A professora e académica Iraê Lundin (1951-2018) contara uma vez – na verdade mais do que uma – que no seu tempo de juventude e estudante universitária na Suécia ela perdeu o verão por culpa de umas horinhas a mais de sono. Ela contara que certo dia e depois de meses molestada pelo frio sueco foi anunciado que no dia seguinte seria o esperado verão e daí uma oportunidade tropical para ela matar as saudades do sol e reviver o Brasil, a sua terra natal. O momento mereceu uma saída “by night” de despedida do inverno da qual se arrependera pelo resto da vida: por conta de excessos dessa noite ela teve que dormir um pouco mais e quando acordara o verão já se tinha ido.
Imagino que o mesmo esteja a acontecer com os actuais Governadores Provinciais (GPs): logo que os Secretários de Estado da Província (SEPs) tomaram posse de repente o verão que se pensava igual aos anteriores durou apenas umas horinhas. Assim e contra todas as previsões “políteorológicas” da corrente do Poder o inverno cinzento do processo político moçambicano continua com a diferença de que para além de longo, agora chove intensamente no inverno.
Nas cerimónias oficiais de abertura do ano lectivo e mais recentemente as do 3 de Fevereiro, o dia dos heróis, foram avistados - logo pela manhã - aguaceiros locais no semblante dos GPs que denunciavam uma temporada de intensa chuva cujas inundações a História encarregar-se-á de registar e estudar as consequências. Agora e diante das inundações cabe aos GPs escolher a melhor estratégia para a própria sobrevivência política.
E em matéria estratégica de sobrevivência recomendo aos GPs que recorram à uma estratégia dos tempos de moleque do bairro. Nesses tempos e perante um sinal de algum perigo, principalmente de agressão exterior e diante da nítida inferioridade na capacidade de resposta, a estratégia de defesa (preventiva) passava pelo recurso ao “agarrem-me senão não respondo por mim”. No caso, os GPs podem adaptar a estratégia para o “agarrem-me se não desisto/bato-lhe”.
E assim segue a democracia à moda moçambicana onde a política também ( como em outros quadrantes) não se difere tanto do clima. Nos dois casos não se celebra uma previsão, sobretudo quando a partida ela é boa. E por estes tempos de mudanças climáticas/políticas não se guie pelo embrulho é necessário que saiba previamente o seu conteúdo e o quanto é resiliente às intempéries dos ventos que sopram do norte.
A pequena vila de Mueda na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, símbolo de resistência dos moçambicanos contra o colonialismo português na década de 60 do seculo XX, não faz transparecer a tensão política militar que ali se vive nesta segunda década do seculo XXI, tudo por conta da acalmia que se vive durante o dia. Mas, mal o sol se põe procede-se a uma retirada estratégica dos seus habitantes revelando assim o recolher obrigatório tácito que reina na pequena urbe.
A paródia que me ofereço quando estou fora de casa, livre da reclusão doméstica e controlada pela minha parceira fica comprometida por conta deste mal-estar social.
Mas mesmo assim arriscamos a ficar fora da estalagem depois das 19h00, habitamos um bar de terceira categoria, consumindo o que nos aprazia vigiados pela secreta a paisana e mal disfarçada.
Eramos três, eu, António Nangole e Paulino Atale provenientes de Maputo, estávamos em Mueda por conta de uma pesquisa sobre a dança mais representativa dos macondes, o Mapiko. O único natural de Cabo Delgado era António.
Nas vésperas da partida de regresso à Pemba, António lembram-nos que gostaria de passar da sua terra natal para visitar a sua família. Como o individuo estava levemente embriagado, não levei em consideração a sua solicitação.
Como precisávamos descansar para viajar na manhã seguinte, decidimos retirar-nos para a estalagem onde estávamos hospedados. Ainda tivemos um papo animado no quarto de António por conta da embriagues para depois cada um rumar para o seu.
Partimos pela manhã, eram já 9h00 de uma quinta-feira em que o sol já irradiava intenso, fiquei com a vaga sensação que o sol nasce primeiro nesta parcela do país.
A caminhada pelo asfalto conferido pelo “suv” ajudava-nos a subtrair a distância para o nosso destino a cidade de Pemba.
Enquanto descendíamos do planalto, eu segurando firme o volante e com os olhos fitos na estrada e os meus colegas desfrutavam da bela paisagem que se oferecia.
