Um amigo - depois da sua licenciatura na área de ciências sociais - teve a sorte de responder positivamente a uma vaga de emprego numa organização da Sociedade Civil. E já com uma semana de trabalho, ele procurou-me com ares de preocupadíssimo e com alguma estupefacção à mistura. Na conversa confessou-me que bastara uma semana de trabalho para presenciar a queda de uma das lições da Faculdade, sobretudo a referente ao conceito de Sociedade Civil. Segundo ele, num piscar de olhos a definição de que a Sociedade Civil é o espaço entre a Família e o Estado foi contrariada pelo corpo dirigente da organização que era formado por membros da mesma família, nomeadamente o marido, a mulher e a filha, nas posições de director, financeira e gestora de programas e projectos, respectivamente.
Este episódio foi há dez anos. Relembro-o a propósito de uma nova conversa com o mesmo amigo. Foi no Domingo passado e num café da cidade. Desta vez a preocupação foi um outro fenómeno que amiúde ocorre em algumas instituições do sector público, o seu novo campo de emprego. o amigo não compreendia como é que o preenchimento de vagas, em algumas instituições do Estado moçambicano - que ele chama de “Instituições Públicas Monárquicas” - ainda obedecia a critérios monárquicos. E tal como na definição de Sociedade Civil, na sua primeira experiência profissional, nesta nova o amigo quase que deitava abaixo toda a sua trajectória académica. Acontece que ele aprendera de que o ao fim da última monarquia em Moçambique foi em 1895 com a prisão de Gungunhana, o Imperador de Gaza, à mando da Coroa portuguesa. E que Portugal, a potência colonizadora de Moçambique, já em 1910, instaurara a República (que diz respeito a todos os cidadãos) na sequência do derrube da monarquia. Além disso, e mais recente, o Estado moçambicano, desde a sua independência em 1975, que é também uma República.
“Isto é inconstitucional” dizia ele. Um companheiro da mesa ao lado, que acompanhava de soslaio a conversa, juntou ao “Jus Sanguinis” (do mesmo sangue), o “Jus Solis” (da mesma terra), terminando com a sugestão de que na verdade o que acontece - e por défice de efectivos de cada critério -, é a ocorrência de um sistema híbrido. O amigo, vendo de que não respondia a nenhum dos critérios, e na procura incessante de alguma brecha legislativa, levantou a possibilidade de ver provincializada o conceito de naturalização, mormente a adaptação dos critérios usados na aquisição da nacionalidade. Infelizmente, por falta de tempo, uma outra e dominical tertúlia de café sediará a discussão.
De toda maneira, para terminar, fica a deixa do amigo: incorporar a “Provincialidade Adquirida” no leque da elegibilidade para o preenchimento de cargos nas “Instituições Públicas Monárquicas” (IPM). Agora imagina, caro leitor, que as instituições do Estado, que adoptam esse tipo de filosofia, passassem a usar, na sua denominação, a sigla IPM no lugar de EP (Empresa Pública).
Um projéctil voava a uma velocidade de 715 m/s, fuzilando o ar no percurso que efectuava em direcção ao alvo, que devia estar a trinta metros de distância.
Os populares das redondezas, alarmados com o som do fuzil, procuravam averiguar o que estava a acontecer.
Um agente da lei, devidamente uniformizado e empunhando uma AK 47, seguia no encalço de um civil que já se distanciava notavelmente. O polícia, quando viu que não alcançaria o exímio corredor, decidiu disparar o segundo tiro.
A competição, disputada numa pista de pavê, teve início no mercado da Munhava e era executada por dois indivíduos, um seguia na dianteira e outro vinha no seu encalço.
O som do balázio serviu de estímulo para o corredor de vanguarda acelerar o passo e alcançar a Escola Primária Completa Amílcar Cabral, e aqui se perdeu na multidão.
A bala ricocheteou na plataforma de um camião e perdeu a direcção inicial, seguindo um percurso incerto.
Estafado, o corredor perdedor desistiu. Ofegante, buscou descanso no chão de argamassa da loja de um comerciante indiano.
