Estou a ouvir Rádio desde às quatro, deitado sozinho na cama com saudades da minha mulher que zarpou há cinco anos, farta da minha conduta, e eu não vejo o mínimo sinal de que um dia o caminho dos meus pés voltará a ser como era dantes, cheio de flores. Moro no décimo sexto andar de um prédio na 24 de Julho, e até hoje não sei como é que ainda não me suicidei, pois tenho tudo facilitado pelas alturas. Não preciso de recorrer à corda nem ao veneno, daqui posso saltar sem recurso ao pára-quedas.
O locutor de serviço é Agostinho Luís, meu ídolo. Um homem que tem toda a alma na voz devastadora, capaz de provocar terramotos em todos os sentidos. Com este actor a falar eu não tinha outra saída que não fosse entregar-me, por inteiro, ao seu chamamento. Agostinho é o próprio sino, cujo som produzido pela batida do tremendo badalo, vai reboar pelos quatro cantos do globo que está dentro de cada um de nós.
É madrugada em Maputo, dizia ele na sua voz de ouro, para depois tocar a música “Chove chuva, chove sem parar”, do brasileiro Jorge Ben, e eu senti fortemente o escorrer do coração, pensando na minha mulher, na minha linda mulher perdida para outros braços. Para outro coração, melhor que o meu.
Saltei da cama quando Agostinho voltou a falar, e disse assim, “chove em Maputo”. Mesmo assim, este locutor de elevada classe, inigualável, não podia preencher o vazio deixado pela minha Mbuli, muito provavelmente aconchegada no peito de outro homem nesta madrugada fria, depois de uma noite inteira cheia de amor, e eu sem amor nenhum. Sentindo-me um nenhumano. Um verme.
Fui à varanda do meu quarto. Olhei lá fora e chovia em cascata. Parecia que Deus tinha aberto todas as torneiras do Céu, e se eu daqui me atiro, sem páraquedas, não tenho a menor dúvida de que o meu corpo irá esparramar-se lá em baixo, de vez. Mas eu não vou fazer isso, para além de que venero a chuva, ela não merece misturar-se com o meu sangue envenenado pelo álcool que não páro de insuflar neste corpo putrefacto, desde que Mbuli foi embora. Aliás, ela foi exactamente porque eu sou uma pipa.
Volto à cama e sento-me na borda ouvindo o Agostinho Luís. Olho para a garrafa de whisky na cabeceira e não resisto. Acendo um cigarro e impregno todo o espaço que me acolhe com fumo. Entorno a bebida no copo vazado no último gole da noite, e partir daqui, o que me espera é a pângeda. A continuação da pândega. E hoje também não vou trabalhar, que se lixe! Quem vai mudar o mundo não sou eu!
Queimo as goelas com Scotch, e os pulmões com fumo, sob a doce sombra do Agostinho Luís que, em sintonia telepática comigo, põe a girar a universal Eu bebo sim/ Eu tou vivendo/ Tem gente que não bebe e tá morrendo/ . É um samba de Elza Soares, de 1973, celebrizado na voz de Elizeth Cardoso. Mas toda essa paródia não vai impedir a minha derrocada.
Mbuli! Ela não me sai dos pensamentos, apesar de eu saber que não sou digno dela. E o que mais me dói nisto tudo, é que, enquanto caminho pelo desfiladeiro ígreme em direcção ao poço escuro com espigas de aço à minha espera, ela brilha nos patamares da felicidade. Com outro homem. Melhor do que eu. Isso é que me doi!
"Eu não conheço Nhangumele!" - um herói negando outro herói, uma guerra intergeracional, um conflito estatutário.
Não sei que justificativas daremos às futuras gerações, se encontrarem apenas heróis de armas naquelas tumbas. Que argumentos daremos para essa exclusão? O que diremos, se os putos do futuro encontrarem uma tabela periódica de gatunos de alto quilate sem sequer um inventor reconhecido? Uma obra sem obreiro. Uma ciência sem cientista. Que desculpas daremos aos putos, se descobrirem que passou por aqui um ladrão intercontinental de obra feita, mas sem lápide? Não estaríamos a ser egoístas?!