A manifesta volição de António ficou expressa quando afirmou convicto:
“Em Namaua tem um desvio”
Eu que havia pensado que ele se esquecera por conta do estado etílico que se encontrava quando apresentou o seu pedido, fiquei meio decepcionado com o juízo que fizera. Tive que fazer inversão de marcha pois já tínhamos passado do desvio que nos levaria para terra natal do meu colega.
Quando finalmente alcançamos Namaua, embocamos em direcção ao posto administrativo de Imbuho. Depois de algumas curvas e contracurvas finalmente chegamos ao destino almejado.
“Entra daqui” – conferiu António depois de uma pesquisa ocular demorada, já não se lembrava do caminho.
Encaminhei a viatura para o caminho indicado, descemos uma pequena ladeira e paramos defronte de uma das três casas contíguas de adobe e cobertas com chapas de zinco.
António apeou-se, gingou estiloso pelo chão da terra natal, descobriu seus parentes que demoraram a reconhecê-lo por conta da surpresa.
Quando o reconhecimento facial efectuado por uma mulher terminou, esta correu de encontro a António e gritou:
“ Mano, você aqui!” – afirmou oferecendo um largo sorriso ao mesmo tempo que o abraçava.
Fomos então apresentados, ganhamos uns beijinhos carinhosos. Logo depois ela chamou por alguém que apareceu instantes depois. Era uma anciã, caminhava devagar, focou os estranhos que estavam no seu quintal sem nos reconhecer.
“Mama!” – gritou eufórico António.
Só quando a velhota se aproximou o suficiente de seu parente dilatou as pupilas ai o reconheceu. Envolvam-se num fraterno amplexo que me deixou emocionado. Não tardou para sermos apresentados.
Quando saudei-a, ela ofereceu-me um sorriso que enaltecia o seu rosto tatuado e falou em shimakonde algo que não percebi patavina, mas alegrei-me.
Enquanto conversavam alegremente em shimakonde, pondo as notícias em dia, eu e Paulino que não entendíamos nada do que falavam fomos trocando impressões, eu alertando que não podíamos demorar senão teria que conduzir durante a noite e isso não seria agradável.
Uma pequena assembleia familiar teve início, ofereceram-nos cadeiras, aguardamos, eu sempre lembrando que não nos devíamos demorar.
Um cacarejo efectuado fez-se ouvir e galinha derrapou perto de nós na fuga que empreendia dos seus verdugos.
Logo depois António aproximou-se e segredo-nos que a sua família convidava-nos a almoçar. Franzi a testa sem conseguir disfarçar o meu mal-estar, mas logo me refiz e falei algo para amortecer o meu descontentamento.
Capturei-a pelo visor da câmara, ela a anciã, estava sentada no chão e procedia ao preparo do madumbe, quando ela de relance me espiou, o seu olhar sossegava uma paz contaminante e cada vez que cruzávamos os olhares ela voltava a oferecer-me o seu sorriso, premi o gatilho da canon e ela ficou ali registada na memória do dispositivo. Mas o prévio dessa imagem já havia sido processado pelos meus neurónios e arquivada algures no cérebro.
Quando tentei escamotear a segunda fotografia, ela detectou e libertou um queixume na sua língua materna, desta vez, o meu colega de viajem natural de Imbuho, traduziu-me “ela pede para esperar”
Então ergueu-se e caminhou sem presa e entrou para uma palhota perto dali, não percebi porque ela me pedia para esperar, talvez não tivesse gostado que a fotografasse, magiquei e logo tratei de partir para explorar o local.
Decidi observar os lugares que o vilarejo proporcionava, desde a majestosa igreja ao monumento a uma santa até a pequena praça de heróis, ia vagando na minha pequena incursão.
Um pequeno alarido vinda do local onde havia estado fez com que interrompesse a investida turística e regressasse apressadamente.
Uma pequena turba olhava maravilhado para a eminente figura que desfilava sumptuosa na passarela de areia sem levantar poeira, a vestimenta de cor branca contrastava com o laço vermelho que lhe coroava a cabeça, todos os espectadores miravam atónitos. Ela dona de si alegrava-se com a admiração dos espectadores, largou um sorriso incrementando as rugas do seu rosto e fazendo sobressair a tatuagem que tinha no rosto.
Quando reconheci a minha estrela fiquei estupefacto e corri para o carro em busca da câmara fotográfica, posicionei-me defronte dela pronto para ganhar seu retrato.