O tiro parou no corpo de um menino que voltava da escola. Antes de soltar o segundo gemido, o corpo do miúdo caiu no chão de pavê, e o sangue que jorrava do seu peito avermelhou o livro de Português da 5ªclasse.
O primeiro popular chegou e testemunhou a partida do menino. Em pouco tempo, outras pessoas se juntaram para lamuriar o fatídico incidente.
Inquiridores descontentes desencadearam uma pequena sublevação, iniciando buscas para apurar a causa da morte do menino, que era aluno da Escola Primária Completa Amílcar Cabral.
Encontraram o polícia homicida e iniciaram as averiguações.
“Foi um acidente” – protestou o agente da lei
“Acidentii, estamos fartos de vocês” – imperou a voz de uma senhora.
A segunda razão apresentada pelo polícia para justificar o balázio mortal foi rematada com as costas das mãos de uma senhora, a cara do homem movimentou-se da esquerda para direita.
“Agredir um agente da autoridade é punível por lei” – determinou o homem de uniforme.
Outra bofetada voou e a cara do polícia Constantino balançou outra vez. Quando sentiu o caso mal parado, empunhou a sua arma, criando ainda mais a fúria dos moradores, que o espancavam por todo lado. Um ex-guerrilheiro desmontou prontamente a AK 47 e as peças do artefacto mortífero ficaram expostas no chão.
“Esse uniforme não serve para nos humilhar, torturar e matar” – discursou um morador.
Uma mão forte arrancou-lhe a camisa, deixando-o mais a merce da justiça popular.
Dois pilotos voltavam da “bacia”, depois brincadeiras acrobáticas junto à margem do sistema de drenagem das águas pluviais montadas pelo município. Vinham empurrando pneus com ajuda de dois paus.
Em nome da nova justiça social, um dos pneus foi confiscado para ser colocado no pescoço do polícia, que já tinha sido amarrado a um poste de corrente eléctrica. Tentaram incendiar o pneu, mas não conseguiram. O petróleo doado por um comerciante anónimo não serviu para iniciar a fogueira.
Um txopelista animado, que passava pelo local transportando um passageiro, parou e decidiu prontamente ceder uns mililitros de gasolina que tinha como reserva.
Longas labaredas envolveram o corpo do homicida, populares ululavam ante o espectáculo macabro.
Marejado de lagrimas, o larápio testemunhava o aniquilamento do agente da lei, jurou que jamais voltaria a surripiar.
A imprensa popular documentava o facto, fotografando e escrevendo sobre o que sucedia e difundindo nas redes sociais.
O corpo do menino continuava no chão coberto por uma capulana, as páginas do livro de Português ensanguentado esvoaçavam ante o vento leve que soprava nessa tarde de Quinta-feira.
Hoje, prestes a findar a 3ª prorrogação do estado de emergência, decretado por conta da pandemia da Covid-19, defendo que caso não se regresse às aulas imediatamente que se adie o ano lectivo. É melhor que o país concentre as suas energias e use o tempo necessário a preparar o regresso às aulas e nas condições que existirem com ou sem pandemia. A razão deste posicionamento é simples: por falta de condições sanitárias nas escolas a sociedade teme que o regresso às aulas é patrocinar o contágio descontrolado. Em resposta, o Governo, mormente o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, procurou criar tais condições e até marcara o passado dia 27 de Julho como a data de regresso. Uma pretensão colocada de lado pelo mais alto magistrado da nação, alegando que se estava ainda em estado de emergência e não, necessariamente, porque não existiam as condições sanitárias para o regresso. E finda a 3ª prorrogação do estado de emergência versus a criação de condições sanitárias, Quid Juris?
