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quarta-feira, 01 junho 2022 13:37

Enxoval em Cadeiras em Cadeiras de Rodas

A luz com que vês os outros é a luz com que os outros te vêem a ti.  Provérbio africano

 

Este primeiro de Junho tem de ir além das comemorações, para ser, igualmente, um momento de reflexão sobre o quanto crianças com deficiências precisam ser olhadas, respeitadas e incluídas em todos os espaços da nossa sociedade. Na realidade, independente do que julgamos ser, saber e possuir, temos todos, grosso modo, uma deficiência temporária ou permanente. Esta deficiência se revelará em algum momento das nossa vidas. Quando isso suceder, as experiências podem ser mais ou menos marcantes, mas não deixarão de ser histórias de vida, de amor e de compaixão.

 

O leitor tem, em suas mãos, a primeira experiência literária de uma jovem mãe, guerreira, destemida, obstinada e que não se conforma com fatalismos e desigualdades. Uma mulher que conquista nossos corações e ganha estatuto de mulher solidária.  Percorrendo estas páginas, reencontramos alguém que se predispõem a partilhar suas privacidades, contrapondo com o ostracismo e silêncios. Um exercício de reconstituição de memórias e convulsão de sentimentos. Benilde Mourana encontrou na deficiência todas as razões para interagir com o grande público leitor.

 

As facetas mais fascinantes da vida são, quiçá, as mais simples de serem descritas. As outras, mais complexas, obedecem e sugerem roteiros distintos. Temos de conformar a dor e o sofrimento, para reencontrar o caminho do alívio e da tranquilidade. Porém, a vida, este dom divino que desfrutamos na plenitude ou em partes, nos ensina fundamentos e lições diversas. Revelar estas facetas pode ser uma experiência fenomenal ou traumática. Mas, ignorar as diferentes dimensões da vida parece ser inconsequente. Então, reencontre nesta narrativa a revelação da inquietude e do amor, do sofrimento e da paz, a retoma pelos modelos de superação, reinvenção das memórias e a alucinante vontade de estabelecer uma comunicação horizontal.

 

A autora deste livro, nesta primeiríssima viagem descritiva, não cuida apenas de uma filha com problemas, trata de várias dezenas de crianças e jovens. Ao assim proceder, ela não só repõe a esperança aos familiares, mas, também, devolve um sorriso às crianças, jovens e até adultos com deficiência. Nesta relação, fica escancarada a certeza de que o amanhã se escreve com as cores do arco-íris de hoje. A autora converte-se numa espécie de Madre Teresa de Calcutá, que vence as emoções e empenha-se no essencial. Uma mulher de causas, recriando ou ressignificando os caminhos da indiferença e da negação da felicidade e do futuro.

 

As famílias moçambicanas mais carentes enfrentam, em diferentes em períodos históricos, a questão moral e ética de como lidar, incluir e apoiar, com mais perspicácia, com ou sem recursos, as pessoas com deficiência. Essa tarefa torna-se, cada vez, mais premente com o avançar da idade destas crianças e adolescentes. Em causa esta a tipologia e a demografia deste grupo populacional. A situação está longe de fácil, compreensível e aceitável. Em jogo estão cuidados primários, alimentares, apoio psicológico e moral. Em causa está a vida e a qualidade de vida que tem de ser providenciada. Enfim, a vivência nos limites da capacidade emotiva, física e emocional. Porém, estas famílias não vergam e nem viram, nunca, a cara a luta. Cada dia tem sido um dia, e em cada sorriso infantil rebuscam das cores invisíveis dos raios solares, a energia e foco para levarem a bom porto a sua missão.

 

Ao longo da obra, entendemos o sentido primário e ético de vocação; o sentido superior de missão; a face da virtude. Pela história de Luana, essa jovem menina que agora beijou os seus dez aninhos de vida, reencontram-se estes conceitos associados a crença e a fé. Este escrito, ainda que force a leitura com os olhos embaciados, leva-nos de volta ao sentido de chamamento. Benilde e seu grupo de colegas e profissionais, aqui superiormente narrados, repõe uma espécie de despertar, refazendo o convite para ampliar o valor intrínseco de sua vida, abandonando a inércia ou a zona de conforto, abraçando, deste modo, essa causa que faz dela e delas, verdadeiramente, pessoas especiais. Ao cuidar de crianças e jovens com deficiência, elas próprias se transformam em pessoas especiais, perseguindo novos sonhos, objectivos e, na maior parte dos casos, transformando-os em realidade.