A anciã veio calmamente, chegou perto, segurou-me a mão direita e puxou-me para lhe ladear, e com gestos indicou que o meu colega Paulino nos fotografasse.
Os actos I e II protagonizados pela velhota deixaram-me perplexo e ainda hoje, quase um ano depois, o enigma prevalece.
Depois sentados na esteira, deleitamos dos manjares, madumbe, água e sal de galinha e xima.
Seguidamente, todos animados despedimo-nos; uns em português, outros em shimaconde e partimos, ainda pelo retrovisor e a rectaguarda empoeirada vi acenos até perdê-los de vista.
Queria saber se esses Secretários de Estado da Juventude e Emprego e dos Desportos já receberam os seus termos de referência. Não é por mal, mas é que os primeiros Secretários de Estado que foram enviados ás províncias não conhecem as suas atribuições. Estão aqui a "faitar" com os Governadores eleitos.
Assim hoje, aqui em Nampula, há duas cerimónias de abertura do ano lectivo 2020. Quer dizer, jornalistas agora já não sabem onde ir. Jornalistas da Ere-Eme ou da Tê-Vê-Eme correm o risco de irem cobrir o evento do tio Manuel Rodrigues e o primo Mety Gôndola não gramar ou vice-versa. Provavelmente, vamos acabar por ter dois noticiários, um para cada chefe. Do tipo, "bom dia, está no ar o jornal da tarde da Rádio Moçambique emissor provincial de Nampula referente ao Secretário de Estado". Ainda vamos a tempo de termos uma Tê-Vê-Eme dividida em duas equipas, uma para eventos do Secretário de Estado e outra, do Governador.
Por isso queria saber se Osvaldo Petersburgo e Gilberto Mendes já levam as suas atribuições. Se já sabem o que vão fazer, quando, onde e como. Não é para ouvirmos, amanhã, que o Secretário de Estado do Emprego mandou informar que apartir de agora Cê-Vês para qualquer vaga serão entregues no seu gabinete. Não é para ouvirmos que Petersburgo mandou informar que jovens não podem falar inglês na rua.
Não podemos governar "manera manera", como diria aquele meu conterrâneo campeão olímpico de retratos no elevador. É isso! Não é para ouvirmos, amanhã, que o Secretário de Estado dos Desportos decidiu que o Maxaquene vai subir ao Moçambola. Não é para ouvirmos, amanhã, que Gilberto Mendes vai fazer a convocatória dos Mambas para o próximo jogo ou, então, que as chaves do Estádio do Zimpeto agora andam nos bolsos do Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado.
Seria muito bom que antes da tomada de posse cada um já conhecesse o seu trabalho. Que cada um já conhecesse as suas atribuições. Que cada um já fosse ao seu gabinete para trabalhar e não para ter aulas do seu próprio trabalho.
O que está acontecer entre o Secretário de Estado e o Governador aqui na banda é uma autêntica palhaçada. Não se pode repetir. Quero ver como vai ser no dia 3 de Fevereiro. Talvez cada camarada terá a sua própria praça dos heróis. Sem contar que a procissão ainda não saiu da paróquia.
- Co'licença!
Um grupo de assaltantes de bancos depois de uma das suas incursões - das mais ousadas e lucrativas - delibera que a divisão do dinheiro seria feita no dia seguinte logo que soubessem do valor através da imprensa. Para eles não havia necessidade para tanta massada, pois alguém faria por eles. O mesmo raciocínio para a limpeza que é feita nas praias do Conselho Autárquico da Cidade de Maputo (CACM), sobretudo as situadas na Av. Marginal: porquê deixar limpa se alguém (associações/voluntários) virá limpar?
Num texto recente e sobre a cidade defendi que não se consegue combater os males e lutar pelo desenvolvimento da cidade sem a participação activa dos seus munícipes e visitantes. E de que uma “cidade bela, limpa, próspera e empreendedora” ( a visão do CACM) só seria possível ser alcançada quando os próprios munícipes (e visitantes) se apropriarem da cidade e no caso das suas praias.
O intróito foi a propósito da realização (30 de Janeiro) da primeira auscultação pública da proposta de postura sobre a protecção, gestão e utilização da costa de Maputo e em particular das jornadas regulares/sistemáticas e pontuais de educação cívica e de limpeza que são feitas tendo como epicentro as praias de Maputo. Pelo que se consta o resultado não difere do da Ajuda Pública ao Desenvolvimento: os respectivos destinatários resistem veementemente aos esforços empreendidos por quem quer ajudar. Alguma coisa não está a bater bem. O que será?
