Uma reserva florestal do Estado está prestes a ser destruída no distrito costeiro de Pebane, no nordeste da província da Zambézia, em nome da exploração de recursos minerais. Trata-se da reserva florestal de Moebase, localizada na comunidade de Cuassiane, na Localidade de Alto Maganha, no Posto Administrativo de Mulela.
Em causa está a concessão de uma área à empresa TZM Resources, S.A., de capitais chineses, para a exploração de areias pesadas, que parte da comunidade de Cuassiane, no Posto Administrativo de Mulela Mualama, até à comunidade de Marauanha, no Posto Administrativo de Naburi, zona limítrofe com a província de Nampula.
Uma investigação do Centro de Integridade Pública (CIP) apurou que o projecto de exploração de areias pesadas em Moebase até foi reprovado pela Ministra da Terra e Ambiente, Ivete Joaquim Maibaze, devido à existência de uma área de conservação na área concessionada à TZM, no entanto, “Carta” apurou que lobbies políticos estão em curso com vista a convencer a governante a mudar de opinião.
A TZM Resources, S.A. é uma sociedade anónima, registada a 21 de Agosto de 2020, na Conservatória do Registo de Entidades Legais, sob Número Único de Entidade Legal (NUEL) 101361454, tendo como objectos a “actividade mineira” e o “comércio geral com importação e exportação de produtos mineiros”.
No entanto, em Setembro do mesmo ano, a empresa viu o seu capital social ser alterado. Aquando da sua criação, o capital social, integralmente realizado em dinheiro, era de 100.000, Meticais, representado por 1.000 acções, no valor nominal de 100,00 Meticais cada uma. No entanto, desde 1 de Setembro de 2020 que o capital social é representado por 100.000 acções, no valor nominal de 1,00 Metical cada uma. Não se sabe quem são os moçambicanos por detrás desta sociedade anónima.
Ao que “Carta” apurou, reuniões secretas, envolvendo autoridades distritais de Pebane e provinciais da Zambézia, assim como líderes do partido Frelimo no distrito de Pebane e na província da Zambézia, têm tido lugar na cidade de Maputo, com o objectivo de convencer Ivete Maibaze a aprovar o projecto.
Aliás, não só há lobbies políticos em andamento, como também estão em curso as obras para instalação das máquinas. “Carta” esteve no povoado de Cuassiane, em meados do passado mês de Junho, e testemunhou in loco a existência de dois acampamentos pertencentes à TZM, com capacidade total para 30 quartos. Ao que apuramos, as obras iniciaram em 2021 e foram concluídas no primeiro semestre de 2022.
Para além da construção dos dois acampamentos, a empresa já realizou o Estudo de Impacto Ambiental, onde constatou haver necessidade de reassentar pelo menos 204 famílias nos dois Postos Administrativos. Também já realizou uma consulta pública às comunidades afectadas e assinou memorando de entendimento com o Governo distrital de Pebane, no âmbito da sua responsabilidade social.
As autoridades ambientais, a nível da província da Zambézia, “fecham-se em copas” e não aceitam falar à nossa reportagem. Já os Serviços Provinciais de Infra-Estruturas confirmam a reprovação do projecto de mineração em Cuassiane e aprovação, apenas, do projecto de construção da Doca seca.
Já o Procurador-Chefe Provincial da Zambézia, Fred Jamal, disse à “Carta” não ter ciência do dossier de Moebase, porém, garantiu que a sua instituição tem um magistrado que se dedica aos assuntos da indústria extractiva.
Na sua interação com a nossa reportagem, Jamal afirmou ser comum, na Zambézia, projectos serem aprovados depois de terem sido chumbados, tudo devido à pressão política. A situação, detalhou, acontece tanto no sector mineiro, assim como no madeireiro.
Pescadores já foram compensados e população aguarda pelo reassentamento
Um dos acampamentos da TZM Resources, SA foi erguido numa área em que estava instalado o acampamento dos pescadores. Trata-se de um local que albergava os pescadores que residem na localidade-sede de Alto Maganha, que dista a pouco mais de 10 Km.
Pramuji Essilamo, um dos pescadores afectados pela destruição do acampamento, contou à “Carta” que os pescadores já foram indemnizados em valores que variavam entre 2.000,00 Meticais e 7.000,00 Meticais, uma quantia, entretanto, considerada insignificante por alguns beneficiários.