 

A deficiência perpassa a estabilidade familiar e emocional, colocando-se num plano da inserção dos portadores de deficiência, ao nível societário na estabilidade e no próprio desenvolvimento de Moçambique. Existem evidências de que pessoas com deficiência experimentam os piores resultados socioeconómicos e pobreza, se comparadas com as pessoas não deficientes e mais independentes. Todavia, apesar da magnitude desta situação, carecemos tanto de consciência, como de informação científica das reais causas ou consequências da deficiência. Não existem consensos sobre definições, nem credíveis informações, que permitam comparar, com exactidão, a incidência, distribuição e tendências da deficiência. São escassos os documentos com análises comprovadas, sobre como lidar com a deficiência e, sobretudo, sobre as respostas para abordar as necessidades das pessoas com deficiência.

 

Historicamente, as pessoas com deficiência têm, em sua maioria, sido atendidas através de soluções segregacionistas, tais como instituições de abrigo e escolas especiais. As pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação económica menor e taxas de pobreza mais elevadas em comparação as pessoas sem deficiência. Naturalmente, isto acontece pelo facto de as pessoas com deficiência enfrentarem barreiras no acesso a serviços que muitos de nós consideram garantidos, como saúde, educação, emprego, transporte e informação. Tais dificuldades são exacerbadas nas comunidades mais pobres.

 

O relatório Mundial sobre a deficiência múltipla, de 2012, dava conta de que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo convivia com alguma forma de deficiência, dentre os quais cerca de 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis. A previsão era de que, nos próximos anos, a deficiência seria uma preocupação ainda maior, porque a sua incidência tem aumentado exponencialmente. Este aumento tem a ver com o aumento global de pessoas expostas ao risco de deficiência crónica, tal como as diabetes, doenças cardiovasculares, canceres e distúrbios mentais. A saúde humana também tem sido afectada por factores ambientais, tais como água potável e saneamento do meio, nutrição, pobreza, condições de trabalho, clima, ou até acesso a atendimento de saúde. Mas, a desigualdade tem sido das principais causas dos problemas de saúde e, por conseguinte, da deficiência.

 

Em Moçambique, estas razões encaixam na sua plenitude. Porém, existem, ainda, as causas sobrenaturais ou espirituais. Não admira que um país que continua tendo mais de metade da sua população recorrendo a tratamento fora de unidades hospitalares, socorra-se a espiritualidade para explicar o fenómeno da deficiência. Assim, a explicação mais lógica tem sido o fenómeno da reencarnação dos espíritos. Os defuntos das famílias nem sempre são tratados com a devida dignidade e, assim, eles regressam à terra para se instalarem em determinadas pessoas. Esta crença explica uma relação difícil e complexa entre as famílias e seus filhos com deficiência.

 

Existem casos de filhos com deficiência que são retirados da família para serem enviados para o campo ou para as periferias, longe do núcleo central da família. Famílias que exerçam lideranças tradicionais convivem mal com o fenómeno deficiência e imputam as culpas às suas esposas por estas ocorrências. A autora foi acusada de ter cometido adultério. Esta é uma explicação comum e despropositada, não tem nenhuma prova nem racional científico.

 

Benilde Mourana quis partilhar a narrativa da sua trajectória e desmistifica e desconstrói factos complexos da deficiência, conferindo um carácter de humanismo, simplicidade e uma bênção divina. Deus, como ente superior, determina o caminho de cada ser e sabe qual o papel que cada um de nós precisa de seguir e desempenhar na terra. Com mestria de quem quer transmitir e escrever a meio de tantos outros afazeres, ela sugere que são estas crianças e jovens que fazem e convertem a todos nós como pessoas especiais.

 

Na sua descrição sobre Luana, sua filha de quem teve uma gravidez normal, e que embora não estivesse disposta a seguir com a gravidez, ela revela que a mesma não aparentava nenhuma complicação até ao nascimento. Seguiu as recomendações médicas e fez as consultas pré-natais com a devida regularidade. Só descobriu e tomou consciência da gravidade do problema da sua Luana, depois de ter visitado diferentes médicos no país e na África do Sul e em Portugal. Portanto, um caso de doenças raras, mas, que mudou de alguma forma a sua rotina e o modo como lida com a situação. Por isso, estas páginas pincelam essa angústia, mas, e sobretudo, a certeza de que o mundo foi feito para todos e, cada um a seu tempo, seguirá trazendo felicidade ou infelicidade para os que acreditam e para os menos crentes.