Creio que a abordagem que é feita devia ser alterada. A boa vontade e os recursos existentes deviam ser reorientados/centrados na capacidade municipal de encaixe e recolha do lixo (recipientes e transporte) nos pontos previamente definidos. Quanto a limpeza ao longo das praias que ficasse uma responsabilidade cívica dos seus utentes. Estes - na sua maioria frequentadores cativos - seriam os próprios protagonistas e fiscais do asseio da praia.
Em resumo e uma dica para a postura em elaboração: recolher apenas o lixo depositado nos pontos definidos e o resto deixar ao critério dos utentes. Do caos pode emergir a ordem. Mboralá experimentar!
Comprei uma recarga de dez meticais da Movitel e converti o valor em megabyts. O resultado desta operação permite-me ir ao Youtub e ficar lá durante três horas a ouvir música. A assistir, em deferido, a memoráveis espectáculos dos meus ídolos, que ainda são os mesmos. Três horas de viagem consecutiva, embalado numa nave espacial que levita na órbita do espírito, é verdadeiramente uma catarse. E eu, por mais que o desejasse, não teria outra escolha que não fosse entregar-me todo, por inteiro, ao apelo inegável da música. Da boa música.
A minha casa está implantada num enorme quintal onde disponta um pequeno pomar de quatro laranjeiras. Tenho ainda duas mangueiras, dois limoeiros, uma toranjeira e um desabrochamento de plantas de camomila. Aqui reina o silêncio, poucas vezes interrompido pela comunicação entre mim e a senhora dona que está aqui para me dar algum azimute. De resto tenho a liberdade total para fazer as minhas coisas, e uma dessas coisas que gosto de fazer, é ouvir música. E ver shows que a memória jamais apagará.
Já perdi o hábito de estar na sala a ver televião. Este lugar para mim tornou-se um claustro, ou seja, quando estou aqui a sensação que tenho é de que os meus pulmões degeneraram. Falta-me ar. É por isso que que busco recorrentemente a sombra das minhas árvores, onde me sento na cadeira de palha a ouvir, ou a música dos pássaros, ou vomitada pelos pequenos alfitalantes do meu computador, ou ainda a própria música do coração.
Acho tudo isto muito admirável. Nas manhãs são as tuta-negras que me acordam quando o dia ainda é uma aurora, e no final da tarde são as rolas que me avisam, no seu recolher, arrulhando melancolias, sobre a chegada lenta da noite. As aves aproveitam a copa das minhas árvores, e poisam irrequiestas para agradecerm a Deus, cantando canções que oiço todos os dias sem me cansar. Amiúde descem e pisam a terra com as frágeis patas, procurando algo para debicar sem medo de mim.
Mas hoje estou com o computador ligado debaixo desta mangueira. Quero ouvir a música dos meus ídolos, aproveitando os “megas” convertidos dos dez meticais. Sinto-me feliz. Livre. E sem saber porquê, comecei por um rock-blues, bem içado pelas mãos de uma panóplia de ouro, Buddy Guy, Eric Clapton, John Winter, Robert Cray, Humbert Sumlin. Eles tocam “Sweet home Chicago”, uma verdadeira catarata de guitarras tocadas por gente auspiciosa. Fazem parte do meu tempo, porém isso não me basta. Não me saceia.
Procurei Louis Armstrong, nascido antes da Segunda Guerra Mundial (1901), e o que eu queria ouvir dele era Hello Dolly e What a Wonderful World. Senti-me elevado. Mesmo assim não podia esgotar a minha conta sem ver e ouvir Fela Kuti e o inevitável Hugh Masekela, que me levou para sempre na apresentação que fez em Lugano, em 2009, cantando o inultrapassável “Stimela”. Foi aqui onde percebi tudo, Hugh nasceu para cantar. E tocar trompeta. No cume.
Sigo este ritual de forma quase religiosa, e este imenso verde que me cerca, e ajuda na regulação do gás carbónico na atmosfera, é mais do que isso. É uma importante plateia que me leva a vastidão do mundo da música, onde o coração transborda e outorga a paz. Na verdade, este verde leve dá-me isso. De graça.