Uma nova e ordinária prorrogação legal do estado de emergência está fora de questão. Por outro lado, a criação de condições sanitárias é uma incógnita e demanda a seguinte pergunta: estará o país em condições de criar as condições sanitárias em menos de meio ano? Em caso afirmativo – sim, é possível – não se estará a passar um certificado de incompetência aos governos que precederam o actual, atendendo que em menos de seis meses o Estado consegue criar condições que não foram possíveis em 45 anos? Isto não significa deitar por terra todo o esforço empreendido até agora. Apenas, e a título de alerta, questiono até que ponto ponderar o regresso às aulas à satisfação plena das condições sanitárias é válida? Estas nunca existiram em 45 anos e nem por isso foram usadas como braço de ferro para o início, por exemplo, de qualquer ano lectivo no passado.
Ademais, sendo as condições sanitárias a base para o suporte da decisão pelo regresso ou não às aulas, não me parece que proceda. Aliás, quando foi da instauração do estado de emergência o argumento-base foi o de atrasar o pico da pandemia, enquanto o sector da Saúde criava as condições de resposta, e a Saúde, se não me falha a memória, já veio a terreiro afirmar que já está à altura, significando que uma vez acautelada a razão-mor, não há razões para o país continuar a manter fechados os outros sectores, em particular o da educação. Além disso, é compreensível, e por conta do défice de condições sanitárias, que se receie o contágio no regresso às aulas, mas o argumento também não cola, pois em países com melhores condições sanitárias o contágio foi uma realidade, e muitos deles, assim como não hesitaram em reabrir o ensino, voltaram a fechar. Todavia, a situação dos outros não outorga ao país o direito de deixar de lutar porque estes países, e até mais desenvolvidos, falharam.
De momento, avaliando a hesitação pelo regresso, o que me parece em pauta não são as condições quer sanitárias quer de resposta do sector da Saúde à pandemia, mas sim, e simplesmente, a falta de coragem. E a coragem, em algum momento, deve prevalecer sobre as condições necessárias (de luta). Foi assim em 1962/64, quando foi do início da luta armada para a libertação do país. (Cont.)`
“Afinal” é um advérbio usado em conclusão e resume, entre outras, por exemplo, impaciência, indignação, surpresa e até resignação. (1)
Muito se tem dito sobre nós, África, em diferentes momentos, por diferentes “civilizações”, porém, os ex-donos do mundo são os que disseram e dizem pior sobre África e africanos, de forma geral, sobre o Hemisfério Sul.
Não nos surpreende essa atitude porque esses mesmos pretensos civilizados estavam entre os povos atrasados do Globo, na Idade Média, normalmente tratados como bárbaros.
Foram estes bárbaros que protagonizaram as Cruzadas, a Inquisição, a devastadora Guerra dos 30 anos, as Guerras Mundiais, o Holocausto, a Colonização, etc., etc.
COVID-19 é uma pandemia centenária. Veio fazer o ajuste à realidade entre os humanos e a natureza e, neste processo, descobrimos que:
Amade Camal
É simples: se Filipe Nyusi ligar-me agora e dizer que quer-me nomear ao cargo de Reitor da U-É-Eme, eu vou recusar. Também vou recusar, se Gianni Infantino ligar-me e dizer que quer-me dar a Bola de Ouro 2020. Quem está a concorrer para isso é malta Lewandowski, Ronaldo, Messi, De Bruyne, Neymar, Mbapé, Mané e companhia. Não vou aceitar também, se, em Agosto do próximo ano, Thomas Bach disser que quer-me dar a medalha de melhor atleta olímpico 2021 de 100 metros com barreiras. A mim, só se for em olimpíadas contra Mahindras.
Então, sobre o assunto do Presidente da República nomear reitores sem respeitar as propostas dos 'Conselhos de Direcção', eu tenho a dizer o seguinte: a culpa não é do Presidente da República. Talvez ele esteja a tentar a salvaguardar os seus interesses escondendo-se por detrás da (ir)responsabilidade que a lei lhe confere. Mas, também, a culpa, não é da lei. A lei está a cumprir a vontade do legislador simplesmente. O 'culupado', quanto a mim, é o próprio nomeado. A culpa é do REItor-paraquedista que aceita ser coroado REItor de um reino sem a tradicional escolha espiritual e consanguínea. É como um Papa que aceita ser coroado sem o tradicional fumo branco do Conclave da Capela Sistina. É demoníaco!