 

Esta narrativa nos transporta para outras facetas e para a essência de uma trajectória que faz questão de não esconder ao mundo. Fá-lo com orgulho e com uma capacidade de escrever e expurgar a dor. Exorcizar os fantasmas e colocar a divindade no centro do destino e da criação humana. Porém, tem sido claro que a maioria das pessoas com deficiência no mundo, tem extrema dificuldade até mesmo para sobreviver a cada dia, quanto mais para ter uma vida produtiva e de realização pessoal. Enquanto, algumas poucas pessoas, pelo mundo, tem a sorte de ter apoios e recursos para viver uma vida que vale a pena, a autora não tem perspectiva de que o seu pequeno espaço possa beneficiar de meios eficazes para levar a bom termo o seu trabalho. Mas, ela encontra algo bem mais significativo e importante: a superação, o apoio dos amigos e uma legião de pessoas que abraçam a causa da cidadania.

 

Embora a autora reconheça que, nas últimas décadas, o movimento das pessoas com deficiência ganhou novos contornos e atenção, a sua obra não tem o efeito de chamada de atenção, mas o de educar e transpor o papel das barreiras físicas e sociais vis-à-vis a deficiência. Para a autora, as pessoas são vistas como deficientes pela sociedade, porém muito para lá destas incapacidades, esta uma vida, um sorriso e o amor incondicional que eles oferecem a todos sem excepção. Portanto ela apela a uma abordagem conceptual mais equilibrada, que deveria dar mais ênfase ao enquadramento social, dos que propriamente ao estado físico.

 

A autora tem o mérito de explicar, de forma simples, que a deficiência afecta seja a criança recém-nascida com uma condição congénita, tal como paralisia cerebral, como também afectaria vítimas de acidentes, de guerra, pessoas que sofrem de artrite ou alguém que passa por algum infortúnio, que sofra de demência, de entre muitas outras causas. Um enxoval em cadeira de rodas como sugere o título. Quando terminar esta leitura entenderá que os problemas de saúde podem ser visíveis ou invisíveis, temporários ou de longo prazo, estáticos, episódicos ou em degeneração, dolorosos ou inconsequentes. No final estas crianças, como a sua Luana, natalina, e as dezenas de Luanas, que estão sob seus cuidados nem sequer se consideram pessoas com deficiência ou enfermas, são os seres que nos fazem especiais. (X)

terça-feira, 31 maio 2022 14:32

Afinal temos alternativa à EN1!…

Nas últimas duas semanas, este espaço foi dedicado ao sector de transportes no nosso solo pátrio. É que o assunto não é para menos: os transportes são nevrálgicos para o desenvolvimento de qualquer economia, de qualquer nação. A incidência do nosso posicionamento é que o nosso Sector dos Transportes e Comunicação não está à altura dos desafios do país, particularmente o de transportes. Há muitas coisas que não faz e que são de capital importância para o desenvolvimento da nossa querida nação. Não conhecemos, do nosso Sector de Transportes,  nenhuma política, nem estratégia do sector. Não lhe conhecemos nenhum documento orientador, com abordagem clara e indicadora do caminho a seguir no desenvolvimento destas infra-estruturas; um plano director para qualquer das áreas (rodoviária, ferroviária e marítima). Nada. Se existe, não é de domínio público!

 

No entanto, não se abrem novas estradas nem ferrovias. Não se desenvolvem, nem se consolidam as rodovias existentes que precisam de mais trabalho, como as muitíssimas não asfaltadas e nem registadas pelo país adentro. Não se faz manutenção necessária e satisfatória das existentes. Idem para as pontes, muito pouca manutenção! Está num sono muito profundo, sob a alegação de que não há recursos, especialmente financeiros!