Quer queiramos quer não, os gatunos também fizeram a sua parte na história. Lançaram o país na sarjeta - sim, mas, também, diga-se, içaram a nossa bandeira mundialmente até ao ápice do mastro. É normal que alguns não se sintam confortáveis com isso, mas é a mais pura verdade. São heróis de outros feitios. Não há como! Não adianta ficar nervoso. Quem não gosta se pica no olho.
Essa nova categoria de heróis é demasiadamente audaz. Brutalmente corajosa. Vejam que Marcelino dos Santos negou receber tratamento médico na Índia, enquanto o Chopstick foi capturado quando ia fazer digestão da ceia de Natal em Dubai. Vejam só, irmãos, a petulância dos novos personagens da nossa história! Não há dúvida que é preciso reconhecer a sua epopeia. A heroicidade estende-se também àqueles compatriotas que aceitaram carrões zero quilómetro de presente desses pilantras que nunca trabalharam. É muita coragem!
Quando inventamos esta cena de viragem e não-viragem, sabíamos o que nos esperava como povo e como nação. Sabíamos que viragem é virar do avesso, dar cambalhotas, fazer piruetas. Virou a moral, viraram os valores, viraram os conceitos, viraram os personagens, viraram as virtudes, viraram os heróis. Há uma nova espécie de heróis que também quer uma praça... a praça dos heróis da viragem... a praça dos gatunos de estimação.
É isso. Temos de assumir sem vergonha que esses "burlas" também são nossos "ERROIS". E isso não é para discutir. Se quiser ajudar, arranje-nos um terreno para construirmos uma nova cripta. Se for perto da Bê-Ó, melhor. Ou, então, ali na zona da EMATUM. Acabemos de uma vez por todas com essa assimetria de tratamento. Esse debate de que as enchentes no velório e a quantidade das lágrimas definem a heroicidade deve acabar. Ou estamos virados ou não estamos!
- Co'licença!
A reboque do dia 14 de Fevereiro , o dia dos namorados, o mês de Fevereiro é o dito de amor. Em complemento da onda amorística , está o enquadramento do título deste texto (sou louco por ti América, na língua portuguesa) que foi emprestado com a suposta permissão dos compositores/autores brasileiros da música com o mesmo título e feita em homenagem à Che Guevara. Desta não é para ele a homenagem, mas sim para a América (Estados Unidas da América, EUA), que um amigo, seu eterno apaixonado, ofereceu-a um buquê de rosas. Encontrei o tal amigo, no passado dia 14 de Fevereiro - todo de vermelho, incluindo as rosas - à porta da embaixada americana aos gritos: “Soy Loco por ti América!”
Esta cena fez-me algum ciúme. A América também é minha e aposto que igualmente seja tua. Eu tive e tenho um caso - na verdade casos - com a imortal e controversa América. Uma nação indispensável, segundo as palavras de Madeleine Albright, ex- secretária de Estado dos EUA nos tempos do ex-presidente Bill Clinton. No texto “O dia em que me encontrei com Ronad Reagan” é evidente o meu encanto por esta mulher poderosa e talvez por isso: amada e odiada.
Para ilustrar a grandeza de mulher que é a América, nada melhor que recorrer ao conceituado jornalista português, Miguel Sousa Tavares (MST), que, por alturas do sismo que abalara o Haiti, em artigo no Jornal português Expresso de 23 de Janeiro de 2010, escreve:
” …nos grandes momentos da história da humanidade, de há quase cem anos para cá, os Estados Unidos são, de facto, a nação indispensável. Algumas vezes para o mal, outras, como no Haiti, para o bem (…). Em 39-45, como antes, em 14-18, e depois, em 1991, na primeira Guerra do Golfo, a Europa e o Ocidente ficaram a dever a vida ao esforço de guerra da grande nação americana.” No texto e mais adiante MST prossegue: “ (Os EUA) são capazes de produzir um George W. Bush, que impõe ao país uma guerra (segunda Guerra do Iraque) sem sentido, apenas destinada a servir a sua vaidade de se proclamar "um Presidente de guerra", mas também “… são a nação que é capaz de, num instante, mobilizar os meios e a determinação para acorrer a uma tragédia com a dimensão do Haiti e fazê-lo de forma eficaz, profissional e humana”.
