realizado em Maputo e Matola que referimos anteriormente, mais de metade das pessoas inquiridas já tinham visto seu rendimento familiar afectado. Perca de emprego, redução de salários, suspensão das actividades de que sobrevivem e diminuição de clientes estavam entre as razões principais. Outros estudos em vários pontos do país têm demonstrado o mesmo efeito. Não é preciso fazer se nenhuma investigação para se aceitar que a redução do rendimento familiar, que muitas vezes se faz ao nível da sobrevivência, terá um enorme impacto na saúde das pessoas. Em nome da protecção ao coronavírus estamos a aumentar os níveis de pobreza que só podem afectar o bem estar seja físico, mental ou social. Se a situação da nossa segurança alimentar se apresenta, mesmo sem pandemia, numa condição preocupante, não é difícil estimar se um agravamento considerável com consequências, essas sim, catastróficas.
Utilização dos serviços de saúde
Parece consensual que a existência de um Serviço Nacional de Saúde público e gratuito tem sido fundamental na prevenção e tratamento de múltiplas doenças. Ao longo de várias décadas foram realizadas várias campanhas para que as pessoas recorram aos serviços de saúde, incluindo a programas preventivos de vacinação, consultas pré-natais e tratamento de doenças endémicas. Paradoxalmente, logo no inicio da pandemia, entidades e pessoal dos serviços de saúde fizeram um apelo generalizado para que as pessoas não recorram aos serviços de saúde sem ser por motivos extremos. Criou se também a ideia generalizada que estas unidades são um foco de transmissão do coronavírus pelo que muitas pessoas desenvolveram medo de recorrer aos serviços de sáude. Não há dados objectivos sobre o impacto deste fenómeno, mas é expectável que os cuidados preventivos e curativos necessários para um grande número de doenças tenham reduzido, o que não pode com certeza ter um impacto positivo no nosso estado de saúde. Esquecer o quadro geral dos nossos cuidados de saúde porque estamos com pânico de uma doença especifica pode ser mais arriscado que a doença em si.
O encerramento das escolas
Cabe, finalmente, uma nota particular sobre o encerramento das escolas por mais de 4 meses, até ao momento, decisão que justificada pela pandemia e assunto que muito tem sido debatido a todos os níveis. A colocação do assunto em termos de perca de ano afasta a temática do que é a essência do processo educativo. Atrasar ou não atrasar um ano pouco efeito terá no processo. Mas ficar sem socializar, brincar, jogar, trocar ideias e enfrentar as dificuldades do relacionamento social pode criar traumas físicos, mentais e socais (ou seja de saúde) irrecuperáveis quando se tratam de seres em processos de desenvolvimento. A educação de uma criança não se adia, ela é um processo constante esteja ela onde estiver. A suspensão das aulas terá um preço irreparável tanto quanto mais longo for o período. Mesmo que aceitemos que a proibição das crianças brincarem seja protector dum vírus, que nem sequer lhes é letal, tem como consequência a suspensão do processo de desenvolvimento que não se recupera mais á frente. O acto de sair à rua, jogar e socializar faz parte da essência sócio biológica infantil e juvenil. Até ao que se sabe nos dias de hoje, o trauma de proibir essa camada populacional de socializar e jogar parece ser muito maior que os riscos de se infectar por coronavírus.
Conclusão
O pânico irracional e a exacerbação do medo não podem ser as soluções para um assunto tão sério como uma pandemia. A ausência de uma visão global (a que chama holística) do ser humano e da sociedade no seu todo pode nos levar a enveredar por caminhos que causarão mais problemas. Impõe-se uma atitude balanceada que de facto proteja a Saúde e o bem-estar da população. O quadro da pandemia tem nos sido relativamente favorável até agora, mas temos incerteza sobre o que nos espera nos próximos meses. Provavelmente o alivio de algumas medidas possam aumentar o numero de casos que tem de ser monitorados não tanto em função de pessoas infectadas mas dos efeitos maléficos que possam provocar. Por isso, temos de ter cuidados que, no entanto, não podem ser desequilibrados e provocar outras pandemias provocadas pela ansiedade, inactividade, má alimentação, falta de cuidados médicos e pobreza, essa outra pandemia que se arrasta por séculos e não parece ter muita atenção. Temos de nos proteger do Coronavírus e preservar a Saúde. Mas Saúde é o bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de COVID-19.
Confesso que no passado andei a gastar a minha indignação à toa... de qualquer maneira. Qualquer coisa eu ficava indignado. Uma coisinha de nada eu corria logo para usar a minha indignação para repudiar. Praticamente, eu era um indignado compulsivo com tendência a viciado. Resultado: o meu stock que indignação baixou consideravelmente. Hoje, quando olho para o meu 'fundo indignatório', vejo que quase nada sobrou.
Uma porção significativa da minha indignação foi inutilmente gasta nos últimos anos aquando da desocultação das dívidas ocultas. Ali, sim, gastei a minha aversão e fúria. Aquilo era acordar furioso e ir à cama mais furioso ainda. Eu não poupava a minha revolta. Eu entrava com tudo. Mas quando o Parlamento pôs essas dívidas ocultas no orçamento do Estado; quando o Conselho Constitucional entrou na onda de resgatar o Chang; quando Nhangumele lançou a sua tabela química de gatunos mostrando cientificamente como eles reagem entre si; quando o governo enviou à Brooklyn um renomado advogado para fazer 'massagem' ao Boustani; quando o mesmo advogado foi pago com os nossos impostos para defender os assassinos do meu colega Matavele; quanto etecetera etecetera, a minha ficha simplesmente caiu.