 

Para quem não está bem informado e não tem a possibilidade de viajar pelo interior do país, dá a ideia de que Moçambique não tem vias alternativas à Estrada Nacional no. 1. Para se chegar ao centro e ao norte do país, tem que ser só por intermédio da EN1. Pura falta de informação. Ou, é uma narrativa que se tem estado a encubar por muito tempo; que não está a ser desconstruída até pelas autoridades do Sector, para despertarem os moçambicanos para saberem e entenderem que, afinal, temos alternativas de circulação no nosso Moçambique!

 

Esta semana, tive a primeira oportunidade de voltar de Inhambane sem usar a EN1, só apanhando esta em Chissano, perto da Macia… Saímos, eu e os meus dois colegas de serviço e de viagem, da Maxixe, picamos para o distrito de Panda,  atravessando o distrito de Homoine, província de Inhambane. Estrada muito bem asfaltada de Homoine até Panda, foi inaugurada após reabilitação, em 2020. Daqui onde termina a asfaltagem, nasce uma picada, recta, sempre em frente… até… Mawayela, cerca de 85 quilómetros. Uma picada em que se anda razoavelmente, nalgumas partes, pode-se conseguir andar a 80, 90 km/hora; noutras, nem tanto.

 

De Mawayela, logo no fim da sede da localidade - Mawayela é, ela própria, uma localidade com o mesmo nome - virando à esquerda, a picada leva a Mandlakazi!… e, depois, a todos os destinos na província de Gaza. Seguindo para a direita, para o norte, vai-se até à berma do rio Changane, do outro lado do qual é a localidade de Lhanganine… na província de Gaza. Ou seja, se vira para a esquerda vem para o sentido sul do país; e se vai à direita, vai no sentido norte.

 

Portanto e por conseguinte, compatriotas, é possível sem ser pela Estrada Nacional no. 1 galgar o país de lês-a-lês. Podemos partir de Moamba, atravessar Magude, cruzar Chókwè, Guijá, Chicualacuala até ir dar à Espungabeira, em Manica. É possível.

 

Agora, o problema que se põe é que estas vias não estão em condições de serem percorridas por uma viatura ligeira, normal. Tem que ser com uma viatura bem potente, com tracção em dia, o que nem todos os moçambicanos têm capacidade de ter. E a questão que nos intriga é: por quê não desenvolvemos estas alternativas de circulação do país? Por quê o Sector de Obras Públicas está tão dorminhoca assim? Só e só falta de recursos financeiros? É isso? Então estamos condenados a um desenvolvimento não célere nem robusto devido a estes constrangimentos na circulação de pessoas e bens. Sem circulação fluida de mercadoria, nossa economia não irá longe!

terça-feira, 31 maio 2022 08:27

Educação: Quando tudo parecia bem!

“Quando uma Jovem Licenciada escreve na sua página do FACEBOOK assim (mição comprida) com direito à fotografia empunhando o Diploma e buquê de flores da ocasião, significa que algo vai demasiado mal no nosso sistema de educação. Quando os livros escolares são produzidos sem o mínimo rigor na correcção, significa que a negligência atingiu o auge”.

 

AB

 

Quando digo “quando tudo parecia bem” refiro-me ao facto de o País ter uma massa de Jovens com formação superior a todos os níveis em quantidade suficiente para “tocar o barco a andar” baseado em recursos humanos locais. As nossas Universidades estão pejadas de gente sedenta de formar-se e quase todos os anos saem quadros aparentemente formados para reforçar o mercado de trabalho, digo aparentemente formados porque, ao constatar todas estas gralhas, estes erros todos de uma comunicação para o público, fica claro que algo não vai bem.

 

É tema de debate, nas redes sociais, o Livro de Ciências Sociais da 6ª Classe, onde aparece “Limites do grande Zimbabwe: Mar Vermelho e Golfo de Áden. A Sul, Malawi e Zâmbia, a Este, Oceano Índico e o Rio Inharrime é chamado Rio dos Bons Sinais”. Aqui o problema não está nos professores, não está nos alunos, está ao nível mais alto do sistema de educação que, a meu ver, pode não estar até no Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano, pese embora, deveria ter detectado isto antes da distribuição.

 

Digo pode não estar na educação porque, na verdade, todos sabemos que, para a edição do livro, deve-se passar por muitas etapas, desde a revisão, editação, retornar a revisão/limpeza para que saia tal como se pretende. No entanto, num sistema em que o Livro Escolar é produzido no exterior, lembrar que, temos alunos neste momento sem o Livro Escolar e não há ideia sobre quando chega, esta ginástica de ensaio antes da publicação fica difícil, salvo se tivermos revisores e editores no local de produção desse mesmo Livro Escolar.