Por cá – a Pérola do índico – a generosidade do amor americano, a título de exemplo, ficou patente no projecto “USA for África”, na primeira metade dos anos 80, cuja música, com o mesmo título, reunindo, na altura, o melhor que existia na nata musical americana. No pacote do projecto (do povo americano para o povo moçambicano) veio o leite em pó, o milho/farinha amarela, roupas das calamidades e as carrinhas azuis que são marcas passadas e indeléveis da presença - em terras do índico - dessa namoradinha do mundo que é a América. Outras passagens e mais recentes foram as registadas no quadro do processo de implementação do Acordo Geral de PAZ (1992) sob a égide da ONUMOZ, Cheias do ano 2000 e mais recentemente (2019) aquando dos ciclones IDAI e Keneth e ainda a propósito das “dívidas ocultas”.
Nesta e longa relação, a América ainda foi e é das nações que mais apoia os sectores privado e da saúde, neste destacando os esforços do combate ao HIV-SIDA. E pelos tempos que correm, a América é uma das esperanças para o futuro do país por conta de avultados investimentos das suas empresas na área de hidrocarbonetos. Registar que nos últimos tempos, a América está cada vez mais próxima e mais preocupada com a sua beleza. Ademais a concorrência está à vista, em particular a presença de uma velha e milenar asiática, disfarçada de uma gostosa “quatorzinha” - adoentada por estes dias - que todo o mundo a quer “paquerar”.
Contudo, e desde a primeira troca de olhares, nem sempre a relação foi um mar de rosas. A América, em algum momento da relação, relegou a Pérola do Índico para a categoria de indesejável e a Pérola, bem machão, já considerou a América uma “persona non grata” (pessoa não agradável). Os motivos? não interessa lembrar de momento. Quiçá num outro texto e com um título adequado. Entretanto, quem quiser saber pode ligar para a América, mas antes aconselho ao interessado a “tchekar” o respectivo cadastro pessoal.
E por falar em cadastro, lembro-me das marchas de 2003 - pelo mundo fora e por cá - contra a invasão americana ao Iraque. Foi interessante reparar que os marchantes aliviavam a sede com uma coca-cola e no mínimo cada um trajava pelo menos um dos seguintes itens: Jeans, óculos de sol Ray-Ban, fones da Bose, sapatilhas e boné da Nike. Os mais abastados até que se fizeram à concentração em meios circulantes de marca americana.
E é também por estas e outras razões que a América – amada e odiada - é a tal nação indispensável que no passado dia 14 de Fevereiro, o dia dos namorados, o meu amigo presenteou-a com um buquê de rosas e defronte à embaixada americana, a plenos pulmões, sucessivamente, gritava: “Soy Loco por ti América!”
Numa altura em que as pessoas sugeriam, por zombaria, um megafone para António Frangoulis amplificar a voz, definhada por uma infecção que parecia determinada a apagar de vez a alma do criminalista, a qual residia exactamente na laringe, eis que ele decide enfrentar a faca do otorrinolaringologista. E o resultado da intervenção ciríurgica é esse: a vocalização das palavras regressou com alguma limpidez.
O homem estava no auge, desdenhando os detractores do seu palmarés, e de peito aberto, predispôs-se para todas as batalhas, sem disfarce, enfrentando os gurus da Frelimo que tremiam perante um camarada que os desafiava. Frangoulis sabia que a eles não convinha ter um inimigo da sua magnitude, um indivíduo que se metamorfoseava em direcção ao livre arbítrio da sua consciência. Tinha certeza, absoluta, de que naquele tapete rolante onde todos giravam, corria riscos. Enormes. Mesmo assim, talvez com grande dose de arrogância, decidiu avançar como os gnus, cuja marcha pode ser interrompida para sempre na travessia do rio dos crocodilos.
Foi isso que Frangoulis, tornado personagem, um actor de topo, fez. Atirou-se ao rio traiçoeiro para nadar, em determinados momentos, de mariposa. Noutros momentos, de bruços, e nas etapas cruciais convocava todas as suas energias para nadar de livre. Aliás, pode ter sido esta ousadia, este desprezo pelos algozes, o fundamento para o túnel escuro que o vai levar ao pricipício, até prova em contrário, sabido que estamos perante alguém que tem demonstrado uma grande capacidade de refocilar. Quer dizer, você enterra um gato vivo a vários metros de profundidade, e ele refocila. Ou seja, volta à superfície. E António Frangoulis parece ser um gato.