Descobri da pior forma que gastei o meu tempo todo gastando a minha indignação toda à toa. Quando me dei conta, o meu tanque de indignação já estava laranja e a piscar. Descobri tarde que aqui o normal é o anormal. Descobri que, afinal de contas, há um projecto muito sério e bem financiado com o intuito de acabar com a paciência do povo moçambicano. O objectivo principal desse projecto oculto é matar o povo de A-Vê-Cê. A estratégia é o governo promover uma série de coisas estranhas e repudiáveis para o povo indignar-se excessivamente e morrer de enfarte agudo do miocárdio, vulgo ataque cardíaco.
Hoje em dia, ando muito cauteloso com o que me chatear e com a quantidade da chateação. Sou um autêntico desindignado. Estou a pensar seriamente em abrir uma consultoria sobre abstração ou talvez lançar um livro sobre como mandar um manguito e um f*da-se.
Estou a ver aqui meus amigos agastados com o facto de o Parlamento ter aprovado o relatório do Chefe de Estado sobre o Estado de Emergência. Alegam eles que o documento está ferido de vício formal e não justifica a medida de ajuste directo para o fornecimento de bens e serviços que consumiu cerca de 70 mil milhões de meticais. Dizem que a oposição tem razão em contestar o relatório. Confesso que, se fosse há uns 5 ou 10 anos, eu já estaria aqui todo estressado com esse relatório e com essas pessoas que o aprovaram. Já estaria aqui a debater os argumentos dos deputados da FRELIMO, dos da RENAMO e dos do Eme-Dê-Eme. Mas, agora que descobri que tudo isso não passa de um teatro de reintegrados mandei um manguito. O Parlamento já não me surpreende mais.
Estou aqui em Mocubela a beber água de côco numa 'wella'... a espera de algo que valha a minha indignação. É preciso poupar a indignação, principalmente quando estamos a andar na reserva.
- Co'licença!
Fomos colegas de escola entre 1965 e 1974, altura em que, movido pelos ventos que sopravam do norte, com Samora Machel na batuta rugindo no centro dos palanques, abandonei o ensino. Queria fazer parte dos cachos de jovens que vinham das matas gritando, Independência ou morte! Venceremos! Eu era um fedelho com apenas 17 anitos, mas já lia romances da coleção “seis balas”, e assistia a filmes classificados para maiores de 18 anos, onde aprendi a ter os meus próprios ídolos como Clint Eastwood, Sidney Poitier, Marlon Brando, entre outros, então senti que essa leitura que ia fazendo de forma profusa, impulsionava-me agora a seguir novos caminhos com uma arma a tiracolo.
Estou na fase da puberdade, e a minha frente já ressurgem rios que devo atravessar, com todos os riscos de ficar entalado em mandímbulas dos lagartos aquáticos mais ferozes da terra, sem a possibilidade de ser salvo pelos hipotéticos hipopótamos, que andam por ali, a ilharga do perigo e da morte. Mas esse terrível cenário que se aflora nos meus pensamentos não me demove, nem o amor da Jimaraida, que pode ser puxada para a teia de outro sabujo como eu. Na verdade sou um sabujo, se não o fosse não abandonaria uma esmeralda. E essa esmeralda chama-se Jimaraida, nome corrompido de Esmeralda.
Despedi-me dela e ela perguntou-me, vais para onde? Na verdade eu não sabia para onde ia, nem quanto tempo ia ficar lá onde vou, pior do que isso, não sabia se havia de voltar. Porém o entusiasmo de outros companheiros que também se predispunham a avançar, era tão envolvente que se tornava impossível recusar o chamamento. Aliás trespassou-me a memória uma passagem bíblica que diz, muitos serão chamados e poucos escolhidos. Ora, eu podia ser um dos escolhidos.
Jimaraida fustigou-me com o olhar, era a única coisa que podia fazer porque eu já estava na rampa de lançamento com os motores lançados, deixando para trás uma donzela que já fazia parte de mim, não propriamente como minha namorada, mas uma amiga, uma confidente que vai merecer todo o meu respeito. Lembro-me ainda do silêncio fulminante do olhar de uma linda tigreza impotente, incapaz de me dissuadir, mesmo com as lágrimas escorrendo pelo rosto macio que eu beijava sempre como um furtivo.
Era um dia de chuva branda, e no derradeiro adeus Jimaraida recusou que eu a beijasse. Ainda tentei uma, duas, três vezes, mas ela esquivava, e logo percebi que não valia a pena. O beijo não se arranca a ferros, ele acontece em mútua cedência ao impulso que vem de dentro. Então ajeitei a pasta de costas, ao mesmo tempo que sentia duas forças antagónicas atuando sobre mim. Uma força puxava-me para o interior do autocarro que já tinha os motores ligados. Outra força, mais forte, puxava-me para trás onde estava Jimaraida. Chorando. Eu também chorei muito ao longo da viagem, pensando sem parar na Jimaraida. Derrotada por um incompetente. Sem dignididade de merecer o verdadeiro amor!
Passam pouco mais de quatro décadas desde que nos separamos. E hoje, já no fim da estrada, estamos novamente apaixonados!