 

Esta reflexão não pretende, de forma alguma, isentar de responsabilidade o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano. Pretende, sim, lançar a reflexão para outras áreas que não são estritamente este sector vital. Diz-se à boca cheia que, se “queres destruir um País, mata a educação”, entretanto, não creio que os funcionários da educação sejam “suicidas” e que queiram matar o seu próprio sector. Certamente, serão colegas de outros sectores que percebem de educação que pretendem aniquilá-los.

 

Convenhamos, enquanto não se resolver o problema de produção interna do Livro Escolar, estes problemas serão recorrentes e, repito, a questão não deve ser vista, estritamente, na educação e desenvolvimento humano, todos os sectores do Governo devem ser responsabilizados por estes erros, desde a economia e finanças que diz não ter dinheiro, a indústria que nega existência de capacidade interna para a produção, assessores do Governo que se mantêm indiferentes ao problema da educação, digamos, este problema é do Conselho de Ministros, como um todo!

 

No princípio do ano, o debate foi sobre os conteúdos e aqui, sim, a educação e desenvolvimento humano tem responsabilidades acrescidas, sem isentar outros sectores da sociedade civil. A existência de uma massa crítica não significa a dispensa de consulta a outros sectores da sociedade sobre matérias a educar no sistema. Na verdade, a educação deve ser de participação de todos, mas, como não podemos fazê-lo, existem grupos da sociedade representativos a consultar e se as pessoas responsáveis pela produção de matérias se acharem suficientemente capazes e não precisarem de consulta, pode residir aí o erro, que merece correcção imediata!

 

Caro amigo! Já imaginaste um debate de estudantes sobre a localização de um determinado ponto geográfico, um a defender aquilo que estudou e que o professor o classificou como BOM e outro a defender aquilo que é universalmente correcto e baseado nas suas pesquisas e de autodidatismo!? O outro a provar por A+B que está certo e a prova é o que vem escrito no Livro de Educação Oficial? Evitemos embaraços, ao Governo, em última instância, compete criar condições para que a educação não seja o que vivemos hoje. Repito, temos bases para que a educação avance sem sobressaltos, precisamos é de capacitar esses quadros, fornecendo capacitações, reciclagens e outras formas para que as coisas estejam sob carris.

 

Não se pode ter um produtor de conteúdos escolares em regime de “past-time”, não se pode ter um revisor de conteúdos escolares enquanto professor “turbo” que deve dar aulas em múltiplas escolas para poder sustentar a família. Deve-se criar condições materiais para que as pessoas afectas nesses sectores estejam 24 sobre 24 horas a pensarem no trabalho que devem realizar. Se não tiver trabalho objectivo, a leitura deve ser o seu refúgio.

 

A terminar mesmo, esta reflexão vai longe, quero parabenizar os Pais e encarregados de Educação pela permanente preocupação para com a educação dos filhos e educandos, a sociedade de um modo geral que lê matérias sobre a educação e constata e denuncia estes erros. Esta é, na minha opinião, uma demonstração clara de vontade de ver as coisas a correrem bem neste sector vital da vida de uma Nação. Continuemos firmes, por uma educação abrangente e de qualidade!

 

Adelino Buque

terça-feira, 31 maio 2022 05:22

“A República das Erratas!”

NovaOmardino

Mais uma vez, estamos diante de um escândalo cabeludo, que abala o Sector da Educação do nosso País. O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) chamou a imprensa, no Domingo (29.05), para pedir desculpas aos encarregados de educação e alunos, face à onda de revolta social movida por erros graves verificados em alguns livros do Ensino Primário.

 

Na ocasião, a Porta-voz do MINEDH, Gina Guibunda, anunciou a criação de uma Comissão de Inquérito e, por fim, uma grande nova – produção de Erratas para colocar em 941.700 livros da disciplina de Ciências Sociais da 6ª Classe; ao que tudo indica, mais livros possuem erros graves e injustificáveis. E o mais engraçado, diante de tudo isso, é a forma banal e descarada como essa informação foi apresentada – “Vamos colocar Erratas nos manuais (livros) em causa!”