Encontrei-o no Djambo, sentado numa das mesas da esplanada, com os dois braços suportando o queixo por via das mãos coladas uma sobre a outra. Reparei que dançava com as pernas, provavelmente para espevitar os pensamentos. Olhava aparentemente para o vácuo, quando no fundo podia estar a vigiar todos os movimentos do lugar, sabido que uma pessoa do porte de António Frangoulis, está proibida de se distraiar. Qualquer movimento para ele é suspeito. E a mão direita está em permanente comunicação silenciosa com o revólver dessimulado.
Há uma azáfama na baixa da cidade de Maputo, os vendedores ambulantes misturam os apelos ao negócio, com as buzinadelas dos automóveis que não cessam de nos fustigar os tímpanos. Os camiões monstruosos invadem a “25 de Setembro”, como se fosse normal andarem na cidade, descarregando os compressores como sempre o fazem na auto-estrada, brrrrôôôôôôoooooo! O Djambo torna-se inóspito, desvalorizando o grande simbolismo que ele carrega, na longa história de uma cidade cosmopolita, que vai caminhando irreversivelmente em direcção ao caos.
Frangoulis faz parte deste drama, nunca fugirá dele, e é mentira que não tenha medo. Quem não tem medo não anda com um revólver furtivo por debaixo da axila. Mas eu estou curioso, o que é que este homem está a fazer aqui? Beber whisky pode ser um pretexto. E ele bebe em doses cavalares, sem ninguém por perto para conversar. Até porque eu o conheço, podia estar ali com ele, porém escolhi recolher ao interior do bar, de onde podia controlar em pleno os movimentos do “bufo” mais mediático de Moçambique. Temido pelos bandidos e por outros “bufos”.
Desde que eu cheguei, já bebeu quatro duplos – pode ter vertido goela abaixo outros antes - e ainda não notei qualquer alteração no seu comportamento. Tirou as mãos por debaixo do queixo. Tem agora os braços cruzados por cima da mesa, onde o copo de whisky funciona como uma lamparina para iluminar as ideias. Ele continua a dançar com as pernas, e parece alheio a vozearia dos bebedores entusiasmados que enchem o Djambo. Engajados na conversa.
Quando a empregada de mesa movia-se para depositar o sexto duplo na mesa do “meu” personagem, ouviu-se uma explosão que parecia de uma arma. Muitos atiraram-se para debaixo das mesas. Outros, terrivelmente assustados, perderam o descernimento e correram para a estrada onde podiam ser atropelados, outros ainda foram se apertar na casa de banho. Mas António Frangoulis manteve-se tranquilo no seu lugar, brincando com o copo vazio. O estoiro era de um pneu.
Há dias fui ao Hospital Provincial de Matola para sondar a qualidade do serviço público. Tinha uma pequena queimadura, que já infectara. Eu podia ter ido a uma clínica privada, ao 222 ou ao Hospital Privado. Mas preferi ir onde vai a maioria do povo. E lá fui eu, ali para os arrabaldes da cidade da Matola, nas margens verdejantes do rio.
Dei de caras com o edifício recente, mas já desbotado. No guiché, quatro assistentes solícitas. Na sala de espera do SUR, uma fila enorme de espera. Meu problema estava identificado. Eu procurava uma pequena cirurgia. Entreguei meus dados e apontaram-me logo a porta.
Lá entrei. A equipa, médico e assistentes, estava a postos, mas seus semblantes mostravam rostos carcomidos por uma tamanha falta de motivação. Durante o tratamento, perfeito, percebi uma coisa: uma tremenda falta de materiais. Não tem agua oxigenada! Mas isso eu já sabia. Até o Hospital Central de Maputo não tem. Os materiais de limpeza, como anti-sépticos, eram dados a conta-gotas. As compressas foram pedir esmola a uma sala ao lado. Grosso modo, os hospitais em Moçambique vivem assim. Uma tamanha falta de meios de tratamento. Minha experiência capta apenas uma pequena amostra.