O nomeado é quem deve ter a consciência e a humildade de dizer 'não!'. 'Excelência Senhor Presidente, não posso aceitar esta posição porque eu não concorri'. 'Senhor Presidente, sinto-me lisonjeado com a escolha a minha pessoa, mas, infelizmente, eu não posso aceitar porque eu sei que há pessoas que se candidataram a esta posição e estão a concorrer forte lá na universidade'. 'Excelência, por uma questão de respeito e consideração pelos candidatos, eu não posso aceitar esta posição'. 'Excelência, não seja assim... por acaso, o senhor iria gostar se o Conselho Constitucional declara-se Yaqub Sibindy ou João Massango vencedor das últimas eleições presidenciais?'. Tão simples quanto isso! É uma questão de boa educação, de coerência, de peso de consciência, de vergonha na cara e... 'má-nada'! E isso não precisa de Constituição da República... é berço.
Quem vence concursos são os legítimos concorrentes. Quem vence eleições são os legítimos candidatos. Eu falei disso aquando da nomeação do Professor Doutor Jorge Ferrão ao cargo de Reitor da U-Pé. Até hoje não consegui engolir. Nada contra a pessoa do Professor, muito pelo contrário. É uma figura que respeito e me curvo aos seus méritos... mas, não engoli o seu paraquedismo enquanto outros se digladiavam em eleições internas (renhidas, diga-se!). É muita humilhação!
Eu não entendo esta coragem que certas criaturas têm de acordar, tomar banho, pavimentar-se com creme, enfiar-se nuns ternos slim-fit, fundear uma gravata na goela e fumegar-se com 'Tom Ford - Lost Cherry' para ir receber uma medalha de um torneio que não participou. Para mim, esse indivíduo é um insurgente. É um golpista. É um traidor. É um gatuno. Devia estar na tabela de Téo. É um Chopstick académico.
Estou a ver que este assunto está a ser tratado de forma muito escolástica. O assunto está a ser discutido como uma equação quadrática, com régua, transferidor, compasso, tabuada e calculadora científica. Há excesso de diplomacia jurídica neste debate. Ser reitor de uma universidade, seja pública ou privada, transcende a própria academia, pelo que o seu debate transcende também o fórum académico. Os bois devem ser domados pelos cornos e chamados pelos próprios nomes. Vergonha na cara não é uma questão de lei, é bom senso. Um paraquedista académico é um energúmeno e... ponto final!
- Co'licença!
No dia 7 de Novembro de 1917, Max Weber proferiu uma palestra, em Munique, sobre “A ciência como profissão-vocação” [ou referenciado em alemão Wissenschaft als Beruf et Politik als Beruf], numa plateia largamente composta por estudantes. O texto resultante, publicado dois anos depois, ainda é comentado e minuciosamente analisado até hoje. Embora lide principalmente com a situação alemã, colocando-a nas primeiras páginas o espelho dos Estados Unidos, Weber evoca problemas que podem ser generalizados para outros países. Além da “neutralidade axiológica”, Weber nos convida a pensar sobre os vínculos entre Universidade e política.
De forma concreta, Weber defendeu a necessidade de uma clara separação entre política e ciência. Além de tratar sobre a acção política, seu funcionamento, sua legitimação e a célebre definição sobre Estado, Weber fala igualmente da epistemologia da ciência, do julgamento e da relação com os valores em dois momentos: (1) julgamentos subjectivos de valor devem ser excluídos de toda pesquisa científica; (2) a relação com os valores implica que a análise de um facto social não pode ignorar os valores da sociedade em que o facto é estudado.