“Usávamos o acampamento para o nosso descanso durante o período de pesca, porque as nossas casas estão distantes do mar. Há momentos em que chegávamos a passar uma semana, dependendo da disponibilidade do peixe e do comportamento do mar”, afirmou Pramuji Essilamo, sublinhando que agora são obrigados a regressar à casa todos os dias.
Essilamo afirma que os pescadores nunca tiveram oportunidade de negociar os valores com a empresa, pois, as compensações foram impostas pelas autoridades distritais. No entanto, assegura que os pescadores nunca foram proibidos de usar aquela área para aceder ao mar.
Entretanto, se os pescadores da localidade-sede de Alto Maganha já foram compensados pela destruição do seu acampamento, o mesmo ainda não aconteceu com a população abrangida pelo projecto.
Em Cuassiane, por exemplo, ainda reina uma grande expectativa, misturada com incertezas em torno dos frutos do projecto. João Joaquim, que reside naquela comunidade desde 2005, diz ainda não estar claro do que irá acontecer consigo e com a sua família.
“Dizem que vamos ter de sair daqui e irmos viver em Alto Maganha. Dizem também que teremos casas de três quartos e que nos vão dar machambas”, conta ele, transmitindo a mensagem que lhe chegou através de terceiros, pois, nunca participou em qualquer reunião de consulta pública.
A única coisa que conta com propriedade é sobre a sua relação laboral com a TZM e as condições de trabalho existentes. Joaquim é, actualmente, guarda no acampamento erguido junto ao rio Moebase, que dá nome à floresta. Narra que a empresa não disponibiliza alimentação, paga salários precários e não dá assistência médica e medicamentosa.
Já Domingos Ussene, Secretário do bairro, em Cuassiane, afirmou ter participado em três reuniões, sendo que uma teve lugar no ano passado e duas no princípio deste ano. Nos três encontros, afirma, a população recebeu promessas de casas melhoradas, abertura de furos de água, construção de escolas e centros de saúde.
No entanto, nenhuma destas promessas foi concretizada e não sabe quando serão cumpridas. Acrescenta ainda que a população pediu a construção de uma ponteca sobre um riacho que corre na região e que acaba tornando a localidade-sede de Alto Maganha distante. “Temos de dar uma volta muito grande de carro ou motorizada por não termos ponte”, narra.
Segundo Ussene, Cuassiane dista a pouco mais de 10 Km da localidade-sede de Maganha, usando os caminhos utilizados pela população, porém, “Carta” teve de percorrer perto de 21 Km de carro com tracção às quatro rodas.
Quem também ainda não sabe quando serão concretizadas as promessas da TZM é Aquima Ernesto, uma chefe de família que, para além de casa e machamba, também quer emprego. “Queremos que a empresa nos dê trabalho para ajudarmos os nossos maridos”, disse Aquima Ernesto.
À nossa reportagem, Ernesto contou que a comunidade ainda não foi indicada o local onde será erguido o bairro de reassentamento e nem as machambas, porém, a população já identificou o local para construção da vila, que considera ideal para dar continuidade às suas principais actividades económicas: pesca e a agricultura.
Governo distrital feliz com promessas da TZM Resources, S.A.
Enquanto a população ainda está incerta do que irá acontecer, o Governo distrital de Pebane tem certeza que a relação com a TZM Resources, S.A. será das melhores, diferentemente da que mantém actualmente com a Tazetta Resources, Limitada, que também explora areais pesadas na vila de Pebane.
À “Carta”, o Secretário Permanente de Pebane, Robert Armando, contou que a TZM prometeu pavimentar a rua principal da vila; abrir oito furos de água nos três Postos Administrativos (Mulela, Naburi e Pebane); e atribuir 10 bolsas de estudo de nível superior em cada Posto Administrativo.
Também prometeu construir mercado convencional na sede da Localidade de Malema; oferecer uma ambulância ao Posto Administrativo de Mulela; e construir uma Escola Primária Completa em Naburi.
As acções vêm expressas num memorando de entendimento assinado em Setembro de 2021 entre a TZM e o Governo distrital de Pebane, cuja implementação irá ocorrer entre os anos de 2023 e 2027.
Quanto ao reassentamento, Robert Armando contou que, neste momento, a TZM está a desenhar a casa-modelo a ser erguida para a população. Assegurou ainda haver possibilidade de a empresa arrancar as suas operações mineiras antes de implementar o reassentamento, desde que a área a ser escavada, em primeiro lugar, não esteja habitada. Refira-se que a TZM está pronta a arrancar as operações ainda este ano, de acordo com as autoridades distritais de Pebane. (Abílio Maolela, em Pebane)