 

Aquela afirmação, vindo de uma mãe, tia, avó, esposa de alguém e, sobretudo, de uma gestora da coisa pública, demonstra que estamos, de facto, a brincar de governar. É por isso que a mensagem deixou todo cidadão atento e preocupado com o desenvolvimento deste País escandalizado.

 

Na sua comunicação, ela reconfirmou, mais uma vez, que os nossos gestores de educação não são amigos da leitura, daí terem deixado passar erros graves como aqueles, que estão a ser tratados como simples gralhas. Com um livro repleto de erros atrás de erros, a Porta-voz do MINEDH teve a coragem de vir ao público, espalhar sua lata, e dizer que colocariam Erratas nos manuais, ou seja, milhões de Erratas!

 

A ser assim, e se a moda pegar – acho que deveríamos produzir milhões de Erratas e colocar em muitas coisas neste País. Imaginem a forma como quase todas as coisas vão sendo e são feitas por aqui, na terra do deixa andar… Portanto, decidamos colocar Erratas:

 

- Na Constituição da República de Moçambique (CRM);

 

- Nos diversos Acordos de Paz entre o Governo e a Renamo;

 

- Nas Leis específicas e nos regulamentos normativos que norteiam a sociedade moçambicana;

 

- Em todos os manuais de história e língua portuguesa; nas monografias, dissertações e teses científicas; nos manuais de geografia, entre outros;

 

- Nos certificados e diplomas que as escolas, os institutos e as universidades passam aos alunos e estudantes finalistas que foram (de)formados;

 

- Nos discursos lidos pelo Presidente da República, pela Presidente da Assembleia da República, pelo Primeiro-Ministro, pela Procuradora-Geral, e por tantos outros;

 

- Nos documentos de identificação e de trânsito mal escritos;

 

- Nos curricula de formação de professores, médicos, polícias, militares, enfermeiros, jornalistas, juristas, magistrados, ambientalistas, engenheiros, teólogos, agrónomos, informáticos, educadores de infância, assistentes sociais, sociólogos, antropólogos, gestores administrativos, alfandegários, aduaneiros, serventes, motoristas e políticos – deve-se produzir milhões de Erratas para corrigir tudo que temos assistido nesta martirizada terra!

 

- Sabem porquê? – Somos um País em que se vive de faz de contas. Do espírito de deixa-andar. Da mão leve. Do cabritismo. Uma terra onde se normalizou a irresponsabilidade. A incompetência, a falta de respeito pelo povo, a indignidade do cidadão, o espírito de deixa-andar e tantas outras coisas que enojam um cidadão decente e preocupado com o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos moçambicanos de hoje e do amanhã.

 

- Que coloquemos Erratas na Bandeira Nacional. Nas notas do nosso Metical. Erratas nas tabelas e taxas de impostos que aceleram a nossa pobreza. Erratas nos preços dos produtos de primeira necessidade. Erratas na conduta dos políticos e governantes. Erratas nos preços de portagens que nos sufocam. Erratas nos relatórios triunfalistas de sectores que nada fazem e passam a exibir fotos de feitos inexistentes – passemos Erratas em tudo! Talvez assim continuemos a fingir que estamos a trabalhar.

 

E se a saga pegar, nos próximos dias, poderemos vir a ser uma “República das Erratas”. Mas caso queiram mudar o cenário e aliviar a nossa consciência, o primeiro passo que se deve tomar é queimar todos os livros. Banir do Sistema Nacional de Educação (SNE). Processar todos envolvidos, inclusive a autora e sua equipa. Convocar um leque de especialistas isentos e professores da velha guarda para começarem a produzir novos manuais, que serão organizados, monitorados, impressos e distribuídos por gente nova e comprometida.

 

É necessário, também, exonerar a Ministra Carmelita Namashulua e toda a sua equipa folgada e que está nas direcções. Desmantelar a quadrilha e os esquemas montados naquele sector. Desvendar os actores envolvidos nestas negociatas e reformular todo Sistema Nacional de Educação (SNE).

 

Tratando-se de um sector tão importante, a revolução para o nosso Desenvolvimento Humano – que passa pela formação do Homem Novo e um moçambicano reconfigurado – há décadas almejado na Pérola do Índico, deve começar lá e já; caso contrário, a desgraça continua e as pragas do Egipto continuarão a assolar-nos!