O campo de estudos relacionados às relações entre ciência e política é particularmente abundante. Segundo Lamy (2007), é possível distinguir cinco questões essenciais: (1) a primeira diz respeito a reflexões sobre as condições e os quadros políticos (isto é, democracia ou totalitarismo) que permitem, impedem ou influenciam a actividade científica; (2) a segunda área de trabalho sobre a relação entre ciência e política está organizada em torno das acções do governo em favor da actividade científica ou de um segmento específico dessa actividade; (3) a monitoria dos compromissos políticos, aderência e activismo de certos pesquisadores constitui um terceiro corpus de questões históricas e sociológicas; (4) uma quarta constelação de trabalhos recentes e especialmente sociológicos considera a ligação entre ciência e política através dos usos que os governos ou tomadores de decisão públicos fazem da pesquisa científica; e (5) o quinto conjunto de obras refere-se a construções teóricas gerais que, nos últimos vinte anos, tentaram delinear os métodos de organização e estruturação das relações entre ciência e sociedade.
Bréchet (2018) mostra-nos que uma acção política baseia-se em duas fontes: a legitimidade política do poder em si e a legitimidade racional da verificação empírica. É a partir da experiência de especialistas mandatados politicamente que garante-se, em princípio, que as decisões do político sejam justificadas do ponto de vista da racionalidade científica. A experiência não é suficiente, mas não pode ser descartada. Parece natural para todos que, para definir a política económica de um país, é desejável mobilizar o melhor dos analistas económicos e que a ciência do direito deve estar subjacente a qualquer tendência legislativa. A questão não é se essa experiência é mobilizada ou não, mas simplesmente que parece anormal que não seja.
A evidência actual de como a ciência se entrelaça com a política está assente no que a pandemia da COVID-19 nos ilustra, onde temos especialistas de várias áreas que defendem algumas posições que para a sua efectivação (ou não) devem passar pelo crivo ou beneplácito político. Diríamos de outra forma, com a crise sanitária, os cientistas têm um poder e uma visibilidade que eles não tinham antes. Os políticos agem de acordo com uma temporalidade completamente diferente. Mas então, entre os dois, quem decide? Podemos, se quisermos, trazer igualmente a problemática das mudanças climáticas, onde os alertas que a ciência transmite só serão efectivos com uma acção política real e de acordo com os interesses de cada país face à exposição geográfica de tal impacto.
Teoricamente, existem vários modelos que podem ser invocados na relação a se estabelecer (ou não) entre o poder político e a Universidade. Por exemplo, citemos o modelo francês e italiano, onde a gestão centralizada dos cargos universitários é assegurada dentro dos órgãos disciplinares permanentes, sem qualquer outra autoridade externa ou não disciplinar, com posse antecipada de professores-pesquisadores.
Em segundo temos o modelo alemão, que caracteriza-se pela descentralização na gestão dos estabelecimentos universitários, intimamente ligado à gestão de pessoas, e por um mercado científico estruturado por três parceiros: o professor, os estabelecimentos universitários em si e as autoridades (locais) que funcionam como supervisores desses mesmos estabelecimentos.
Por fim, o modelo americano, marcado pela ausência de regulamentação por uma supervisão corporativa ou administrativa, onde é assegurada a gestão de cargos e pessoas no nível de cada estabelecimento universitário. O ‘’mercado científico’’ é então estruturado, por um lado, pela hierarquia dos estabelecimentos (com mercados paralelos, uma vez que todos os estabelecimentos não competem na mesma divisão) e, por outro lado, por associações profissionais que mediam o reconhecimento científico de cada disciplina (revisão por pares).
Em África, a Universidade foi primeiramente estabelecida para enraizar e perpetuar a dominação colonial, sendo que com o surgimento dos movimentos nacionalistas a escola tornou-se um espaço de integração e ascensão social e, por conseguinte, as Universidades como espaços de formação da elite burocrática que tinha por responsabilidade assegurar o funcionamento da máquina Estatal. Nesse contexto, Mama (2006) sublinha que uma variedade de centros e redes independentes nacionais, regionais e não-governamentais começou a oferecer contribuições para a produção de conhecimento em África, embora muitas vezes de forma limitada pela lógica do Estado ou do mercado, o que faz com que tais centros de pesquisa sejam altamente vulneráveis à condição política de cada país, sem mencionar os caprichos da captação de recursos.