E isto começou quando os doadores cortaram a ajuda por causa da dívida oculta.
O efeito do endividamento oculto é sentido em toda a sociedade, sobretudo pelos mais pobres. Os doadores suspenderam o financiamento e o governo ficou sem dinheiro para pagar fornecedores ou financiar totalmente os serviços sociais - o que levou a danos directos a muitos cidadãos, que, por exemplo, não têm serviços de saúde ou cujos negócios faliram.
O governo já processou judicialmente parte dos implicados locais (os 20 arguidos) e intentou acções em Londres contra o Credit Suisse e companhia. Mas esses são expedientes da política e das elites, os quais não carregam a imagem do rosto humano prejudicado pela crise. Como diz o advogado anti-corrupcão, Rick Messick, os cidadãos moçambicanos podem também processar essa escumalha do grande capital, incluindo a Privinvest, que nos colocou nesta armadilha de pobreza. Um tal procedimento da sociedade civil complementaria as acções do Governo e, eventualmente, evitaria longos anos de litigação entre as partes. O Credit Suisse evitaria uma grande exposição mediática se o processo viesse da sociedade civil.
Faz sentido! Agora, a questão é: que sociedade civil pode avançar? O FMO já tem uma experiência acumulada no caso e pode usar disso e seus contactos para engendrar a acção. Urgente! As igrejas podiam fazer a sua parte. Mãos à obra?
Os especialistas em postura pública do racismo dizem que o jogador Moussa Marega não devia ter abandonado o jogo. Dizem que devia ter ficado para marcar mais um golo e, no final da partida, lançar a sua camisola à bancada onde estavam os brancos racistas, fazer gesto de macaco e sair. Dizem esses peritos que isso chama-se sair em grande estilo. Dizem que é a melhor resposta aos actos racistas.
Quer dizer, já começaram a aparecer compatriotas nossos "ekspertis" em etiqueta do racismo. Daqui a pouco, vão começar a fazer "cotxingui" sobre métodos de resposta ao racismo. Vamos ter "workshops" sobre etiqueta do racismo. Vão nos ensinar técnicas de auto-defesa contra o racismo assim tipo taekwondo. Racismo vai ter ritos de iniciação. Vão produzir manuais de resposta contra o racismo para o ensino primário e secundário.
Para o bem da humanidade haverá um guia do racismo. Haverá um tratado do racismo que deverá ser ratificado por todas as nações. O objectivo é não perder a elegância quando estiver a sofrer racismo. Do tipo, não pode perder a postura. Não pode ser boçal. Tem de manter a classe quando estiver a ser insultado. Pode doer, pode-se sentir humilhado, pode ficar chateado, mas, faz favor, não mostre. Mantenha a pose.
Os entendidos na matéria dizem que a melhor forma de reagir ao racismo é não reagir. Não ligar. Mandar passear. Ficar tipo nada aconteceu. Procurar a tia Verô para te relaxar como fez com a imunidade de Chopstick. Dizem que os pretos devem estar psicologicamente preparados para sofrerem racismo, principalmente quando estiverem a viver na Europa. Preto não deve ter frescura.
Assim, estamos a desenvolver um código de conduta para convivemos pacificamente com o racismo. Infelizmente, é assim que vamos fabricando almofadas mornas para acomodar cobardias. Vamos tratando romanticamente a estupidez. Vamos protocolando o racismo, assim como fazemos com o estupro, com a violência doméstica, com o casamento prématuro, com os gatunos, com a homofobia, etecetera, onde a vítima é treinada a agir politicamente correto. Onde a vítima, antes de reagir, deve pensar na imagem e no bom-nome do seu agressor. Onde a vítima deve ser civilizada. Ser "polaiti". Vai que o agressor fique traumatizado!
Nesses moldes, o Marega devia ter permanecido no rectângulo do jogo para manter a harmonia no estádio. Foi constrangedor. Havia crianças e idosos ali. De acordo com o novo código, o Marega foi ríspido e selvático. Quem assim procede precisa de uma indução comportamental muito séria. Essa cena de racismo e não-racismo, o Marega não entende patavina.
Eu: aos especialistas, vai aquele inglês de Doppaz para vocês.
- Co'licença!