A educação é um direito fundamental e, ao mesmo tempo, um direito humano, do qual depende o livre exercício e gozo de outros direitos humanos conexos, incluindo o direito ao desenvolvimento, o direito à informação, à participação pública, o direito ao trabalho, à liberdade de pensamento e de escolha do que se pretende ser e fazer, sobretudo, profissionalmente. A educação constitui um instrumento de poder para os cidadãos que lhes permite controlar o curso das suas vidas e contribuir eficazmente para o desenvolvimento da nação. A falta de educação básica ou a má qualidade de formação afecta os conhecimentos dos cidadãos sobre o ambiente, saúde e higiene, o que impacta negativamente sobre a qualidade das suas vidas. A negação do direito à educação nas suas diversas formas, que abrange a má qualidade de ensino, é também denegação do desenvolvimento do pleno potencial dos cidadãos e da participação significativa na sociedade.

 

O direito à educação enquadra-se essencialmente na categoria dos direitos económicos, sociais e culturais e está plasmado no artigo 88 da Constituição da República de Moçambique (CRM) nos seguintes termos:

 

  1. Na República de Moçambique, a educação constitui direito e dever de cada cidadão.
  2. O Estado promove a extensão da educação à formação profissional contínua e a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste direito.

Por sua vez, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), de que o Estado moçambicano é parte, determina no n.º 1 do seu artigo 17 que: “Todas as pessoas tem direito à educação.” O artigo 22º da mesma Carta consagra o direito ao desenvolvimento nos seguintes termos:

 

  1. Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento económico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do património comum da humanidade.
  2. Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento.

 

Este direito ao desenvolvimento está em grande medida relacionado com o exercício e gozo do direito à educação que deve ser acessível, aceitável e de qualidade para a edificação de uma sociedade de justiça social, de bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos, conforme preconiza a alínea c) do artigo 11 da CRM.

 

A garantia e a salvaguarda dos direitos humanos, dos direitos e liberdades fundamentais cabe, em primeira linha, ao Estado, seja à luz da CRM ou dos instrumentos internacionais de direitos humanos de que Moçambique é parte.

 

Aliás, determina o n.º 1 do artigo 56 da CRM que: os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da Constituição e das leis.

 

Da leitura e exercício hermenêutico da norma contida no n.º 1 do artigo 56 da CRM é fácil perceber a responsabilidade do Estado para com os direitos e liberdades fundamentais como é o caso do direito à educação. No mesmo sentido, a alínea e) do artigo 11 da CRM estabelece como um dos objectivos fundamentais do Estado: “a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei.” Importa também referir que o artigo 1 da CADHP impõe que os Estados partes da presente Carta reconheçam os direitos, deveres e liberdades enunciados na mesma e se comprometam a adoptar medidas legislativas e outras para aplicá-los.

 

Ora, há mais de dez anos que o investimento no sistema de educação tem sido insignificante para aquilo que são os objectivos do sistema nacional de educação definidos na legislação e políticas de educação. O orçamento para o sector da educação, para além de não ser de gestão transparente, revela-se problemático no concernente à alocação de fundos para a construção de escolas, que, infelizmente, tem sido reduzido à “construção de salas de aulas precárias.” A esta situação, acresce o deficiente  mecanismo de aquisição do material escolar essencial e de contratação e formação de professores para um processo de ensino e aprendizagem de qualidade, particularmente no ensino primário e secundário.

 

Outrossim, o governo permite espaço para o consumo de bebidas alcoólicas nas escolas, cujos sistemas de segurança são altamente frágeis. A instalação de barracas e/ou bares nas proximidades das escolas cresceu bastante, constituindo um convite aos alunos e professores para o consumo de bebidas alcoólicas, enquanto frequentam as aulas. Ademais, os currículos do sistema nacional de educação não estão consolidados e não são objecto de um debate público aberto entre os profissionais da educação, encarregados de educação e sociedade civil que trabalham na área de educação e outras conexas, não obstante esses currículos sofrerem constantes alterações ou reformas em períodos muitos curtos à medida que se mudam dos dirigentes do sector da educação.

 

Recentemente, foi determinada a leccionação de aulas de várias disciplinas por um único professor em determinadas classes em que durante muito tempo cada disciplina tinha o respectivo professor qualificado e não se percebe as razões para tamanha transformação institucional, atendendo ao elevado padrão de qualidade de ensino que se pretende.