No nosso país, o debate sobre a relação que se pode estabelecer entre a Universidade e a política parece ter ascendido apenas com as recentes nomeações de Reitores (Universidade Zambeze e Universidade Lúrio). Contudo, é preciso aqui destacar que em muitos países o poder político sempre esteve presente na propositura dos dirigentes máximos das Universidades, sendo que a única diferença é que nesses países o poder político serve apenas como confirmante de um acto que obedeceu a escolha interna entre os pares.
Voltando para Moçambique, basta apenas recordar o episódio que foi a nomeação do Prof. Doutor Filipe Couto, em 2007, ou ainda da tensão criada no início dos anos 90, na Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais – UFICS UEM, durante a gestão do Professor Catedrático Brazão Mazula. Estes são os casos que se tornaram públicos, mas internamente não faltam cenas de crispação na eleição – escolha – de Chefes dos Departamentos ou mesmo de Directores das Faculdades. Aliás, o mesmo sucede vezes sem conta na eleição para dirigir o Núcleo de Estudantes ou ainda para a Associação de Estudantes Universitários (AEU-UEM).
Colocados os elementos acima, parece ficar claro que sofremos de um problema que reside na forma como são escolhidos ou indicados os dirigentes para diversos órgãos ou cargos das Universidades Públicas. Pode ser, mas recuso-me a pensar que esse seja o problema central sobre o que muitos já vieram chamar de esgotamento da autonomia, liberdade e objectividade na produção do conhecimento científico.
Por exemplo, neste momento a França debate-se com uma crise nas suas Universidades que não é em relação a interferência poder político em si, mas a adopção de uma lei/reforma que é vista como o esquartejar da capacidade financeira que as Universidades terão para produzir conhecimento e atrair novos pesquisadores. Trouxe o caso da França porque quero aqui inaugurar uma hipótese que, no meu ponto de vista, pode nos ajudar na discussão sobre o que está a suceder em Moçambique: falamos do investimento público e financeiro que deve ser feito para que realmente a produção do almejado conhecimento suceda. Um verdadeiro engajamento político com a Universidade Pública.
Pensamos que, por mais que nomeações sejam em obediência ao colégio universitário (em respeito ao estipulado na Constituição da República), sem investimento sério na pesquisa, as nossas Universidades Públicas manter-se-ão apenas como edifícios imponentes, mas sem produção científica de base. Entenda-se investimento como dotar as Universidades Públicas de capacidade financeira para produzir pesquisa variada, seja em campo ou laboratório.
Embora sem estatísticas ao nosso dispor, se considerarmos as publicações científicas e existência de revistas científicas (com revisão cega/dupla de pares) como elemento de avaliação de qualidade, poderemos observar com clareza o quão distantes estamos, e isso não é consequência da indicação política dos Reitores. Podemos ainda tomar em conta a nossa reduzida capacidade formativa em produzir Doutores (ou mesmo Mestres) para a actividade lectiva.
Assim dito, reduzir o debate no quesito das nomeações é escamotear um problema maior pelo qual padecem as nossas Universidades Públicas, sendo que poderá manter-se a desculpa que não produzimos conhecimento científico porque o poder político nos impede, esquecendo que o barómetro qualitativo dos pesquisadores e investigadores não se faz pela indicação do Reitor, mas sim pela produção ao longo da carreira dentro dessa mesma Universidade. Sublinhe-se, pensamos que a equação é dupla, por um lado as nomeações em si, mas igualmente a incapacidade política de prover meios para que tais Universidades labutem, mesmo que sejam dirigidas por Reitores politicamente nomeados, o que não é propriamente mau.
Referências
Bréchet Yves, « Science et politique », Commentaire, 161/1, | 2018, 13-18.
Jérôme Lamy, « Penser les rapports entre sciences et politique : enjeux historiographiques récents », Cahiers d’histoire. Revue d’histoire critique, 102 | 2007, 9-32.
Mama Amina, « Towards Academic Freedom for Africa in the 21st Century », Council for the Development of Social Science Research in Africa, 4/3 | 2006.