 

No mesmo sentido, os salários e incentivos para os professores, sobretudo os do ensino básico, são extremamente baixos, os livros que deviam ser de distribuição gratuita são na verdade entregues para esquemas de negociação ou venda tanto no mercado negro, como nas escolas privadas ou particulares em detrimento das escolas públicas. Curiosamente, as condições e qualidade ensino nas escolas públicas tendem a ser muito débeis, ao que parece ser para alimentar o ensino privado que é altamente lucrativo para os respectivos donos.

 

O processo de elaboração e aquisição dos livros escolares tem sido obscuro e não chegam ao País em tempo útil, nem apresentam a devida qualidade de conteúdo para um eficaz e eficiente processo de ensino e aprendizagem, com vista à realização do direito à educação no quadro da Constituição da República em vigor.

 

Distribuir livros com erros ortográficos e de conteúdo graves é um atentado ao direito à educação, que dá a entender que se trata de um plano obscuro de destruição do sistema nacional de educação e a consequente denegação do direito ao desenvolvimento dos cidadãos e do Estado moçambicano, considerando que estão em prática vários mecanismos e/ou acções que demonstram se estar perante um processo sistemático de debilitação e violação do direito à educação em Moçambique.

 

Portanto, é notório que o Estado, através do seu governo, não está a cumprir com os seus deveres legais de respeitar, promover, proteger e realizar o direito à educação e, nessa vertente, está, igualmente, a denegar o direito ao desenvolvimento aos cidadãos, pelo que urge uma advocacia e atitude para mudança e eliminação de todas as barreiras ao acesso à educação de qualidade, num contexto de adopção de processos de tomada de decisão transparente e com a participação pública abrangente dos interessados no sector em questão.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

A própria baía em si perdeu a beleza, dando lugar  a um matagal sem sentido, que tomou o lugar de veraneio da urbe, tirando assim o direito aos banhistas e a todos aqueles que já não podem contemplar uma maravilha que nos punha em contacto visual com toda esta paisagem exuberante que inclui a península de Linga-Linga e o arquipélago de Mucucune – por um lado -  e a soberba do coqueiral que se ergue do outro lado, onde a Maxixe perdeu também, ao longo da orla marítima, a sua liberdade, por conta das construções que nunca obedeceram a nenhuma regra.

 

Os bancos de areia têm nome, todos eles, cada um com o seu potencial pesqueiro e seus tabus, porém – apesar desse diferencial - o que havia neles  de comum era a fartura. Por isso mesmo, homens e mulheres, em maré vaza, atravessavam em pequenos barcos à vela, na demanda do abundante pescado que incluia a apanha de carangueijo e moluscos e camarão, e não havia dúvidas de que os cestos voltariam mais do que abarrotados, para gáudio de famílias inteiras que nunca souberam o que é fome.

 

“Boni” será  -  provavelmente - o banco mais conhecido e se calhar o mais produtivo e o de maior extensão territorial. Em dias de pesca e de apanha e de arrasto, as pessoas eram desembarcadas aos magotes e espalhavam-se como baratas assustadas, mas era mentira, levavam dentro delas a certeza e a alegria de que voltariam para casa abastecidas. E todo aquele trabalho que faziam – muitas vezes debaixo de frio intenso e chuva – dáva-lhes prazer por saberem que os resultados seriam por demais compensadores.

 

Os bancos de areia da baía de Inhambane eram uma música, repetida na cidade e nos subúrbios, num ritmo que ressurgia com fulgor em cada refeição ou em cada petiscada nas bebedeiras de sura. Também eram uma jazida interminável que proporcionava renda a muitos e, por tudo o que representaram na economia e na sociedade, nunca vão deixar de ser património valioso.

 

Mas hoje ninguém fala dessas fontes de energia, pouca gente as procura, porque já não têm nada para dar, ou têm muito pouco. Há uns que dizem que aqueles bancos de areia e as suas circundantes águas misteriosas outrora promissoras, foram profundamente exploradas até a exaustão. Foram esvaziadas. Todavia, há aqueles que defendem outro pensamento. Segundo eles, foi o próprio Deus que diminuiu as bençãos, por ira. E, como todos nós sabemos, depois da Palavra de Deus, não há outra palavra. Assim, o mito morreu, e com ele a nossa esperança.